sábado, 14 de setembro de 2024

Michel Aires de Souza Dias: ‘Como surgem charlatões na política?’

Em uma sociedade em que o aparato técnico e o mundo industrial se tornam forças onipotentes, adquirindo um grande poder social, o indivíduo perde sua capacidade de reagir frente à totalidade que o oprime. Na sociedade de massas, o indivíduo autônomo é liquidado, ele torna-se uma célula isolada do contato ativo e consciente do meio social que o envolve. Em seu isolamento cego, ele não tem consciência das forças e das relações de poder que o subjugam.

Ele não possui conteúdo algum que não seja socialmente constituído. Significa que ele é vazio e só age em benefício de sua autopreservação. Desse modo, a subjetividade se cristaliza a partir das formas da economia política, moldada pela organização do mercado. Como bem avaliou Theodor Adorno (2008, p. 145): “Justamente na sua individualização o indivíduo reflete a lei social estabelecida da exploração”.

O capitalismo é uma forma de organização social que aniquila o indivíduo autônomo. É um sistema propício para charlatões como Pablo Marçal e Jair Bolsonaro, que apenas buscam vantagens econômicas, sem nenhuma preocupação com o social ou com a população. O sucesso do discurso desses charlatões se deve ao fato de que eles personificam a imagem dessa totalidade reificada, que reduz todas as relações humanas a relações entre coisas.

A visibilidade desses personagens decorre dos próprios valores veiculados pela cultura de massa, que incentiva a competição, o mérito, o individualismo e a busca desenfreada pelo dinheiro. Com ideias extravagantes e mistificadoras eles se tornam mercadorias da indústria cultural, satisfazendo a necessidade da população de outsiders que podem mudar a política. Nesse sentido, eles são tão falsos como os produtos mercantilizados pela cultura de massa, como a teologia da prosperidade, os livros de autoajuda, o coaching e os cursos de Traders para enriquecer.

O grande sucesso de charlatões, seja na política, na religião ou em livros de autoajuda evidencia o processo de regressão do indivíduo causada pela cultura de massa. Theodor Adorno procurou mostrar em seu ensaio, “Indústria cultural”, que a cultura de massa produz em seus consumidores um processo de regressão das suas capacidades críticas e reflexivas. Ao consumirem os produtos culturais estandardizados de forma passiva, sem nenhum esforço intelectual, os indivíduos perdem a capacidade de pensar criticamente a realidade. Há um enfraquecimento da sensibilidade e do entendimento, que os torna propensos a toda forma de heteronomia.

O indivíduo massificado, interiormente frustrado, impotente diante do aparato tecnológico, torna-se propenso ao discurso do líder charlatão. Esse mecanismo de atração por um líder foi chamado por Freud, em seu livro Psicologia das massas e análise do Eu, de identificação: “O mecanismo que transforma a libido no vínculo entre líder e seguidores, e entre os próprios seguidores, é o da identificação” (Freud, 2019, p. 104).

O líder charlatão mantém o grupo unido por um estado de identificação mediante seu amor e através de uma catarse sobre seus membros, agindo hipnoticamente sobre eles. Desse modo, ele assume a figura de um “ideal do Eu”, tornando-se um modelo para todo o grupo. O líder personifica as exigências e normas sociais, os valores e ideais culturais. É por essa razão que os valores conservadores e autoritários adquirem maior relevância para esses líderes. O apelo às questões morais e religiosos torna-se um instrumento para manipular as massas

Em A teoria freudiana e o padrão de propaganda fascista Theodor Adorno procurou mostrar que o discurso de líderes fascistas tem muito mais um apelo emocional, demagógico e psicológico, do que racional e objetivo. É por isso que os líderes da extrema direita não discutem planos de governo ou questões objetivas, eles apelam sempre para as questões polêmicas e conservadoras. Discutir questões como ideologia de gênero, Kit gay nas escolas, aborto, conspiração comunista e narrativas anticientíficas sempre foi uma estratégia para defender interesses políticos e econômicos.

Outro fato observado por Theodor Adorno é que o discurso de líderes fascistas “ataca fantasma”, ele constrói uma narrativa do homossexual, do negro, do estrangeiro e dos pobres, criando uma falsa imagem e não mostrando como esse imaginário se relaciona com a realidade. Entre todos os grupos, os comunistas são os que mais são atacados como o grande inimigo da nação, como um fantasma que está ocultamente governando o nosso mundo.

O sucesso de charlatões como Pablo Marçal e Jair Bolsonaro também evidencia uma crise mais profunda das democracias ocidentais. Eles aparecem quando a sociedade não é mais capaz de cumprir as promessas de liberdade, justiça social e felicidade para todos. O que há de peculiar nesses líderes, é que eles são capazes de adivinhar as demandas, insatisfações e necessidades psicológicas dos indivíduos. O que eles possuem em comum é o discurso antissistema, antipolítica.

Eles são capazes de assimilar a insatisfação e as frustrações das massas em relação às instituições democráticas. O desejo de mudança está intimamente ligado ao sofrimento psicológico dos indivíduos no mundo capitalista, relacionado a questões sociais e econômicas. Essa insatisfação e demonstrações de ódio são testemunhos do declínio do indivíduo e de seu enfraquecimento no mundo industrial capitalista.

Em nossa atualidade, as democracias modernas não conseguiram reconciliar os interesses particulares com os interesses universais. É nesse momento que o discurso conservador e autoritário de Jair Bolsonaro e de Pablo Marçal se torna atraente. A personalidade autoritária é reforçada pelo ódio, que se produz e reproduz pela insatisfação, liberando os impulsos destrutivos contra a civilização. Como aponta Bueno (2009), o indivíduo conservador, com um déficit de formação cultural, canaliza seu ódio que deveria se voltar contra um mundo injusto, frio, bárbaro, em direção à própria sociedade.

O grande problema é que essa agressividade não é desviada contra as instituições, mas é desviada contra os mais frágeis na hierarquia social: negros, pobres, nordestinos e desempregados. Em outros termos, o ódio que deveria ter por alvo as condições objetivas do sistema capitalista, é descarregado contra os desamparados reais ou imaginários. Como apontou Theodor Adorno (1995), algo que sempre ocorreu na história da civilização é a perseguição e a violência contra os impotentes e socialmente fracos e, ao mesmo tempo, seja isso verdade ou não, são os que se consideram felizes.

 

¨      Campanha de Ramagem mostra que o bolsonarismo é, antes de tudo, uma fraude. Por Bepe Damasco

Bem sei que falar do candidato de extrema-direita à prefeitura do Rio, Alexandre Ramagem, é gastar vela com defunto ruim, pois o prefeito Eduardo Paes nada de braçada na corrida eleitoral e só uma hecatombe nuclear pode impedir sua vitória no primeiro turno. Segundo as pesquisas, Paes tem quase seis vezes mais intenções de voto do que Ramagem.

Contudo, vale a pena comentar o tipo de campanha que faz o delegado da Polícia Federal, Alexandre Ramagem, que como chefe da Abin degradou o papel da instituição, colocando-a a serviço do encobrimento dos crimes da família Bolsonaro.

Se a campanha de Ramagem está longe de chamar a atenção por sua densidade eleitoral, ela já se constituiu em um monumento à fraude, à mentira e à empulhação poucas vezes visto em pleitos da redemocratização para cá. 

O policial, seu marqueteiro e o clã Bolsonaro sabem perfeitamente que as prefeituras não têm nem os recursos humanos, nem poder de polícia,  nem os meios financeiros para cuidar da segurança pública.

Mesmo assim, Ramagem faz uma campanha no estilo "prendo e arrebento", com o nítido propósito de enganar as pessoas que sofrem com o temor dos assaltos, dos roubos de 1 celular a cada três minutos no Rio, das milícias e do tráfico de drogas que ocupam vastos territórios. 

Ramagem diz que vai "partir para cima". Mas "partir para cima" de quem, cara pálida?

A Constituição da República é clara: o enfrentamento da criminalidade é de responsabilidade dos governos dos estados, seja através do policiamento ostensivo, que cabe às polícias militares, ou da polícia civil (polícia judiciária) a quem cabe as investigações dos crimes. 

Já a Polícia Federal têm a missão de reprimir e investigar os crimes contra a União, como tráfico internacional de drogas, garimpo ilegal, contrabando, comércio ilegal de madeira e crimes ambientais, entre outros, além do patrulhamento de fronteiras, junto com as Forças Armadas.

As prefeituras se limitam a atuar de forma acessória, com suas guardas municipais cuidando do patrimônio, da iluminação, do regramento urbano e das posturas municipais em geral. 

É isso. Quaisquer mudanças nessa divisão de atribuições dos entes da federação dependem da aprovação de projetos de emenda constitucional, sempre complexos, uma vez que precisam de aprovação em dois turnos tanto na Câmara dos Deputados como do Senado, além de quórum de 3/5 dos votos nas duas Casas. 

É interessante observar que os ataques do candidato do PL ao prefeito do Rio, no quesito segurança pública, cairiam como uma luva se tivessem como alvo o governador do Rio, ironicamente também do PL. 

 

¨      MP pede antecedentes criminais de Pablo Marçal em 4 estados

O Ministério Público solicitou os antecedentes criminais do candidato à prefeitura de São Paulo pelo PRTB, Pablo Marçal, nos estados de São Paulo, Goiás, Bahia e no Distrito Federal, além de seus processos no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, informa o Metrópoles. A ação do MP acontece no Piquete (SP), onde Marçal é investigado por tentativa de homicídio privilegiado quando levou um grupo de cerca de 30 pessoas para uma escalada no Pico dos Marins em meio ao mau tempo, em janeiro de 2022.

Segundo o pedido da promotora de Justiça Renata Galhardo Cheuen, a consulta ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região acontece porque “lá se noticia precedente condenação por furto qualificado” de Pablo Marçal. Ela ainda argumenta que o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública indica que o empresário é alvo de um Boletim de Ocorrência que aponta “falsificação ou uso indevido de sinais públicos”. O registro remete ao fato de Marçal ter usado um broche de deputado federal durante visita à Câmara.

A promotora também requer “expedição de ofício ao Hospital de Piquete e Santa Casa de Lorena (referência SUS mais próxima)”, para descobrir se algum dos participantes da escalada no Pico dos Marins foi atendido na unidade de saúde entre os dias 5 e 6 de janeiro de 2022. Durante a escalada, pessoas passaram mal e precisaram de atendimento médico. O Corpo de Bombeiros fez o resgate do grupo.

A solicitação também cita o caso de Luiz Gabriel Godoy, ex-participante do reality show La casa digital, promovido pela equipe de Pablo Marçal. Ele alegou que sofreu agressões, xingamentos e participou de provas de resistência física e psicológica sem equipamentos de proteção, sem suporte de bombeiros ou salva-vidas e em locais arriscados.

 

Fonte: A Terra é Redonda/Brasil 247

 

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