Qualidade do ar em São Paulo poderia
melhorar com retorno da inspeção veicular obrigatória
A qualidade do ar
registrada em São Paulo nesta semana é a pior em 40 anos de monitoramento da
Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). O cenário atual é agravado
pela seca e a fumaça das queimadas do interior do estado, do Pantanal e da
Amazônia. Porém, os paulistanos poderiam respirar um ar menos poluído se a
capital retomasse a inspeção veicular obrigatória, uma política que esteve em vigor
de 2008 a 2013 e é exigida pelo Código Brasileiro de Trânsito.
Especialistas ouvidos
pela Agência Pública avaliam que São Paulo deveria discutir o retorno da
fiscalização anual ou bianual dos 9,4 milhões de carros, ônibus, caminhões e
motos que estão registrados na cidade – a maior frota de veículos do país.
Instalada pelo ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), a inspeção ambiental era
realizada pela empresa Controlar e verificava se a emissão de poluentes dos
escapamentos estava dentro dos padrões recomendados pelo Conselho Nacional de
Meio Ambiente (Conama). Caso não estivesse, o motorista precisava fazer
manutenção no veículo e passar novamente pela análise.
Alguns dos parâmetros
avaliados eram a emissão de monóxido de carbono (CO), dióxido de carbono (CO2)
e hidrocarbonetos. O setor de transportes responde pela maior parte das
emissões de gases do efeito estufa da cidade, que agravam as mudanças
climáticas globais que favorecem as próprias queimadas.
Em 2013, o então
prefeito Fernando Haddad (PT) encerrou o contrato com a Controlar alegando
irregularidades e a formação de um monopólio. Seu sucessor, João Doria,
prometeu durante a campanha eleitoral que retomaria a fiscalização. Mas, em
2017, no primeiro ano da gestão, vetou uma lei proposta pela Câmara Municipal
que previa o retorno da inspeção em 2019. Ele argumentou que São Paulo não
deveria ser a única cidade a obrigar os motoristas a passar pela análise e que
os demais municípios da região metropolitana deveriam fazer o mesmo.
“São Paulo tem uma
poluição crônica, de décadas, que no momento atual está sendo acentuada por
fenômenos externos à cidade. Parte do problema que a gente está experimentando
agora é exógena, quase inevitável, no sentido de que não é a cidade que está
produzindo essa poluição. Ela é transportada, favorecida por péssimas condições
meteorológicas”, afirma David Tsai, gerente de projetos do Instituto de Energia
e Meio Ambiente (Iema). Mas, argumenta o pesquisador, esse quadro poderia ser
atenuado se as condições normais da cidade já não fossem tão ruins.
Tsai explica que a
poluição do ar na capital paulista chegou a cair nos últimos 30 anos, em parte
devido à migração de indústrias para cidades do interior. Mas, mesmo com essa
redução, os números seguem acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde
(OMS). Uma análise do Iema mostrou que o nível mais baixo de partículas
inaláveis finas (PM 2.5) registrado de 2017 a 2021 em São Paulo foi de 11
microgramas por metro cúbico (µg/m³), quando o limite estabelecido pela OMS é
de 5 µg/m³. O valor mais alto encontrado no estudo foi de 20 µg/m³, quatro
vezes acima do índice considerado saudável.
Embora a inspeção
veicular seja uma obrigação legal dos estados, conforme prevê o Código
Brasileiro de Trânsito, as prefeituras também podem atuar para implementá-la
por conta própria, como fez a capital paulista há 16 anos.
<><> Por
que isso importa?
• Cidade apresenta a pior qualidade do ar
em 40 anos – um cenário que é agravado pelas queimadas que se espalham pelo
país.
• Mas cenário atual não seria tão grave se
houvesse uma fiscalização que controlasse a poluição crônica provocada pelas
emissões de carros, caminhões, ônibus e motos.
Em 2022, a Cetesb
apresentou uma proposta de reimplantação da medida no Plano de Controle de
Poluição Veicular 2023-2025. Conforme o documento, em uma primeira fase a
inspeção seria apenas para veículos movidos a diesel, que são mais poluentes.
Além disso, se estenderia a todos os veículos que trafegam na região
metropolitana de São Paulo.
A proposta previa que
o serviço de inspeção seria realizado por empresas privadas, em regime de
concessão pública ou parceria público-privada. O prazo estimado para a
elaboração e implantação da inspeção era de 24 meses contados após a
consolidação de bases legais e estudos para a execução do programa.
No projeto, a Cetesb
afirma que “o resultado esperado com a inspeção ambiental veicular é a redução
da carga de poluentes e de gases de efeito estufa lançados à atmosfera”, além
da redução do consumo de combustível graças à manutenção frequente. E diz que
“a ausência da inspeção ambiental gera uma grande incerteza quanto ao montante
das emissões desses veículos”.
Para Thiago Nogueira,
professor de saúde ambiental na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de
São Paulo, a retomada da fiscalização ajudaria a reduzir a poluição observada
na cidade. “É importante que a inspeção veicular retorne, seja obrigatória e
envolva toda a região metropolitana. E deveria ser ainda mais exigente para os
veículos antigos, com 20 ou 30 anos.”
Ele explica que os
automóveis naturalmente passam a emitir mais poluentes conforme vão ficando
mais velhos e sem manutenção. E, como a frota de São Paulo está envelhecendo, a
inspeção se faz ainda mais necessária. A idade média dos veículos no estado saltou
de 8,4 anos em 2011 para 10,7 em 2021, segundo a Cetesb.
<><> Nova
inspeção veicular precisa ser desenhada para maximizar os ganhos ambientais
Nogueira pesquisa a
relação entre mudanças climáticas e a qualidade do ar e explica que um dos
poluentes que mais afetam a saúde humana é o ozônio (O3), causador de doenças
respiratórias como rinite e asma.
O ozônio é considerado
um poluente secundário, formado na atmosfera por reações químicas envolvendo os
gases emitidos pelos veículos e pelas queimadas. Para que a reação aconteça, é
preciso que haja bastante radiação solar e temperaturas elevadas. Assim, a
formação de ozônio se intensifica nos dias mais quentes.
“Além de ser formado
por conta das altas temperaturas, o ozônio é um gás de efeito estufa, assim
como o CO2. Ou seja, é uma retroalimentação: a alta temperatura ajuda a formar
o ozônio, e o fato de ele estar no ar ajuda a esquentar ainda mais a atmosfera”,
explica. E embora a inspeção veicular não avalie o ozônio (uma vez que ele não
é emitido pelos carros), o controle sobre os poluentes que o originam pode
reduzir os danos causados por esse gás, segundo o pesquisador.
Uma das críticas
feitas à inspeção ambiental realizada em São Paulo entre 2008 e 2013 era que
ela tinha maior eficácia em veículos com carburadores, um componente do motor
que polui mais. Pela forma como foi estruturada, a fiscalização era mais
adequada para detectar irregularidades em automóveis desse tipo. Mas a maioria
dos veículos em circulação na época não continha a peça, o que provocou uma
redução da poluição na cidade inferior ao que a inspeção poderia entregar.
Desde 1986, o Brasil
conta com o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores
(Proconve), que estabelece metas para as montadoras produzirem carros menos
emissores e com limites que vão baixando ao longo do tempo, em fases
progressivas.
Para Tsai, um novo
programa de inspeção deveria ter como ponto de partida um estudo para
quantificar o quanto a poluição está distante do desenho original dos veículos,
a fim de entender o quanto os veículos se afastaram do nível de poluição para
os quais foram projetados. “Também será importante atualizar a tecnologia da
manutenção, porque todo mecanismo tem limites. Não é razoável imaginar, por
exemplo, que você baixe as emissões para um nível menor do que o carro foi
fabricado”, pontua.
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Combate à poluição do ar precisa envolver outras medidas
Em 2017, o Conselho
Nacional de Trânsito (Contran) publicou uma resolução obrigando todos os
estados brasileiros a inspecionar seus veículos a cada dois anos, a partir de
2019. Porém, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) suspendeu a
inspeção por tempo indeterminado, alegando que seria necessário mais debate com
os departamentos estaduais de trânsito.
A determinação do
Denatran vai contra o Código Brasileiro de Trânsito, cujo artigo 104 define que
todo veículo em circulação deve ter “condições de segurança, de controle de
emissão de gases poluentes e de ruído avaliadas mediante inspeção, que será
obrigatória”, com periodicidade estabelecida pelo Contran. Na prática, essa lei
não é cumprida, já que os veículos são vistoriados apenas na saída das
fábricas.
A médica Evangelina
Araújo, diretora executiva do Instituto Ar, critica o enfrentamento da poluição
do ar pelos governos: “Além de São Paulo não cumprir a lei da inspeção
veicular, as autoridades não estão tomando ações para enfrentar essa situação
tão emergencial que vivemos. A população segue sem proteção, sem orientação do
que fazer. Isso é gravíssimo”.
“É uma
irresponsabilidade, uma inação, um pouco caso em relação à qualidade do ar.
Olha a situação em que a gente se encontra. Não tem nenhuma comunicação, você
não vê o governo fazendo nada. Com metade do nível de poluição que temos
atualmente na cidade de São Paulo, vários países da Europa já teriam suspendido
as aulas e decretado uma situação de emergência”, afirma Araújo.
Ela destaca que os
prejuízos da ausência da inspeção veicular são grandes, porque as emissões de
material particulado continuam e há diversos estudos que mostram a dimensão de
mortalidade e internações pela ação de poluentes. “Tem tanto um prejuízo ambiental
quanto de saúde para a população”, afirma a médica.
Outro gargalo é que
faltam estações de monitoramento da qualidade do ar no Brasil. A melhor forma
de avaliar os impactos da inspeção veicular é observar se os índices de
poluição melhoraram após a implementação da medida. Mas somente 13 estados
brasileiros possuem estações de monitoramento da qualidade do ar, segundo
levantamento do Iema, o que inviabiliza a verificação dos benefícios da
fiscalização em grande parte do território nacional.
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Candidatos de São Paulo não discutem o retorno da inspeção veicular
A Pública consultou o
plano de governo dos cinco candidatos à prefeitura de São Paulo mais bem
posicionados nas pesquisas eleitorais: Guilherme Boulos (PSOL), Ricardo Nunes
(MDB), Pablo Marçal (PRTB), Tabata Amaral (PSB) e José Luiz Datena (PSDB).
Nenhum deles menciona
propostas para articular o retorno da inspeção veicular na capital ou enfrentar
a poluição do ar. O único candidato que trata do tema, de forma superficial, é
Datena, que se comprometeu a investir para um “melhor monitoramento e fiscalização
da qualidade do ar”.
A reportagem
questionou a Cetesb sobre possíveis prazos para a implantação da inspeção
veicular e se há discussões em andamento com a prefeitura de São Paulo sobre
isso. Em nota, a companhia informou apenas que o Plano de Controle de Poluição
Veicular 2023-2025 “prevê um conjunto de metas, sendo algumas delas já em
execução e outras em avaliação técnica pela Cetesb”.
Fonte: Por Gabriel
Gama, da Agencia Pública
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