Mortalidade
materna, um reflexo da desigualdade no Brasil
Por falta de acesso a tratamentos e cuidados, mães
negras, pardas e indígenas, de periferias, do Norte e Nordeste são as que mais
correm risco de morrer durante a gravidez, o parto ou o puerpério.Nos perfis de
celebridades e influenciadores brasileiros, é comum ver mulheres posando em
quartos de maternidade com acesso a champanhe e tratamento exclusivo. Enquanto
isso, muitas mães de regiões tradicionalmente menos equipadas com hospitais, e
também na periferia de grandes cidades, morrem por motivos como falta de UTI e
infecções.
Esse é mais um retrato da desigualdade do Brasil,
onde o índice de mortalidade materna, relativo às mortes de mulheres durante a
gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gravidez, segundo
definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), é alarmante.
Dados preliminares do Observatório Obstétrico
Brasileiro apontam que o país teve 1.252 mortes maternas em 2022, o que
significa um índice de 50,6 óbitos a cada 100 mil partos. Os números ainda não
estão fechados, e, segundo Rossana Francisco, professora da Universidade de São
Paulo (USP) e coordenadora de obstetrícia do observatório, mais casos ainda
podem ser registrados.
De acordo com a especialista, esses são números
muito altos. “Isso mostra que voltamos ao patamar de 2019, quando o Brasil
registrou 57 mortes por 100 mil partos, o que é muito sério”, diz.
Mulheres grávidas foram particularmente atingidas
pela pandemia de covid-19 no Brasil. Em 2021, segundo o Observatório Obstétrico
Brasileiro, ao menos 1.518 gestantes morreram em decorrência do coronavírus, e
o índice de mortalidade materna chegou a 107,53 por 100 mil, um valor que não
era registrado desde os anos 90.
Para especialistas, o fato de o número ter voltado a
baixar em 2022 não é razão para se comemorar, e as mortes de mães deveriam ser
muito menos frequentes no país.
• Desigualdade
internacional
A mortalidade materna é um problema em muitos
países. Segundo relatório divulgado pela ONU em fevereiro, uma mulher morre a
cada 2 minutos no mundo devido ao parto ou complicações da gravidez.
Esses dados apontam também para a desigualdade
mundial. Em 2020, por exemplo, o número de mortes maternas por 100 mil na
Alemanha ficou abaixo de 4. No mesmo período, no Brasil, a taxa foi de 71,97.
Para combater o problema, a ONU lançou um programa
mundial. O Brasil é signatário do documento e se comprometeu a reduzir o número
de mortes para 30 por 100 mil até 2030. Segundo Rossana Francisco e outros
especialistas ouvidos pela DW, no entanto, é muito difícil que a meta seja atingida.
Situação é pior no Norte e Nordeste
O Brasil não aprendeu com a tragédia do coronavírus,
considera a coordenadora do Observatório Obstétrico Brasileiro.
“A covid foi como uma lupa que evidenciou a situação
do país. Durante a pandemia, entre as mulheres grávidas que morreram da doença,
uma em cada cinco não foi internada em UTI. E uma em cada três não foi
entubada. Isso mostra que as mulheres não são protegidas”, diz Francisco.
Em 2021, os estados brasileiros com piores índices
de mortalidade materna foram: Roraima, Tocantins e Rondônia. Apesar de os dados
de 2022 ainda não estarem fechados, Francisco afirma que o Norte e o Nordeste
continuam sendo as regiões com maior risco às mães por falta de acesso a
tratamentos e cuidados.
“Há escassez de hospitais especializados em atenção
e gestação de alto risco, que possuam leitos de UTI para mães e recém-nascidos,
além de equipamentos e equipes especializadas nesses cuidados”, diz.
• Nove
em cada dez mortes poderiam ser evitadas
Na pós-pandemia, segundo dados do observatório, as
causas de mortes de mães e puérperas no Brasil voltaram a ser as de antes:
hipertensão, em primeiro lugar, seguida por hemorragia e infecção. Os
especialistas afirmam que 90% dessas mortes poderiam ter sido evitadas.
“Muitas mulheres que têm hemorragia, por exemplo,
morrem por não ter acesso a tratamentos como diálise e transfusão de sangue”,
diz Francisco.
A especialista aponta também para a necessidade de
acompanhamento pré-natal. “Em 2022, os números indicam que 72% das mulheres
fizeram sete sessões de pré-natal. Isso significa que 29% ficaram com um risco
maior fazendo menos do que deveriam.”
• Desigualdade
racial
“A mortalidade materna é um marcador social muito
importante e que mostra as desigualdades do Brasil. Nas periferias das grandes
cidades, por exemplo, o índice de mortalidade pode se aproximar do de zonas
rurais remotas do país”, diz a epidemiologista e pesquisadora da Fiocruz
Emanuelle Franco Goes.
A especialista destaca que a desigualdade racial
também se reflete na mortalidade materna. Mulheres negras, pardas e indígenas
correm mais risco de morrer por complicações do parto. Segundo a pesquisa
Racismo antinegro e morte materna por covid-19 – o que vimos na pandemia,
coordenada por Goes, a chance de morte materna foi 62% maior entre mulheres
negras e pardas em comparação às brancas durante a pandemia.
“Para combater a mortalidade materna temos também
que combater o racismo. Muitas mulheres negras não conseguem atendimento e são
negligenciadas”, afirma a pesquisadora.
“O racismo é um determinante da saúde
importantíssimo”, corrobora a enfermeira Alaerte Martins, integrante da Rede
Feminista de Saúde. Ela aponta que mulheres negras, por exemplo, sofrem mais de
hipertensão e não recebem o tratamento adequado.
“Essas mulheres são abandonadas. Em todo o mundo as
minorias étnicas têm um risco maior. No Brasil não somos minoria, mas mesmo
assim sofremos com o racismo institucionalizado”, diz.
Isso faz, segundo Martins, com que muitas mulheres
negras e pardas não tenham acesso, por exemplo, a uma cesariana de emergência.
Se por um lado considera o número de cesarianas no
Brasil “um vexame” e acredita que deva haver uma campanha nacional alertando
contra os riscos da cirurgia, por outro, a enfermeira lembra que a cesárea
salva vidas.
“O que acontece em muitos hospitais é que mulheres
que não precisam de cesárea fazem, enquanto outras, que realmente precisam,
ficam sem acesso”, pontua.
• Prevenção
e conscientização urgentes
O Brasil é o segundo país do mundo na frequência de
cesarianas (perdendo só para a República Dominicana). Um cenário que, segundo
especialistas, aumenta o número de infecções e de hemorragias. Muitas mulheres
não têm o direito de escolher o tipo de parto e acabam tendo a cirurgia imposta
por médicos, aponta Goes.
Para diminuir o número de mortalidade materna, a
enfermeira Alaerte Martins acredita que o país deveria fazer uma grande
campanha de conscientização sobre os riscos da cesariana.
Rossana Francisco, do Observatório Obstétrico
Brasileiro, acredita que o país precisa também de uma campanha de prevenção e
acesso ao pré-natal.
“As mulheres precisam saber que, por exemplo, no
caso de febre, de pressão alta, precisam procurar o hospital rapidamente”, diz,
ressaltando que a proteção à saúde das mulheres grávidas no Brasil precisa
melhorar urgentemente.
Fonte: Revista Planeta
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