Gilberto Menezes Côrtes: Nas eleições, dois
realejos quebrados
A semana que passou
expôs as posições arcaicas, para não dizer patéticas, de dois conhecidos
líderes da ultradireita mundial.
Nos Estados Unidos,
depois que o debate entre o presidente Joe Biden (81 anos) e o ex-presidente
Donald Trump (78 anos), em 28 de junho, ficou claro que o atual presidente
perdeu a agilidade cognitiva, razão pela qual a mídia americana ficou cobrando
a renúncia da postulação à reeleição em nome de candidato mais competitivo,
finalmente, em 21 de julho, Biden renunciou à reeleição e os democratas
acabaram escolhendo a vice-presidente, Kamala Harris, para disputar com Trump
em 5 de novembro. Mas pouco mais de duas semanas após o debate Biden X Trump,
em 13 de julho, enquanto discursava na convenção Republicana que homologara sua
candidatura e a do vice JD Vance, Donald Trump escapou de uma tentativa de
homicídio com um ferimento na orelha esquerda. Focalizado amplamente pela
mídia, o fato turbinou a candidatura do ex-presidente, que cresceu nas
pesquisas e parecia imbatível.
Mas política é como
nuvens, já dizia Magalhães Pinto, ex-governador de Minas Gerais. Desde que seu
nome despontou como o mais viável candidato democrata, a vice-presidente ocupou
espaços políticos, num cenário que se modificava rapidamente como as nuvens no
céu. Já em 2 de agosto reunira delegados suficientes para garantir sua
postulação. Em 4 de agosto, escolhe para compor a chapa democrata como vice o
governador de Minnesota, Tim Waltz, com penetração entre a América rural, o que
pode fazer diferença para mobilizar eleitores do interior do país. E dia 22 de
agosto, a chapa é homologada com grande mobilização e entusiasmo dos democratas
que estavam pessimistas e tristes com o virtual ocaso político de Joe Biden.
O debate televisivo da
ABC News, na terça-feira (10), mostrou ao longo de seus 90 minutos como o
cenário mudara desde 28 de junho.
Ante uma ágil e jovem
debatedora, de 59 anos, desta vez coube a Donald Trump passar ao grande público
(a audiência foi estimada em 60 milhões de telespectadores, sem contar a
internet) a imagem de um velho decrépito. Sobretudo por exibir uma carranca raivosa
e contraída, contrastando, na imagem dupla exibida pelo canal, com a de Kamala
Harris com um olhar vivo e um sorriso largo e triunfante. Trump repisava
argumentos entre fantasiosos e mentirosos – rebatidos pela dupla de
jornalistas/mediadores da ABC. Mais parecia um realejo quebrado que repetia
argumentos esdrúxulos para tentar calçar sua tese de fechamento das fronteiras
aos imigrantes e expulsão em massa dos ilegais, como a falsa acusação de que
migrantes haitianos estavam roubando para comer cães e gatos de Springfield
(Ohio).
Na verdade, Trump não
conseguiu disfarçar um discurso de ódio xenófobo e racista, pois a imensa
maioria dos haitianos é de cor preta, retinta. O país foi o primeiro a abolir a
escravidão, na independência na nação, em 1º de janeiro de 1804, quase 15 anos
após a revolta dos escravos. O Haiti, que divide com a República Dominicana o
território da ilha de Dominica, descoberta por Colombo, não passou por um
processo de miscigenação racial e tem sido vítima de regimes políticos
corruptos (como a dinastia de Papa Doc (o ditador François Duvalier) e seu
filho Baby Doc (Jean Claude Duvalier), no século passado. A prática do vodu,
que foi transferida para a Luisiânia para onde se mudaram senhores de engenho
com seus escravos, antes da independência, ajudou a incutir preconceitos contra
as religiões de matriz africana.
Mas o maior conto do
vigário que Trump vende aos americanos em sua reprise da MAGA (Make America
Great Again) é fazer crer, como na xenofobia aos estrangeiros, que a culpa da
perda de posição relativa da economia americana no mundo, com a ascensão da China,
vem de uma concorrência desleal da china comunista, cujos produtos quer taxar –
o que traria grande inflação aos americanos. É preciso lembrar que foi o
republicano Richard Nixon que reatou, em 1971, com Henry Kissinger, as relações
diplomáticas com a China ainda com Mao primeiro-ministro. Coube, na década
seguinte, a outro presidente republicano, Ronald Reagan (1981-89), estimular
ativamente a abertura da economia chinesa ao mundo. Na verdade, as grandes
multinacionais americanas, japonesas e europeias, percebendo que os meios de
produção em série na China eram altamente atrativos, com salários baixos,
encargos sociais quase zero, tributos e juros reduzidos, transferiram para lá
muitas unidades de manufaturas – de roupas a eletroeletrônicos e automóveis, navios
e grandes máquinas. A concentração das manufaturas deu uma escala incrível à
China, que hoje produz mais de 50% do aço e do cimento do mundo e lidera a
indústria global.
A Siemens alemã, que
visitei, dizia, em 1996, que não iria para a China por não confiar nos chineses
(temia o roubo/cópia de seus produtos). Elon Musk, o sul-africano com
nacionalidade canadense-americana, foi na onda da China e transferiu para lá as
linhas de produção de seu carro elétrico da Tesla, que enfrentava altos custos
nos EUA. Em pouco tempo, os chineses, que já tinham robotizado toda a produção
de automóveis tradicionais, entraram para valer nos veículos elétricos com mais
eficiência que a Tesla, que ficou para trás. Musk se aliou a Trump com a
promessa dupla de incentivos para uma nova fábrica da Tesla nos EUA, enquanto
os veículos elétricos chineses seriam proibidos de entrar no território
americano. Um protecionismo que fere as regras da OMC e que foi duramente
combatido quando o Tio Sam era hegemônico. As condições econômicas, inclusive
com a emergência climática, negada por Trump e seus acólitos, não permitem a
volta da MAGA com a velha receita de crescimento americano que se fez antes, durante
e após a 2ª Guerra. O mundo é bem mais complexo do que o enredo do realejo de
Trump.
• No Brasil, o realejo da anistia
No Brasil, vimos no 7
de setembro da Avenida Paulista, um realejo aproveitando a comemoração da
Independência e a reta de chegada das eleições, na maior capital do país, para
tocar o lado B do disco que rodou no país ao longo de 2020 a 2022: a preparação
de um golpe militar, com sucessivas afrontas ao Supremo Tribunal Federal, em
especial ao ministro Alexandre de Moraes, que reconheceu o direito de
governadores e prefeitos baixarem decretos restringindo a circulação de pessoas
e proibindo aglomerações para evitar contágio na pandemia da Covid-19, em 2020.
O governo Bolsonaro, negacionista como ele só, transformou Moraes no inimigo
número 1. Sobretudo depois que ele passou a presidir o Tribunal Superior
Eleitoral nas eleições de 2022, os inquéritos das “fake News” e as investidas
para desmoralizar as urnas eletrônicas, quando as pesquisas eleitorais, com
Lula liberado da prisão, passaram a liderar as amostras a partir de abril.
Derrotado, Bolsonaro não reconheceu a vitória de Lula e instigou a reação dos bolsonaristas
à frente dos quarteis clamando por golpe militar. O golpe fracassou em 8 de
janeiro de 2023, uma semana após a posse do novo governo, com Bolsonaro
estrategicamente refugiado nos Estados Unidos. Julgado e condenado pelo TSE,
Bolsonaro ficou inelegível por oito anos.
Mesmo com seu cacife
eleitoral esvaziado nesta eleição – como prova a campanha para a prefeitura do
Rio, na qual seu candidato tem menos de 15%, contra os 70% obtidos por
Bolsonaro na capital carioca em 2022 – com o apoio dos seguidores do pastor
Silas Malafaia, o ex-presidente tenta emplacar o lado B do realejo: a
mobilização pela anistia que tem o despudor de apresentar propostas de seus
acólitos na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Anistia
se aplica a perdão recíproco em tempos de guerra (ou de guerrilha urbana e
rural, que o regime militar combatia com torturas e mortes arbitrárias, sem
julgamento). Jamais pode se valer de artigos (mesmo que hipotéticos) da
Constituição Federal para pugnar pela anistia a graves delitos de quem atentou
contra o Estado Democrático de Direito.
• E o realejo de Maduro emperrou no golpe
Decorridos menos de um
mês e meio das eleições venezuelanas, com o rompimento, ainda na noite de
domingo, 28 de julho, dos termos do Acordo de Barbados pelo presidente Nicolás
Maduro, que se declarou vencedor de um pleito com 51,2% dos votos sem apresentar
as atas, a farsa da trilha democrática da Venezuela, que engambelou os vizinhos
Brasil e Colômbia, mais México, Estados Unidos e nações europeias, caíram todas
as máscaras. O que era ditadura de fato se tornou de direito (pelo torto
processo judicial viciado desde a era de Hugo Chávez), quando o candidato
vitorioso da oposição, o embaixador Edmundo González, teve de desembarcar na
Espanha essa semana, com a concessão de asilo, para não ser preso pelos
meganhas de Maduro.
Só resta saber se a
nova fase da ditadura populista, que empobrece cada vez mais o país, será de
esquerda ou de direita, com toques socialistas e apoio da China, da Rússia e da
Índia, todos de olho (como estavam os EUA e petroleiras europeias) em ressuscitar
a produção de petróleo e gás do país com as maiores reservas de petróleo do
mundo.
A questão é que o
petróleo da Venezuela é muito pesado (com alto teor de enxofre) e vale bem
menos do que o nosso petróleo, mais leve, do pré-sal. Antes de Chávez aparelhar
a PDVESA, entregando cargos importantes à elite de generais e coronéis que
ascenderam ao poder com ele, a Venezuela produzia quase 4 milhões de barris
diários, e o Brasil (dependente da Bacia de Campos), mal passava de 1
milhão/dia. Com os campos gigantescos do pré-sal, o Brasil tomou o lugar da
Venezuela no mundo e produz mais de 3 milhões-dia, incluindo os campos da
Petrobras e das demais petroleiras. Já a PDVESA está gerando menos de 1
milhão-dia.
Com a liberdade para
as grandes petroleiras explorarem as reservas gigantescas da vizinha Guiana,
resta a Maduro tentar tecnologia da China ou da Rússia para reativar a
produção. Mas o cerco do governo americano, declarado esta semana, mostra que
teremos capítulos de suspense à frente.
• Quem quer dinheiro?
Silvio Santos animava
seu alegre auditório – uma claque remunerada com sanduíches, água e aviõezinhos
de dinheiro – bradando “Quem quer dinheiro?”, antes de disparar um avião de
cédula ou colocar uma nota de 50 reais na mão de uma “colega de auditório”. Pois
nas horas vagas em que os políticos não tramam anistia para golpistas, e os
deputados e senadores alternam a presença nos palanques dos redutos municipais
de seus estados, com a batida de ponto, em Brasília, a motivação do Congresso é
distribuir dinheiro para alguns. Mesmo que seja anistia de impostos e encargos
sociais para 17 setores empresariais, ou para o próprio bolso (o bolso mesmo,
via emendas PIX pouco transparentes de verbas do Orçamento da União para
redutos comandados por parentes diretos ou correlegionários que lhes devolvem
parte, como nas “rachadinhas”). Tudo, no fundo, para engordar o “cacife
eleitoral” dos nossos modernos “coronéis”.
Pois vejam um efeito
colateral da votação da desoneração da folha de pagamentos até 2027, desta vez
com retomada gradativa das alíquotas para não gerar novo abismo que levou a
prorrogação ao fim de 2023. Guardião dos cofres do Tesouro Nacional, o ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, tão criticado quando procura criar receitas para
bancar despesas a descoberto patrocinadas pelos deputados e senadores, para
atender a “lobbies” empresariais, taxando recursos de bilionários em fundos
exclusivos ou de milionários em empresas “off-shores” em paraísos fiscais,
acabou sendo criticado essa semana quando propôs que o Tesouro Nacional se
apropriasse de R$ 8,5 bilhões que restaram “esquecidos” por pessoas físicas ou
jurídicas em depósitos e aplicações no sistema financeiro nacional.
Quando criou um
sistema para consultas e resgates de recursos esquecidos por PFs e PJs no
sistema financeiro, no segundo semestre de 2021, o Banco Central tinha
encontrado um montante de mais de R$ 17 bilhões não reclamados. Havia um
somatório de trocos de contas encerradas que receberam depósitos ou rendimentos
posteriores. No sistema original, que permitia digitar o CPF ou CNPJ, para ver
os montantes e as instituições financeiras, houve burlas e o Banco Central
retornou com o sistema em março de 2022. Ao fim e ao cabo, até junho restaram
R$ 8,5 bilhões não sacados. O governo, que está, como dizia o saudoso João
Saldanha, “catando garrafas para vender e comprar ingressos para o velho
Maracanã” (hoje, além das garrafas não serem retornáveis, os ingressos custam
quase um engradado cheio), assim como raspou recursos em fundos do setor
elétrico para não elevar mais as tarifas para os consumidores (e gerar inflação
que pressiona nova alta de juros), está propondo o uso contábil destes recursos
esquecidos para cobrir os rombos das contas públicas, gerados por benesses de
subsídios e desonerações em folha de pagamentos. A opção é cortar programas
sociais, que demandam tempo para clivagem criteriosa.
Se alguém não foi
buscar o dinheiro depois de três anos, ou ele tem origem escusa ou a pessoa
física ou jurídica não existe mais. Os CPFs ou CNPJs estariam desativados ou
seriam falsos. Se é de origem escusa, ou é produto de roubo, contrabando ou
sonegação fiscal, por isso o titular não quer aparecer. Natural que o dinheiro
seja apropriado pelo Estado para cobrir programas sociais. Mas a versão que
circulou na famigerada CCJ da Câmara, quando o tema foi discutido, foi de que o
governo Lula estava “fazendo um confisco”, como Fernando Collor, em 1990. Nada
mais diverso. A Justiça também autoriza confisco de bens quando há origem
escusa provada. Mas o Banco Central criou mais confusão ao afirmar, esta
semana, que tem uma pessoa com “direito a R$ 11,2 milhões”. Se não foi buscar,
ou é um bom samaritano ou não tem meios de provar a origem. Simples assim.
• Juros na gangorra
A próxima semana
promete emoções no mercado financeiro de todo o mundo, com a super
quarta-feira, 18, quando o Federal Open Market Committee -FOMC), o órgão de
política monetária dos Estados Unidos, deve anunciar, às 15 horas, a retomada
do ciclo de baixa de juros na maior economia do mundo. As apostas estão
divididas entre 0,25% e 0,50%, para os juros atualmente entre 5,25% e 5,50% ao
ano.
No mesmo dia, mas com
três horas para pensar melhor, o Comitê de Política Monetária do Banco Central
(Copom) decide se pede mesa (recomendável se o Fed baixar 0,50% os juros) ou
eleva em 0,25% a taxa Selic, o piso dos juros no Brasil, que está em 10,50% ao
ano.
Meio ponto para lá ou
0,25% aqui gera maior diferencial para o “turismo” dos especuladores
financeiros no Brasil, para ganhar com a diferença de juros em dólar. Maior
diferencial aumenta os ganhos dos rentistas, daqui e d’além mar. Mas onera as
famílias, as empresas e trava o crescimento da economia, do emprego e da renda
em geral. O aumento agora projetado na Selic para 2024 e 2025, em relação ao
que estava previsto no começo deste ano soma mais de R$ 500 bilhões. Uma brutal
transferência de renda para o sistema financeiro e os rentistas, que supera
largamente os gastos em programas sociais.
Fonte: Jornal do
Brasil
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