segunda-feira, 29 de maio de 2023

A curiosa maneira como gregos e romanos usavam eletricidade para aliviar dores sem saber gerá-la

A eletroterapia é um conjunto de técnicas médicas e fisioterapêuticas que usa a eletricidade para tratar uma série de lesões e doenças. Entre suas aplicações, estão a reabilitação muscular, o tratamento de dores crônicas, da depressão e de certas lesões cerebrais.

O ser humano compreende a natureza da eletricidade e aprendeu a manipulá-la há pouco tempo, de forma que a eletroterapia é considerada um avanço científico do mundo moderno.

Mas os antigos gregos e romanos tiveram experiências com a eletricidade e chegaram a propô-la como solução para males e enfermidades.

Será que eles tinham dispositivos para gerar e manipular a eletricidade? Não, mas eles dispunham de fontes naturais e acessíveis de eletricidade: os peixes.

•        Os peixes elétricos do Egito, Grécia e Roma

A capacidade que algumas espécies de peixes têm de gerar eletricidade é chamada bioeletrogênese.

Esses animais utilizam a eletricidade com diversos propósitos, como a comunicação, a caça, a defesa, a navegação e a caracterização do seu entorno.

Algumas espécies eletrógenas vivem em lugares onde se desenvolveram civilizações importantes, como as arraias-elétricas que habitam o Mar Mediterrâneo (da ordem Torpediniformes) ou os peixes-gatos-elétricos da África (da família Malapteruridae).

Sabemos que os egípcios, os gregos e os romanos estavam familiarizados com os peixes elétricos, que aparecem representados em baixos-relevos de monumentos egípcios, na cerâmica grega e em mosaicos romanos.

•        Atordoam como uma conversa com Sócrates, segundo Platão

O contato com esses peixes costuma causar dormência no membro usado para tocá-lo.

Talvez por esta razão, o tratado de Hipócrates sobre a Dieta nas Doenças Agudas menciona uma espécie indeterminada de peixe, muito provavelmente um peixe eletrógeno, com a terminação narke, que é a raiz da palavra narcose.

Esta é considerada a primeira referência escrita sobre estes animais. Mas, apesar da menção à extraordinária característica dos peixes narke, o Corpus Hippocraticum não inclui nenhum tratamento médico baseado na aplicação da sua eletricidade.

Platão (427-347 a.C.) também comentou as consequências de tocar esses animais em seu diálogo Mênon, comparando a sensação resultante com o atordoamento mental derivado das conversas com Sócrates.

Já Aristóteles (384-322 a.C.) destacou a astúcia das arraias-elétricas na hora de espreitar e caçar seus alimentos. Como ele relatou em Da História dos Animais, estes peixes se escondem no fundo do mar e paralisam as presas que se aproximam.

Seu discípulo Teofrasto (371-287 a.C.) alertou que as descargas das arraias-elétricas também podem ser transmitidas à distância por algum meio, como a água ou equipamentos de pesca metálicos. Ele elaborou uma das primeiras descrições sobre os materiais condutores de eletricidade.

•        Para tratar da inibição do impulso amoroso

Muitos outros autores clássicos falaram em termos similares sobre os poderes extraordinários desses peixes, como Cícero (106-43 a.C.) e o poeta Opiano de Anazarbo, que descreveu acertadamente, no século 2 d.C., os órgãos do corpo das arraias-elétricas que geram a eletricidade.

Em História Natural, Plínio, o Velho (23-79 d.C.), compilou terapias baseadas na ingestão ou na aplicação tópica de determinadas partes dos peixes eletrógenos para diferentes finalidades, como a estimulação do parto ou a inibição do impulso amoroso.

Mas, apesar de todo esses conhecimento, ninguém propôs aplicações médicas baseadas na eletricidade desses animais até o ano 46 d.C.

•        Choques de arraias para combater a dor

O médico Escribônio Largo trabalhou a serviço da corte do imperador romano Cláudio. Ele foi o primeiro a propor, no ano 46, o uso de choques de arraias-elétricas para reduzir dores crônicas de difícil tratamento.

Apenas uma de suas obras chegou até nós — uma farmacopeia intitulada De compositione medicamentorum liber. Trata-se do primeiro texto conhecido que fala sobre a eletroterapia.

A obra inclui o relato de Antero, escravizado liberto do imperador Tibério. Ele sofria de gota e tinha fortes dores em uma das pernas.

Durante um passeio na praia, Antero pisou acidentalmente em uma arraia-elétrica, que deixou sua perna dormente e eliminou a dor.

É possível que esta experiência tenha inspirado Escribônio a recomendar tratar a gota colocando uma arraia-elétrica viva em contato com o membro afetado, até que a dor diminuísse graças ao entorpecimento.

Ele sugeriu aliviar as dores de cabeça de forma similar — mas, neste caso, era preciso colocar as arraias-elétricas sobre a cabeça dos pacientes.

A obra de Escribônio teve alguma repercussão. O médico Dioscórides (50-90 d.C.) endossou esses tratamentos e os recomendou para tratar o prolapso retal. E Galeno (129-201/216) realizou experimentos com arraias-elétricas para comprovar seus benefícios. Mas, inicialmente, ele não obteve resultados positivos, talvez por ter usado animais mortos, em vez de vivos.

Graças a alguém que teve a ideia genial de aplicar a eletricidade de forma controlada para aliviar dores insuportáveis e tratar de doenças, a qualidade de vida de milhares de pessoas melhorou significativamente ao longo dos séculos.

 

Fonte: Por Alberto Romero Blanco, para The Conversation

 

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