sábado, 14 de setembro de 2024

Rússia lança contraofensiva, após Ucrânia invadir Kursk

Mais de um mês depois de as tropas ucranianas surpreenderem a Rússia com a invasão da região fronteiriça de Kursk, Moscou começou seu contra-ataque. A informação foi confirmada pelo presidente ucraniano Volodimir Zelenski nesta quinta-feira (12/09), que disse que a reação faz parte do "plano" ucraniano.

"A Rússia lançou ações contraofensivas, que estão em linha com o nosso plano ucraniano", assegurou a jornalistas em Kiev.

A Rússia afirma ter recapturado dez vilarejos na região nas últimas 48 horas.

Zelenski também comentou relatos sobre o acúmulo de tropas bielorrussas perto da fronteira com a Ucrânia e disse que Kiev acompanha de perto a situação.

O presidente ucraniano voltou a insistir para que os aliados de Kiev permitam o uso de suas armas contra alvos em território russo – algo que, até agora, só foi autorizado na fronteira, para evitar ataques contra a Ucrânia.

"Atrasar o processo faz a Rússia mover estes alvos militares mais para o interior [do país]", declarou, indicando que teve na quarta-feira uma conversa "muito direta" com o secretário de Estado americano, Antony Blinken, e com o ministro das Relações Exteriores britânico, David Lammy.

<><> Ucrânia tenta resistir ao avanço russo em Donetsk

As tropas ucranianas invadiram Kursk em 6 de agosto como parte de uma estratégia que visava, entre outras coisas, forçar a Rússia a remanejar tropas em Donetzk, no leste ucraniano, e criar uma zona tampão para evitar novos ataques.

A Rússia tenta assumir o controle de toda a região de Donetsk. Um dos últimos bastiões ucranianos ali é Pokrovsk, um centro logístico importante para as defesas ucranianas.

Apoiadas por bombas e artilharia pesada, tropas de Moscou reduziram a escombros cidades em Donetsk como Bakhmut e Avdiivka. Também têm investido contra a infraestrutura do país, principalmente do setor de energia, o que possivelmente deixará os ucranianos diante de um difícil inverno neste ano.

•        A Otan deve derrubar drones russos no oeste da Ucrânia?

Nas primeiras horas de domingo passado (08/09), dois caças F-16 romenos decolaram de uma base aérea em Borcea, uma cidade perto da fronteira com a Ucrânia. Os moradores da região foram avisados por alertas de texto.

A resposta de emergência foi acionada depois que o sistema de vigilância por radar da Romênia rastreou um drone russo entrando no espaço aéreo da Romênia. O drone teria pairado lá por mais de 30 minutos e finalmente voltou para a Ucrânia.

Não foi o primeiro incidente desse tipo na Romênia ou, nesse caso, em território da Otan. Apenas um dia antes, um drone russo caiu perto da cidade letã de Rezekne, provavelmente vindo da vizinha Belarus.

O número de tais incidentes tem aumentado nas últimas quatro semanas, com a Rússia parecendo disposta a correr mais riscos. "Está piorando, e a Otan agora realmente precisa encontrar uma resposta", disse à DW Jamie Shea, ex-secretário-geral adjunto para desafios emergentes de segurança da Otan.

Shea, membro sênior do think tank Friends of Europe, sediado em Bruxelas, argumenta que a aliança tem "que fornecer mais proteção aos seus Estados-membros". A aliança prometeu proteger cada centímetro do território da Otan desde o início da guerra da Rússia na Ucrânia.

<><> A Rússia está testando a Otan?

A organização condenou as recentes violações do espaço aéreo pela Rússia, chamando-as de "irresponsáveis e potencialmente perigosas".

No entanto, em uma publicação na plataforma social X, o vice-secretário-geral em final de mandato, Mircea Geoana, destacou que a aliança não tem nenhuma informação "indicando um ataque intencional da Rússia contra os aliados".

Especialistas como Jan Kallberg, um membro do Center of European Policy Analysis, com sede em Washington, suspeitam que a Rússia pode estar sondando a reação da Otan e buscando encontrar discrepâncias "entre o que dizemos e o que fazemos". Eles também podem "tentar testar a capacidade de comunicação dos aliados da Otan", disse ele à DW.

A questão esteve entre os tópicos discutidos durante uma reunião a portas fechadas do Conselho do Atlântico Norte em Bruxelas esta semana. A pressão parece estar crescendo para que a Otan vá além das medidas já implementadas, incluindo o aumento da vigilância e patrulhas aéreas e a implantação de mais sistemas de defesa aérea nas regiões orientais da aliança.

<><> A Otan deveria simplesmente abater drones russos?

Em uma entrevista recente ao jornal Financial Times, o ministro das Relações Exteriores polonês, Radek Sikorski, disse que a Polônia, assim como outros países que fazem fronteira com a Ucrânia, têm o "dever" de abater mísseis russos antes que eles entrem em seu espaço aéreo.

Em novembro de 2022, dois fazendeiros morreram quando um míssil — dessa vez um míssil de defesa aérea ucraniano — causou uma explosão fora da vila de Przewodow, cerca de 8 quilômetros a oeste da fronteira ucraniana.

Como nação soberana, a Polônia certamente poderia fazer o que considerasse necessário para sua autodefesa, mas é improvável que o governo polonês vá em frente sem uma decisão coletiva da aliança. Até agora, a Otan se opôs a essa proposta, afirmando que corre o risco de a aliança se tornar parte do conflito.

"A mentalidade de escalada está limitando a capacidade dos países da Otan de ajudar a si mesmos e à Ucrânia", diz Kristine Berzina, especialista em política de segurança do German Marshall Fund, um think tank de política pública dos EUA. Ela destaca que, apesar de a Rússia proclamar "linhas vermelhas em todo o lugar", nem o apoio crescente do Ocidente à Ucrânia nem a recente incursão da Ucrânia em território russo na região de Kursk provocaram "qualquer tipo de resultado cataclísmico de forma alguma".

<><> Zona-tampão na fronteira com a Ucrânia?

"Estender as defesas aéreas da Polônia ou da Romênia sobre o oeste da Ucrânia ajudaria a Polônia não apenas a proteger seus próprios cidadãos, mas também cidades ucranianas como Lviv", sublinha Berzina. Isso seria um efeito colateral importante e bem-vindo para a Ucrânia, já que o inverno está se aproximando, época conhecida por um rápido aumento nos ataques russos à infraestrutura energética da Ucrânia.

Shea, o ex-oficial da Otan, também espera que a perspectiva de incidentes no espaço aéreo da Otan cresça à medida que a Rússia ataca mais alvos no oeste da Ucrânia.

"A verdadeira questão é: alguém tem que morrer além dos dois poloneses, e quanto a situação tem que piorar até que esse tipo de problema venha a ser tematizado?", questiona Shea.

Mas Shea observa que se a Otan decidir usar seus sistemas de defesa aérea na fronteira com a Ucrânia dentro de uma área limitada, "tem que ser suficientemente limitada" para não dar a impressão de que "esta é a introdução do Ocidente na guerra".

Ainda assim, "tem que ser operacionalmente eficaz" não apenas para interceptar drones, mas também mísseis balísticos, antes que eles possam cruzar para o território da Otan. De acordo com Shea, uma zona de 100 quilômetros em território ucraniano é provavelmente "o mínimo para lhe dar tempo adequado de reconhecimento, vigilância e interceptação".

<><> Aliados da Otan contidos pela política interna

No final, é certamente uma decisão política. Especialistas com quem a DW conversou concordam que se a Otan quiser uma zona-tampão na fronteira com a Ucrânia, ela terá os recursos para estabelecê-la.

Mas é provável que isso aconteça?

Com a próxima eleição presidencial nos EUA e a difícil política interna na França e na Alemanha, os governos parecem ter pouco apetite para tomar decisões que podem ser criticadas por levar seus países à beira da guerra com a Rússia.

"Enquanto os russos não estiverem deliberadamente nos atacando, faremos vista grossa", disse o ex-oficial da Otan Jamie Shea.

"Mas se houver um incidente sério em que um drone russo caia em um supermercado em um país da Otan", ele acrescenta. "Será uma história bem diferente."

•        Apoio alemão à Ucrânia na mira dos populistas

"Apoiamos a Ucrânia em sua resistência à guerra de agressão da Rússia. Obviamente, continuaremos a fazê-lo", disse um porta-voz do governo alemão após o resultado das recentes eleições nos estados da Turíngia e Saxônia, onde as legendas populistas de direita e de esquerda receberam votações expressivas.

Mas seria isso tão "óbvio" após o sucesso eleitoral da Alternativa para Alemanha (AfD) e da Aliança Sahra Wagenknecht (BSW) no leste do país? Trata-se de dois partidos que defendem o fim do apoio militar à Ucrânia e a melhora das relações com a Rússia.

Apesar de as decisões em política externa não serem tomadas em nível estadual, o apoio alemão à Ucrânia se tornou um dos temas da campanha eleitoral nos estados do leste.

A esquerdista Sahra Wagenknecht fez da votação uma escolha entre a guerra e a paz. O líder da AfD na Turíngia, Björn Höcke, chegou a afirmar que "essas eleições no leste também decidirão se esse país deixa o caminho da guerra ou se continua rumo a uma escalada".

Algumas estatísticas refletem as dimensões do problema que o governo federal alemão vem enfrentando, principalmente no leste do país, apesar de o chanceler federal, Olaf Scholz, garantir que Berlim apoiará Kiev "pelo tempo que for necessário".

<><> Medo de uma ampliação da guerra

Segundo a edição de 2024 do Relatório Allensbach de Segurança, 76% dos entrevistados no leste do país temem que a Alemanha acabe sendo arrastada para um conflito militar. Em contraste, apenas 44% das pessoas no oeste alemão expressam esse mesmo sentimento.

Uma pesquisa divulgada em julho pelo instituto Infratest Dimap afirma que 36% dos respondentes em todo o país avaliam que o envio de armamentos para a Ucrânia por parte da Alemanha já teria ido "longe demais". No leste, 50% pensam dessa forma.

"Muitos no leste temem uma escalada da guerra através do envio de armas", explica Katja Hoyer, uma historiadora natural de Brandemburgo, também no leste alemão, que vive agora no Reino Unido.

"Nas últimas semanas, ouvi vez após vez o argumento de que a Rússia, de qualquer forma, não poderá ser derrotada, e que o futuro apoio à Ucrânia seria somente uma provocação desnecessária que iria prolongar a guerra".

Em email à DW, Hoyer diz acreditar que essa perspectiva teria origem nas experiências vividas na antiga Alemanha Oriental, sob o jugo soviético. "A União Soviética era uma das duas potências mundiais. A reverência que muitos no leste sentiam pelo Estado soviético foi transferida para Rússia atual – não tanto para o Ocidente." Além disso, a opinião das pessoas do leste do país sobre a União Soviética não era totalmente negativa.

<><> "As duas ramificações do Kremlin"

O governador da Saxônia, Michael Kretschmer, ecoou esse sentimento durante a campanha eleitoral deste ano e defendeu um "congelamento" da guerra na Ucrânia. Esse posicionamento gerou críticas de dentro de seu partido, a conservadora União Democrata Cristã (CDU), a maior sigla de oposição no Bundestag (Parlamento), na qual muitos veem as posições de Kretschmer em relação à guerra como uma traição à Ucrânia.

O analista político Roderich Kiesewetter avalia que a CDU se deixou pressionar pelo que chamou de "as duas ramificações do Kremlin", se referindo à AfD e BSW.

Em email à DW, ele afirmou que "um 'congelamento' no conflito resultaria em crimes de guerra massivos nos territórios ocupados e no envio de soldados dos países do Ocidente para reforçar as linhas de frente. Serviria como um modelo para outros países agressivos e resultaria em milhões de refugiados a mais e pessoas deslocadas que terão de fugir para a Alemanha e para a Europa Ocidental." Kiesewetter atribui a perspectiva no leste alemão à "romantização da Rússia, distorção da história e antiamericanismo".

Mesmo assim, Kretschmer conseguiu encontrar ressonância em meio aos eleitores da Saxônia. Em parte, provavelmente, em razão de suas críticas ao apoio à Ucrânia, a CDU superou por margem bastante apertada a AfD, um partido que não tem escrúpulos ao torcer abertamente por um triunfo russo na guerra.

<><> "Teste de resistência" para a CDU

Nas futuras negociações para formar coalizões de governo na Saxônia e na Turíngia, a pergunta "qual é a sua posição sobre o apoio à Ucrânia?" poderá ter consequências concretas. Nos dois estados, há uma boa chance de que a CDU lidere o próximo governo. Os conservadores, no entanto, necessitarão de parceiros de coalizão. Até agora, a CDU diz descartar alianças com a AfD, embora não tenha feito o mesmo com a BSW.

Antes das eleições, Wagenknecht deixou claro que a adesão de seu partido a uma coalizão de governo dependerá do tema Ucrânia. "Somente participaremos de um governo estadual que adote uma posição clara em nome da diplomacia e contra as preparações para a guerra também em nível federal", afirmou, antes da votação.

Desde as eleições, contudo, Wagenknecht adotou um tom mais ameno. Ela passou a dizer que um governo que inclua a BSW deve comunicar publicamente a intenção de ver mais "iniciativas diplomáticas" por parte do governo federal visando o fim da guerra na Ucrânia, e que não apoia o envio de armas a Kiev "na escala atual".

<><>BSW como o "longo braço do Kremlin"

É possível, contudo, que a BSW faça valer a sua vontade? "Isso não deverá ser um grande desafio na Saxônia", diz Katja Hoyer. "Kretschmer, desde o começo, já se pronunciou claramente contra o envio de armas."

A especialista, porém, avalia que na Turíngia a situação é bem diferente. Ali, a AfD terminou as eleições como a sigla mais forte, à frente da CDU. "A BSW pode e irá colocar pressão sobre a CDU, que não venceu a eleição", prevê Hoyer.

"Quase a metade do eleitorado votou na AfD ou na BSW, ou seja, em um partido pró-Rússia. Mesmo que Wagenknecht tenha descartado isso, uma coalizão entre as duas siglas teria maioria no Parlamento estadual." Isso faz com a BSW tenha uma margem de negociação considerável para exigir concessões da CDU.

Kiesewetter, por sua vez, aconselha fortemente contra fazer concessões à sigla esquerdista. "O BSW é o braço longo do Kremlin e vai contra todos os valores que a União [a longeva aliança da CDU com a União Social Cristã (CSU) na Baviera] tradicionalmente defende: paz através da liberdade e autodeterminação, leis internacionais, democracia e comprometimento com o Ocidente". Para ele, colaborar com a BSW "equivaleria a autodestruição".

Uma saída seria os dois lados reconhecerem que os estados não são responsáveis pela situação na Ucrânia, enquanto se comprometem, mesmo que vagamente, aos esforços pela paz. Em nível federal, porém, a questão está longe de ser resolvida.

O apoio público à Ucrânia está se erodindo, especialmente no leste da Alemanha. Quanto mais a guerra se arrastar, mais difícil será para o governo manter sua política de apoio a Kiev. O tema certamente voltará à tona em 2025, antes das eleições gerais no país, em 28 de setembro.

 

Fonte: Deutsche Welle

 

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