sexta-feira, 27 de setembro de 2024

MPF recomenda consulta prévia a comunidades quilombolas impactadas por mineração na Bahia

O Ministério Público Federal (MPF) enviou recomendação à Agência Nacional de Mineração (ANM) e ao Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), com o objetivo de assegurar a realização de Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) à Comunidade Quilombola de Bocaina, localizada no município de Piatã (BA). O documento destaca a necessidade de garantir que essas populações sejam consultadas antes de qualquer projeto ou empreendimento de mineração que possa impactar suas vidas e territórios.

A medida foi tomada após relatos de impactos ambientais e sociais gerados pelas atividades da mineradora Brazil Iron Mineração LTDA. Os problemas relatados incluem contaminação da água e do ar, danos à saúde e a infraestruturas locais, além de ameaças à sustentabilidade da região.

Investigações do MPF apontam que as atividades de mineração na área vêm gerando uma série de problemas ambientais, como a poluição de nascentes e do lençol freático, contaminação por metais pesados e degradação da vegetação nativa. A atividade também causa impactos socioeconômicos, como a migração de famílias quilombolas que buscam fugir dos danos provocados pela exploração mineral. A GFX Mineração LTDA também possui autorizações para explorar o local.

•        Solicitações do MPF

O MPF recomendou que tanto a ANM quanto o Inema adotem medidas para suspender as licenças e autorizações concedidas às mineradoras até que uma Consulta Prévia, Livre e Informada seja devidamente realizada. A consulta é um direito garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e assegura que as comunidades tradicionais sejam ouvidas e participem do processo decisório de qualquer empreendimento que possa afetar seus territórios.

Além disso, o MPF recomendou à ANM que seja feito o necessário bloqueio minerário da área do território tradicional da Comunidade Quilombola de Bocaina. A mineração, segundo o MPF, compromete diretamente o modo de ser, viver e existir das comunidades que habitam o local, o que contraria a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais e o Código de Mineração.

O MPF estabeleceu o prazo de 15 dias para que ANM e Inema informem as providências adotadas. Caso a recomendação não seja cumprida, o órgão pode tomar medidas judiciais cabíveis para assegurar o respeito aos direitos das comunidades quilombolas.

•        Consulta prévia

O MPF também detalhou, com base em diretrizes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, como deve ocorrer o planejamento e a execução da consulta prévia. Deve ser conduzida diretamente pelo poder público, sem delegação a terceiros ou empresas privadas.

Deve ocorrer antes da emissão de qualquer licença ou autorização ambiental, e ser renovada sempre que houver novas informações ou alterações que impactem os territórios das comunidades. Também deve garantir total liberdade, sem coerção, e ser feita de forma transparente e informada, respeitando os protocolos autônomos das comunidades envolvidas, quando existentes. Além disso, as populações quilombolas devem ter acesso a todas as informações necessárias para avaliar os riscos ambientais e sociais dos empreendimentos.

“A consulta prévia não é uma mera formalidade. Ela representa o reconhecimento dos direitos dessas comunidades sobre seus territórios e é um mecanismo vital para a proteção de suas tradições e modos de vida. A mineração, como está sendo feita hoje, viola esses direitos e compromete o futuro dessas populações”, concluiu Rockenbach.

 

•        MPF e DPMG recomendam cessão definitiva de área da Prefeitura de Santa Bárbara (MG) à comunidade cigana Calon

O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) recomendaram à Prefeitura de Santa Bárbara (MG), na pessoa do prefeito Alcemir Moreira, que realize a cessão definitiva à comunidade cigana Calon do imóvel localizado no bairro São Veríssimo, como previsto em acordo firmado em 2022.

A comunidade cigana Calon foi obrigada a deixar seu antigo terreno em 2022 devido ao risco de rompimento da barragem Sul Superior da mina Gongo Soco, além do risco de alagamento da área. Em 13 de abril do mesmo ano, foi firmado um Termo de Compromisso entre o MPF, a DPMG, o Município e a comunidade cigana, que recebeu um terreno de 7.000 m². O acordo previa, ainda, a cessão do terreno de forma definitiva, em um prazo máximo de dois anos, e uma série de melhorias no local.

Mas acontece que, após o vencimento do prazo acordado, o município ainda não fez a doação definitiva do terreno. Cobrado sobre as medidas para a cessão definitiva da área, a prefeitura informou que “entende que o local destinado à Comunidade é o definitivo” e que como “não houve alteração no termo firmado, poderia ser o mesmo entendido como o de cessão definitiva”.

Outro problema enfrentado pela comunidade é que o município também informou que estava concluindo o estudo de concepção da futura Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da cidade, e que se pretende utilizar parte do terreno ocupado pela comunidade para a sua implantação.

Em reunião realizada em julho de 2024, no acampamento cigano em Santa Bárbara, entre representantes da comunidade, lideranças ciganas, a Agência Nacional de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais do Povo Cigano, autoridades municipais, DPMG e MPF, constatou-se que a comunidade não foi consultada previamente sobre a implantação da ETE.

<><> Consulta prévia

Nesses casos, a comunidade a ser afetada tem direito a ser ouvida acerca dos impactos de qualquer medida legislativa ou administrativa que possa afetá-los diretamente ou influenciar o seu modo de vida, conforme determinam a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e os artigos 215 e 216 da Constituição Federal.

Em razão disso, o MPF e a DPMG também recomendaram que o município faça o procedimento apropriado de consulta prévia, livre, informada e com boa fé. Para o procurador da República Helder Magno da Silva e a defensora pública estadual Ana Cláudia da Silva Alexandre Storch, responsáveis pela recomendação, a realização da consulta prévia “é medida que se impõe e não se satisfaz com a realização de simples reuniões com participação das populações tradicionais, mas com o diálogo transparente e efetivo durante todo o procedimento de negociação com o Ente Estatal acerca de suas propostas e intenções”, escreveram na recomendação.

A situação da comunidade Calon de Santa Bárbara é acompanhada através de dois procedimentos, um no MPF, instaurado com o objetivo de apurar a adoção pelo Poder Público de medidas para garantir a integridade física e psicológica da comunidade cigana, em razão do risco de rompimento da barragem Sul Superior da mina Gongo Soco, da mineradora Vale S/A. E um segundo na DPMG, instaurado com o objetivo de promover medidas em defesa da comunidade cigana, diante da necessidade de regularização fundiária do seu território.

<><> Protocolo

O MPF e a DPMG também enviaram ao município o Protocolo de Consulta dos Povos Ciganos da Etnia Calon, localizados nos municípios de Ibirité, Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves, Santa Bárbara, Conselheiro Lafaiete, Juiz de Fora e Barbacena. O documento estabelece a forma como a comunidade quer ser consultada acerca de “qualquer decisão dos governos (Federal, Estadual e Municipal) e do poder legislativo (Câmara Municipal, Assembleia Legislativa e Congresso Nacional), além de iniciativas privadas que possam nos afetar de alguma forma” e de “Construção de obras no entorno dos nossos territórios, novas leis, mudanças nos órgãos que trabalham conosco e formulação de políticas públicas”.

O procedimento de consulta prévia deve seguir o Protocolo de Consulta da própria comunidade e incluir a discussão sobre o projeto de instalação da ETE na área que foi cedida a ela, além de ser realizado antes da tomada de decisões que possam afetar bens ou direitos da referida comunidade tradicional. O município tem 20 dias, após notificação, para informar se cumprirá a recomendação.

<><> Direto à moradia

Os povos ciganos estão entre os grupos sociais formadores da diversidade étnica e cultural do Brasil. São, no entanto, um dos menos assistidos pelas políticas públicas, inclusive na área de moradia.

A Organização das Nações Unidas (ONU), através do seu Comitê para Eliminação da Discriminação Racial, criado com o objetivo de monitorar o cumprimento da Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, expediu, em 27 de agosto de 2000, uma recomendação geral, na qual elencou uma série de medidas que os Estados signatários da Convenção devem adotar para enfrentar a discriminação contra os povos ciganos. Entre elas, o Estado deve “desenvolver e implementar políticas e projetos voltados a evitar a segregação das comunidades ciganas no que se refere à habitação”.

Além disso, a Lei Estadual nº 21.147/2014, que instituiu a Política Estadual para o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais de Minas Gerais, prevê como objetivo específico “garantir aos povos e comunidades tradicionais o uso de seus territórios por meio de sua posse efetiva ou propriedade, mediante regularização e titulação das terras, assegurando-se o livre acesso aos recursos naturais necessários à sua reprodução física, cultural, social e econômica”.

Junto à recomendação também foi enviada ao município a cartilha “Direito à Moradia Adequada”, produzida pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em 2013, em cooperação com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O documento apresenta uma série de critérios que devem ser atendidos para que o direito à moradia adequada seja satisfeito.

 

Fonte: MPF-BA/MPF-MG

 

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