terça-feira, 17 de setembro de 2024

Intolerância no judiciário: No Pará, justiça fecha terreiro e mãe de santo alega intolerância

Um caso recente reacendeu o debate sobre intolerância religiosa em Belém: a Justiça do Pará determinou o fechamento do terreiro de umbanda Casa Mãe Mariana, comandado há quatro anos pela mãe de santo Jussilene Natividade Maia, a Mãe Ju, no bairro de Canudos. A decisão foi tomada após uma série de denúncias feitas por uma vizinha por perturbação sonora.

Para mãe Ju, o episódio reflete um cenário maior de perseguição e discriminação contra as religiões afro-brasileiras. À CENARIUM, o advogado de defesa Rodrigo Leite disse que a mãe de santo buscou resolver os problemas e realizou mudanças no terreiro, como o fechamento do espaço para diminuir o som. No entanto, mesmo após essas tentativas de conciliação, a vizinha resolveu levar o caso ao Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA).

Na audiência, mãe Ju compareceu desacompanhada de um advogado, enquanto a denunciante estava representada por uma advogada. “A promotora fez uma fala bastante intolerante, comparando a umbanda ao Carnaval”, relatou mãe Ju, que se sentiu constrangida e desamparada durante o processo. O advogado aponta que a promotora, durante a audiência, sugeriu que a religião era simplesmente “aquela batucada que fica tocando lá”. Para ele, isso representa uma clara demonstração de intolerância religiosa dentro do próprio MP-PA.

Após a audiência, o caso foi encaminhado ao Judiciário, que determinou a desocupação do espaço em 30 dias. A decisão judicial inclui ainda restrições como a proibição de manifestações sonoras no terreiro, caracterizando um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que evoluiu para uma sentença de despejo do local.

“Realizo sessões de desenvolvimento uma vez por semana, até no máximo 22h30. No entanto, devido às denúncias, precisei interromper as atividades. Hoje, realizo o desenvolvimento dos meus filhos com medo de que apareçam aqui mandando parar tudo, e não posso tocar tambor ou bater palmas. Até mesmo o uso da sineta gerou reclamações. Além da interrupção das atividades, tenho que mudar para outro local, mas aqui também é minha residência, não só o terreiro”, diz mãe Ju.

Em resposta à sentença, a defesa de mãe Ju registrou uma queixa na Delegacia de Crimes Discriminatórios, acusando a vizinha de intolerância religiosa. “Este não é o primeiro caso. Há outras situações em que o Ministério Público está pedindo o fechamento de casas de Umbanda”, afirmou o advogado, que também destacou a falta de legalização como um dos principais motivos para o fechamento dos terreiros.

Leite aponta que a maioria dos terreiros de Umbanda em Belém enfrentam dificuldades para se legalizar devido à dependência de doações para sua manutenção. “Muitos terreiros sobrevivem de doações, e os processos de legalização, apesar de serem similares aos de qualquer outro estabelecimento, demandam recursos que muitas vezes são escassos”, afirma.

A situação de mãe Ju evidencia um cenário mais amplo de intolerância religiosa institucionalizada, segundo o advogado. “É uma luta constante para assegurar o direito à liberdade de culto e prática religiosa, especialmente para as religiões de matriz africana, que continuam sendo alvo de discriminação”.

Rodrigo Leite ressaltou ainda a importância da atuação das entidades representativas dos terreiros na proteção e na promoção do respeito às religiões de matriz africana. Para ele, a inserção dos terreiros em entidades representativas, como a Federação Espírita Umbandista e de Cultos Afro-Religiosos do Estado do Pará (Feucabep), é fundamental. “Essas entidades funcionam como guarda-chuvas de proteção, especialmente no enfrentamento à intolerância religiosa. A associação a essas organizações não só fortalece a união entre os terreiros, mas também proporciona um espaço seguro para denúncias e orientações”, destacou.

Além de atuar como um ponto de apoio para as comunidades religiosas, essas federações também recebem denúncias de atos de intolerância e oferecem esclarecimentos sobre os direitos dos praticantes. Rodrigo enfatiza que qualquer pessoa interessada em conhecer mais sobre a federação ou que precise fazer uma denúncia pode procurar a sede da entidade para receber suporte, localizada na travessa Enéas Pinheiro, N. ⁰ 697, entre Pedro Miranda e Marquês de Herval, no bairro da Pedreira, em Belém.

 

•        Missionária peruana procurada por família há 16 anos é encontrada em situação de rua no ES

Uma missionária peruana que era procurada pela família há 16 anos foi localizada a poucos meses andando pelas ruas de Vila Velha, na Grande Vitória, Espírito Santo. Segundo familiares de Zenovia Gonzales Arce, 67 anos, a mulher veio para o Brasil em dezembro de 1996 com uma igreja, mas desde 2008 a família perdeu o contato com ela.

A localização da peruana só foi possível a partir de uma publicação nas redes sociais. A família compartilhava informações sobre a mulher em um grupo de peruanos no Facebook. Foi por meio dessa página que o peruano Christian Rissi, que vive no Espírito Santo há alguns anos, viu a postagem.

Ele contou que, um dia, estava andando de ônibus em Vila Velha quando viu a mulher dentro de um terminal de passageiros. Foi ele quem fez o contato com os parentes dela, lá no país de origem, e desde então tem ajudado os parentes de Zenovia a tentar levá-la para casa.

Uma sobrinha da peruana, Hilda Gonzalez, chegou ao Brasil nesta segunda-feira (10) para procurar por Zenovia com a ajuda de Christian. O Consulado Peruano e a Prefeitura de Vila Velha também foram acionadas para ajudar a família.

Com a chegada da parente no Brasil, Christian vai ajudar Hilda em uma força-terefa. Eles vão buscar saber qual é a situação legal de Zenovia no país, já que faz anos que ela está no Brasil. Depois, vão procurá-la por alguns pontos da cidade. Isso por que eles acreditam que a peruana não deve ter casa.

"Geralmente, ela é vista carregando sacolas e, à noite, busca os terminais de ônibus para dormir. Ela recebe até ajuda de vários fiscais desses locais, que oferecem água e comida", relatou Christian.

A dificuldade de encontrar Zenovia é por que ela vive em situação de rua, portanto, fica andando pela cidade. Além disso, mesmo quando foi abordada por uma equipe de Assistência Social da prefeitura, não quis ir para um abrigo (os agentes não podem obrigar as pessoas a irem).

A sobrinha Hilda conseguiu vir para o Brasil por meio de uma vaquinha feita no Peru com familiares e amigos para tentar levar a tia de volta para o país de origem.

O g1 procurou o Consulado Peruano para saber se a família acionou o órgão e se está ajudando a família, mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem.

<><> Missionária

Uma outra sobrinha de Zenovia, Carmen Gonzalez, explicou ao g1 como a tia chegou no Brasil. Segundo ela, o contato foi perdido totalmente depois de 2008.

"Ela foi para o Brasil há aproximadamente 30 anos junto com uma igreja. Hilda chegou a trocar cartas com ela até 2008, depois o contato foi perdido. Foi então que sua irmã pediu para minha sobrinha que a procurasse através das redes sociais. Foi assim que conheceu alguns conterrâneos peruanos que vivem fora. Um deles, que mora no Espírito Santo, disse que a conheceu de vista e que ela mora nas ruas", disse Carmen.

Preocupados com o estado de saúde de Zenovia, a ideia dos familiares é realizar algum tratamento da peruana ainda no Brasil antes de levá-la para casa.

<><> Ajuda da internet

Christian é formado em Comunicação Social no Peru e mora em Vila Velha há 15 anos. Ele contou que ficou sabendo da história de Zenovia a partir de outro peruano que mora em Vila Velha e por meio de publicações em uma rede social.

"Em 2021, uma sobrinha da senhora Zenovia pediu ajuda em um grupo no Facebook. Colocou várias fotos e disse que estava procurando por ela. Um outro peruano que também mora em Vila Velha respondeu e disse que tinha visto uma senhora parecida na cidade. Esse amigo entrou em contato comigo e contou essa história, mas na época eu nunca tinha visto Zenovia", relatou o peruano.

Em julho, Christian estava dentro de um Transcol quando encontrou a peruana carregando algumas sacolas e resolveu tentar conferir se era mesmo Zenovia.

"Eu vi uma senhora com um monte de sacolas, falando sozinha. Vi que não era brasileira, tinha traços de indígena. Tirei uma foto e mandei para o meu amigo e ele confirmou que era ela mesmo. Peguei contato de familiares e segui ela até o terminal. Fiz uma vídeochamada com a família, que disse era era a mesma pessoa. Foi uma surpresa para todos, ela não reconhecia as sobrinhas, não lembrava de ninguém, mas os familiares confirmaram e ela também atende pelo nome de Zenovia", contou.

O peruano disse que ainda tentou diversas vezes encontrar Zenovia pela cidade, mas que todas as vezes em que eles se encontraram, a peruana acabava o afastando. No sábado (7), Christian conseguiu encontrá-la em um terminal de ônibus em Vila Velha.

<><> Tentativas da Prefeitura

A Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Vila Velha confirmou que tentou algumas vezes abordar Zenovia nas ruas, mas relatou que ela recusou qualquer intervenção da equipe de assistência social.

A equipe disse ainda que uma representante do Consulado também esteve na cidade, no dia 19 de agosto, para conversar com Zenovia para que ela aceitasse o acolhimento. Mas a peruana negou a ajuda.

A família entrou em contato com a prefeitura novamente no início de setembro, mas que em todas as tentativas a mulher não aceitou ajuda, e ressaltou que o trabalho é apenas de convencimento.

 

•        Filósofos africanos consideram que a palavra 'África' é uma injúria racial, e que continente deveria ser renomeado. PorJonathan O. Chimakonam

Os africanos devem ser chamados de negros ou a categorização das pessoas pela cor da pele é uma prática racista? E quanto à África? O nome do continente é uma injúria racial porque foi escolhido pelos exploradores europeus e baseado no clima, e não nas pessoas, e deveria ser renomeado?

Essas são perguntas que o estudioso de filosofia africana Jonathan Okeke Chimakonam considera em sua pesquisa. O The Conversation perguntou o que ele e seu coautor concluíram.

LEIA A ENTREVISTA:

          Quem batizou a África e qual o significado do nome?

O nome África foi dado ao continente pelos exploradores, escravagistas e colonizadores europeus que chegaram como comerciantes e exploradores nos anos 1400. Acredita-se que “África” tenha sido tirado do grego aphrike, que significa sem frio; em latim, traduz-se para aprica, que significa ensolarado.

Você sabe como é. Os seres humanos costumam dar nomes a estranhos ou a novos lugares que encontram. Em geral, isso ocorre para que possam identificar essas pessoas ou lugares. Mas a história também mostra que esses “batizados” geralmente não são agradáveis devido ao espírito doentio de competição que naturalmente caracteriza as novas descobertas.

De fato, em muitos casos, os nomes são calúnias destinadas a rebaixar essas pessoas ou lugares. Por exemplo, aprendemos com os relatos de Homero, o antigo poeta grego, que, quando os gregos encontraram pela primeira vez os povos do leste da África, eles os chamaram de aethiops ou Aithiops, que significa rosto queimado pelo sol.

Os antigos judeus se referiam a pessoas de outras nações e crenças como gentios, o que era uma calúnia porque os identificavam como forasteiros. Os antigos chineses se referiam aos povos da Mongólia como bárbaros, e a lista continua.

Às vezes, o insulto não se dirige diretamente às pessoas - por exemplo, quando a cultura e os povos do continente são ignorados na nomeação, como África ou África do Sul. Aphrike se refere ao clima; África do Sul se refere à geografia. O que os dois exemplos têm em comum é o silêncio sobre os habitantes, sua cultura e realizações. Isso implica que a história do lugar começou com o nomeador, como se fosse desabitado antes da chegada dele.

<><> O nome África é uma injúria racial?

A nomenclatura é uma ferramenta que usamos para identificar objetos e dar sentido ao mundo ao nosso redor. Até esse ponto, é uma coisa boa e poderosa. O problema é quando algumas pessoas decidem transformá-la em uma arma, como, por exemplo, usar insultos para desonrar outras pessoas.

A escravidão, o colonialismo e as ideologias racializadas, como o apartheid na África do Sul, continuam sendo algumas das piores armas de utilização de nomes por meio de difamações.

Meu coautor e eu argumentamos em nosso artigo que o nome África é uma injúria racial. Aphrike ou aprica refere-se ao clima quente do continente, talvez em exagero, com a falsa impressão de que o continente é “sem frio”. Se o continente é quente e não tem frio, isso o tornaria o proverbial fogo do inferno, não é mesmo?

Veja o significado de aethiops. Aqui, as pessoas encontradas no continente chamado ensolarado, ou sem frio, tornaram-se pessoas com rostos queimados pelo sol. A dedução é que o sol implacável queimou a pele dos habitantes. Quando algo está queimado ou carbonizado, nós o chamamos de preto.

Alguém se pergunta por que os defensores do racismo científico em algumas universidades europeias nos anos 1700 e 1800, especialmente na Universidade de Göttingen, na Alemanha, decidiram classificar os povos indígenas africanos com a cor preta, os índios americanos com o vermelho, alguns povos asiáticos com o marrom, outros com o amarelo e os europeus com o branco?

Argumentamos que esses são vários níveis de degeneração, com exceção da cor branca, que é intocada, pura e imaculada. Em nossa opinião, identificar um ser humano com qualquer cor é racismo. Identificar-se como branco é desconsiderar os outros como não brancos, o que é racismo indireto, e chamar alguém de qualquer outra cor - como negro - é uma subordinação racial direta.

A essência do projeto de categorização de cores da humanidade era estabelecer a hierarquia racial como parte de uma tentativa de defender o racismo científico e justificar a escravidão, a opressão colonial e a exploração.

<><> Vocês defendem que o nome da África seja mudado?

Sim, defendemos. Acreditamos que é uma coisa hedionda um continente inteiro ser chamado por uma calúnia. Muitos países da África, como Zâmbia (Rodésia do Norte), Zimbábue (Rodésia do Sul), Burkina Faso (Alto Volta), Gana (Costa do Ouro), mudaram seus nomes após a independência política porque eram alcunhas que rebaixavam sua cultura e negavam suas realizações como civilizações.

Argumentamos que é isso que o continente também deve fazer. Neste caso, é ainda mais pertinente porque o nome África tem alguns cognatos (nomes que têm a mesma natureza ou origem semelhante) realmente terríveis, como aethiops e black (negro), que são a base da moderna segregação racial antiafricana nos Estados Unidos, do apartheid na África do Sul e da contínua subjugação racial em outras partes do mundo.

Em nosso artigo de pesquisa, propusemos pensar em um nome como Anaesia - derivado de duas palavras Igbo-Africanas, ana e esi, que significam terra ou local de origem - como um substituto para o nome África. Um nome como Anaesia fala aos fatos da história sobre o continente como o primeiro lar de todos os seres humanos e onde a primeira língua humana foi falada.

 

Fonte: Revista Cenarium/g1/The Conversation Brasil

 

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