sábado, 14 de setembro de 2024

Karin Brüning: ‘O pior ar do mundo’

O termo “ecocídio” se refere à destruição em massa ou danos graves aos ecossistemas, normalmente causados por atividades humanas, que podem envolver ações como desmatamento, poluição, pesca excessiva e a utilização de produtos químicos, com impactos amplos e de longo prazo no meio ambiente. O termo significa essencialmente “matar o meio ambiente” e tem recebido apoio para ser tratado como um crime internacional, semelhante ao genocídio.

Nos últimos dias, a fumaça nos céus do Brasil chegou a ocupar cinco milhões de quilômetros quadrados, segundo dados do INPE, correspondendo a 60% do nosso território. São Paulo atingiu o posto de cidade com pior ar do mundo, Belo Horizonte ficou coberta de fuligem, Rondônia teve voos cancelados pela fumaça, no Acre atividades físicas foram suspensas nas escolas e Brasília atingiu somente 7% de umidade, para citar alguns dados da pior seca já registrada no país.

Será que estamos diante de um ecocídio ou um suicídio em massa? Porque, afinal, todos sabemos que ar a gente não escolhe, mas respira o que tem. Então, se os incêndios são o resultado de problemas climáticos, cuja causa está no desmatamento praticado há décadas, ou da ação pontual de criminosos, o resultado é o mesmo: a destruição de todos nós.

Em março de 2023, o Parlamento Europeu propôs a inclusão de infrações ao nível do ecocídio na Diretiva Criminal Ambiental. Esses crimes envolvem ações que causam danos graves, de longo prazo, generalizados ou irreversíveis ao meio ambiente, como danos ao ar, ao solo, à qualidade da água ou à biodiversidade.

A Amazônia até o momento já perdeu cerca de 18% de sua área florestal original, devido à exploração madeireira, agricultura e pecuária. Nas taxas atuais de desmatamento, o chamado “ponto sem retorno”, de 20-25% de destruição da floresta, pode ser atingido em poucos anos, potencialmente desencadeando mudanças irreversíveis, uma vez que, quando as árvores são derrubadas, a floresta restante se torna mais vulnerável. O desmatamento reduz a capacidade de a floresta gerar sua própria chuva, levando a condições de seca que estressam o ecossistema e dificultam a regeneração da floresta.

Muitos não se sentem tocados por essas informações, porque ignoram que até mesmo para termos um celular precisamos de água. É a chamada “água invisível”, necessária para a produção de praticamente tudo que temos no nosso planeta e, até mesmo, para a transmissão de dados. O data center do Google, por exemplo, em 2020 consumia aproximadamente 12,4 terawatt/hora e o resfriamento dessas máquinas precisa de água.

A Amazônia desempenha um papel crítico na regulação do clima da Terra. No dia 28 de agosto, o satélite Copernicus captou a imagem de uma mancha de fogo, com cerca de 500 km de altura e 400 km de largura, localizada no sul da Amazônia. O colapso desse bioma liberaria enormes quantidades de carbono armazenado, acelerando as mudanças climáticas e desencadeando padrões climáticos mais extremos em todo o planeta.

Nos últimos anos, a região está passando por estações secas mais longas e mais intensas, antes de 2 a 3 meses e mais recentemente de 4 a 5 meses. À medida que as temperaturas aumentam devido ao aquecimento global, mais a floresta se enfraquece, ficando mais suscetível a incêndios e ao desmatamento.

Não podemos mais agir como se a natureza, a flora e a fauna, fossem algo “externo”, que não nos toca diretamente, uma vez que as evidências nos são mostradas diariamente. Será que estamos tão resignados que não concebemos outra opção a não ser termos 50% da população mundial sofrendo com problemas alérgicos até 2050 (ONU) devido à poluição? O SUS teria condição de lidar com essa situação?

É importante acreditarmos que ainda há tempo de mudarmos essa apatia tóxica em relação às notícias apocalípticas ambientais, que recebemos todos os dias. Todos somos essenciais nesse processo, seja plantando árvores, economizando energia, desenvolvendo tecnologias sustentáveis, mas, sobretudo, disseminando, no nosso meio ou através das redes sociais, que não podemos continuar agindo de forma inconsequente em relação à natureza e às questões ambientais, pelo simples fato de que sem ela não existimos. Isso não é questão de ideologia, nem de política, mas de sabedoria.

 

¨      A hora e a vez de Marina Silva. Por Tarso Genro

“Autoridade Nacional de Segurança Climática e Conselho Nacional sobre Mudança de Clima”. A proposta do órgão de estado foi feita pela ministra Marina Silva, no início de 2023, para fortalecer a estrutura de governança climática no Brasil e harmonizar os diversos fronts de ação governamental no território, articulados com as estruturas globais que tratam do assunto. Tudo – entre uma e outra guerra – nas quais estão ocupados os países coloniais-imperiais, que fazem a alegria da indústria armamentista.

Marina Silva, na fala que fez no projeto “República e democracia – o futuro não espera” do Instituto Novos Paradigmas, asseverou: “o mundo precisa convergir em dois aspectos: saúde, o combate à pandemia; e meio-ambiente, interrupção do colapso ambiental, com mudanças na matriz energética e nas formas de produzir. (…) Nós temos crime de lesa pátria e o crime de lesa humanidade (presentes) no Brasil. De lesa pátria quando acompanhamos a imensa destruição do patrimônio natural brasileiro e lesa humanidade, quando assistimos o não enfrentamento da pandemia:  o mundo faz tudo para debelar o vírus e o governo Bolsonaro atua para que o Brasil se constitua no refúgio do vírus, além de destruir nossos ativos ambientais.”

O vínculo político que Marina Silva fez, das suas assertivas, com o malfadado presidente de então é um divisor de águas num país que neste momento defronta-se com o “Apolicapse”, não tomado como o momento de uma explosão, mas como o início de uma agonia. É um vínculo feito pela decência analítica de quem não desvincula os humanos da tragédia, seja como vítimas, seja como autores de um desastre, que nos chama também para entender as alternativas do presente.

A medida tomada pelo Presidente supera – no imediato – as agendas das crises transferíveis para o território, que abarrotaram o cotidiano de Lula: Maduro e a oposição manipulando atas para dizer que ganharam; a hecatombe climática do nosso Estado; a Guerra da Ucrânia e as ações terroristas do Hamas (respondidas por sucessivos crimes de Guerra do Governo do Estado de Israel); a cassação do “X” pelo STF,  empresa que se declarou um Estado virtual dentro de um Estado real, que lhe mostrou que o país tem leis e tem tribunais.

Ter como Presidente um estadista é um privilégio que poucos países da América do Sul dispõem no momento, para interferir na cena pública mundial, ao mesmo tempo em que atua no território, de maneira a não somente harmonizar conflitos e criar padrões da governabilidade – num mundo enlouquecido pelas Guerras e pelas formas pervertidas de formação da opinião.

Tanto o Presidente como Marina Silva demonstraram compreender que “seria um erro isolar as urgências de curto prazo da reflexão sobre a estratégias de longo e médio prazos, (pois) ambas devem ser informadas pela mesma visão de desenvolvimento sustentável (…) mediante um amplo debate societal (que) se desdobrará gradualmente num projeto nacional.”

Os debates promovidos no Instituto Novos Paradigmas, calcados nesta visão, nos levaram a pleitear junto ao presidente Lula um órgão específico para moldar, no Estado, uma saída estratégica de “médio e longo prazos”. Esta visão propunha, a partir da crise climática que irrompeu no Rio Grande do Sul – mais além da reconstrução imediata do Rio Grande do Sul – uma contribuição para todo o país, na formação de uma visão de desenvolvimento com sustentabilidade ecológica, social e ambiental, já que não tínhamos uma Autoridade Nacional com poderes para instituí-la, para dar conta de um projeto dessa envergadura.

A formação de uma Autoridade Nacional para o desafio da transição climática traz duas vantagens para o nosso Estado e dois problemas bastante relevantes: as vantagens são claras, primeiro, a instauração de poder visível e localizável para a apresentação de propostas e demandas e, segundo, a confiabilidade da pessoa a quem as forças políticas do Estado devem se reportar; e os problemas relevantes são óbvios: primeiro, que os recursos disponíveis serão repartidos no território total da crise (enchentes, fogo e seca); e segundo que as autoridades com força resolutiva ficarão distantes do Rio Grande do Sul.

Estará preparado, nosso Estado, para um patamar novo de unidade e ir mais além da reconstrução das nossas bases físicas, devastadas pela hecatombe climática? Não sabemos, na verdade. Não pela “grenalização” do Rio Grande do Sul, como dizem as “fontes” mais afamadas na formação da opinião política, mas pelo rastro de ódio político deixado pelo bolsonarismo, no nosso estado, que ainda perdura em significativos setores de todas as classes sociais. Mas devemos tentar!

 

¨      Prefeituras na Amazônia não têm estrutura para lidar com queimadas e desastres ambientais, aponta MP

Produzido pelo núcleo de pesquisa do De Olho nos Ruralistas, o dossiê “Os Gigantes” propõe uma abordagem espacial sobre as eleições municipais de 2024. O documento, lançado no dia 5, analisa as políticas e os conflitos de interesses nos cem maiores municípios por extensão. Juntos, eles compõem 37% do território nacional. Uma área equivalente à Índia.

Durante quatro meses, a equipe do observatório buscou contato com as secretarias responsáveis pela gestão ambiental nas cem prefeituras, pedindo dados sobre as políticas ambientais e climáticas. Apenas oito responderam: “Os Gigantes: 30 municípios têm secretarias de ambiente fundidas com agronegócio, mineração e turismo“.

Os dados disponibilizados nos portais municipais de Transparência são limitados: 39 prefeituras não disponibilizam informações atualizadas sobre a execução do orçamento anual. Em alguns municípios, o site da transparência sequer estava no ar. É o caso de Laranjal do Jari e Oiapoque, no Amapá, Rondolândia e Gaúcha do Norte, em Mato Grosso, e Mucajaí, em Roraima.

Frente à ausência de dados completos sobre o monitoramento das políticas ambientais e de prevenção a desastres climáticos nos Gigantes, De Olho nos Ruralistas recorreu às secretarias estaduais e ao poder Judiciário dos onze estados cujos municípios figuram entre os cem maiores do Brasil.

No Amazonas, o Ministério Público de Contas (MPC-AM) é categórico: nenhum município está preparado para lidar com os impactos da crise climática. O diagnóstico consta em uma representação contra a prefeitura de São Gabriel da Cachoeira, protocolada em fevereiro, visando apurar a existência de omissão em estruturar a Defesa Civil. O órgão conduz, desde 2016, um trabalho de avaliação das ações das prefeituras no preparo para enfrentar eventos extremos como estiagens e enchentes.

— Nenhum município possui plano de contingência completo e atendendo todos os requisitos legais, principalmente com estratégia de prevenção e precaução, buscando a redução do risco de impactos negativos de possíveis desastres por ações integradas com os demais setores da prefeitura. Quando muito, há apenas planos de contingência (…)  voltado a preparação para reagir de véspera ao desastre de consumação certa. Não há a cultura de se precaver. Ignoram-se riscos e a possibilidade concreta de evitar as consequências negativas mediante política de prevenção e gestão de riscos. É intolerável que permaneça assim.

Administrada pelo prefeito indígena Clóvis Curubão (PT), São Gabriel da Cachoeira foi tema de outra reportagem da série, que detalha alguns dos destaques do dossiê: “Os Gigantes: PT e PL administram só três prefeituras nos cem maiores municípios“.

“SE TIVER FOGO, NÃO TEM COMO APAGAR”, DIZ PROCURADOR

Segundo o procurador de contas Ruy Marcelo Alencar de Mendonça, à frente do trabalho nos municípios, São Gabriel da Cachoeira passa longe de ser um caso isolado. “Diante dessa evidência, nós pusemos uma série de representações contra todos os prefeitos dos municípios amazonenses, para que eles fortaleçam a cultura de prevenção de desastres e estudem um projeto de lei para adaptação”, explica.

Durante o trabalho, o MPC-AM observou indicativos como desmatamento, queimadas, poluição de rios e igarapés e a destinação de recursos para a Defesa Civil. A manutenção de lixões a céu aberto aparece na lista de problemas identificados, presente em pelo menos nove municípios que integram a lista dos Gigantes.

Em Tefé, o Ministério Público do Amazonas instaurou um inquérito civil, em 2022, para investigar a contaminação de um igarapé por um aterro municipal. O conjunto de indicativos permitiu ao MPC observar o trabalho das prefeituras sobre temas ambientais, constatando a deficiência, insuficiência ou inexistência de serviços públicos fundamentais nesse sentido.

“Eu devo reconhecer que os cofres desses municípios são modestos”, ressalta o procurador Ruy Alencar. “Eles não têm maior fôlego financeiro comparativamente à maioria dos municípios brasileiros e têm os piores índices de desenvolvimento humano. Feita essa ressalva, não há uma percepção de prioridade jurídica e ecológica com relação a essas políticas públicas”.

O trabalho do MPC identificou a ausência de estrutura para Defesa Civil e outros serviços essenciais para a contenção de danos. “Não tem corpo de bombeiros militar na maioria dos municípios, não tem batalhão”, alerta o procurador. “Se tiver fogo na zona urbana não tem como apagar, muito menos na floresta”.

O Amazonas possui o maior número de representantes entre os cem maiores municípios 34, ao todo. O estado é uma das principais frentes de avanço do desmatamento e das queimadas na Amazônia: segundo dados do MapBiomas, dos quinze municípios que mais perderam florestas entre janeiro de 2021 e julho de 2024, quatro são amazonenses.

AUTORIDADES NO ACRE E NO AMAPÁ ALERTAM PARA RISCO DE DESASTRES

O despreparo das prefeituras amazonenses em responder à crise climática é semelhante ao que ocorre no Amapá e no Acre, conforme apurado junto às Secretarias de Estado de Meio Ambiente (Sema). Segundo a secretária amapaense, Taísa Mendonça, todos os municípios contam com unidades da Defesa Civil, mas ainda não estão preparados para os eventos extremos.

“Até o momento, a Defesa Civil da capital é a única preparada para lidar com desastres naturais”, afirma o ofício. De acordo com levantamento da Sema-AP, os municípios de Laranjal do Jari, Oiapoque e Calçoene — três dos quatro representantes amapaenses nos Gigantes — apresentam maior risco de sofrer com eventos climáticos extremos.

No caso do Acre, como a maior parte dos municípios fica às margens de rios, tanto a população urbana quanto a rural estão suscetíveis aos impactos da mudança no curso dessas águas. “De forma generalizada, todos municípios do Acre têm a possibilidade de sofrer com efeitos de uma enchente ou estiagem”, informa a secretária Renata Silva e Souza.

Em Feijó (AC), a cheia histórica do Rio Envira, em 2021, resultou em uma ação do Ministério Público do Acre recomendando a instalação de uma unidade da Defesa Civil — então inexistente — e a criação de um plano de contingência para lidar com as enchentes.  Segundo o órgão, o planejamento foi executado pela prefeitura, por meio do mapeamento e retirada das famílias que residiam em locais de risco. As ações tiveram resultado: três anos depois, Feijó foi um dos municípios que menos sofreu com as enchentes que devastaram o estado em fevereiro.

Na Bahia, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) afirma atuar em conjunto com a Secretaria do Meio Ambiente para a criação de um mapa de vulnerabilidade às mudanças climáticas no estado. O órgão não informou se monitora o nível de preparo das prefeituras para lidar com essas ameaças. O mesmo ocorre em relação aos contatos realizados junto às secretarias de Mato Grosso e Rondônia.

 

Fonte: A Terra é Redonda/De Olho Nos Ruralistas

 

Nenhum comentário: