Especialistas destacam prós e contras da
inteligência artificial na educação
Da mesma maneira que a
educação teve que se adaptar ao Google, surge um novo desafio: a inteligência
artificial (IA). Com ela, as estimativas apontam para um futuro cada vez mais
tecnológico. Em 2026, cerca de 90% do conteúdo on-line poderá ser gerado por
IA, de acordo com um relatório da Agência de Aplicação da Lei da União
Europeia. Além disso, o valor desse mercado deve aumentar em US$ 180 bilhões
nos próximos anos, segundo pesquisa da Brainy Insights.
Especialistas são
categóricos: não dá para fingir que a mudança não está acontecendo. Nesse
cenário, a escola deverá acompanhar as transformações da sociedade, entre elas
a do mercado de trabalho. Algumas adaptações já estão acontecendo, e há hoje
gestores, professores e alunos beneficiados pelo uso da inteligência artificial
em sala de aula.
"A inteligência
artificial tem três vertentes de aplicação na educação: auxiliar o aluno, o
professor e a parte administrativa das escolas", explica Mariza Ferro,
coordenadora da Comissão de Educação da Sociedade Brasileira de Computação
(SBC). "Falando do aluno, existem algumas funcionalidades, como a
personalização do conteúdo para a maneira que ele gosta mais de aprender.
Dentro de um currículo personalizado, podemos ter ferramentas de feedback com
dicas para esse estudante e modos de ele superar as suas dificuldades
acadêmicas", completa.
A IA já ajuda os
estudantes a fazerem os trabalhos da escola. Um deles é Felipe Figueiró, 17
anos, aluno da Escola SEB Brasília, que utiliza a tecnologia como apoio em seus
estudos. "Uso o ChatGPT para filtrar informações e fazer resumos. Às
vezes, tenho um prazo de uma semana para estudar e encontro documentos de mais
de 70 páginas, então a ferramenta me ajuda a resumir e ter uma base de
estudo", explica.
"Tem que saber
usar também. Às vezes, eu vejo pessoas pegando redações completas do ChatGPT.
Mas acho que se você conciliar com aquilo que você quer, ajuda. Antes eu já não
fazia, mas hoje consegui encontrar meus tópicos e utilizar a ferramenta da melhor
forma possível", complementa o estudante.
• Professores e gestores
Para os professores, a
inteligência artificial ajuda a agilizar tarefas e a proporcionar atividades
pensadas para cada aluno. Rodrigo Duran, doutor em ciências da computação e
professor do Instituto Federal do Mato Grosso do Sul, utiliza a IA generativa —
a que gera textos e imagens, como o ChatGPT — para contextualizar as atividades
de acordo com o gosto dos estudantes.
"Hoje em dia, a
IA generativa permite que adaptemos questões que já existem para o contexto que
o aluno tenha um certo interesse. Por exemplo, eu sei qual é o tópico que quero
trabalhar com eles. Então eu posso pedir ao ChatGPT para adequar a questão para
o contexto do League of Legends, que é o que os alunos do ensino médio gostam.
E ele cria de forma muito eficiente essas questões contextualizadas",
conta.
Além disso, o
professor explica que a equipe do instituto utiliza a inteligência artificial
para gerar simulados para os estudantes que não têm acesso a essas provas com
frequência. O que antes demandava muito tempo para o educador, agora a IA
generativa oferece milhares de opções de questões estilo Enem em segundos.
Para os gestores, por
sua vez, a inteligência artificial atua como uma ferramenta para levantar dados
e facilitar a organização administrativa da escola. Um dos projetos existentes
para auxiliar nessa demanda se chama Educ.AI e foi desenvolvido por Yasmin
Feitosa, Giovana Dovich Costa e Augusto Silva, enquanto alunos de engenharias
elétrica e computacional na Universidade de São Paulo (USP).
O programa utiliza
dados disponibilizados pelo governo federal para correlacionar a nota do Enem à
infraestrutura da escola. "Pensamos como a infraestrutura da escola
impacta na nota do Enem. O que impacta mais: ter um banheiro ou ter um
ar-condicionado? Ou ainda um computador disponível? A partir dessa ideia,
fizemos o modelo de machine learning que consiga auxiliar principalmente as
pessoas responsáveis pelas escolas, sobretudo escolas públicas, a gerir melhor
os recursos financeiros, que são extremamente escassos no Brasil para
educação", explica Augusto Silva.
O projeto, apresentado
na Brazil Conference at Harvard & MIT, no Massachusetts Institute of
Technology (MIT), é utilizado por gestores brasileiros. "Descobrimos que a
parte de gestão das escolas públicas é uma das coisas que mais dá dor de cabeça
aos diretores, então vimos também a possibilidade de criar essa plataforma em
que também supervisores e coordenadores
possam entrar e ter questões facilitadas", afirma Yasmin Feitosa.
• Os riscos de cair em ciladas
Bem como não se pode
ignorar a emergência da inteligência artificial nas escolas, especialistas
alertam que não se pode negligenciar os riscos e os potenciais perigos
apresentados por ela, sobretudo no contexto de sala de aula.
Um dos problemas mais
frequentes relatados por professores são alunos que copiam os exercícios do
ChatGPT. “Temos uma lista de discussão de professores de programação do mundo
inteiro, e uma das questões levantadas por um educador foi que ele estava em pânico,
pois tinha dado o primeiro teste on-line e não sabia o que fazer com tantas
cópias do ChatGPT. A solução dada pelos outros professores foi voltar para o
teste em papel. Parece que a única solução é isolar essas ferramentas para que
os alunos não se sintam tentados a usar”, relatou Rodrigo Duran, doutor em
ciências da computação e professor do Instituto Federal do Mato Grosso do Sul.
Outra questão é a
veracidade da informação apresentada pelos chatbots. O sistema de programação
da plataforma elabora uma resposta para uma pergunta de acordo com um conjunto
de probabilidades. Ou seja, nem sempre a informação estará correta e, sem pensamento
crítico para distinguir os dados corretos dos falsos, é provável que os alunos
sejam “enganados” pelo algoritmo.
“A IA não foi treinada
para te dar a verdade. Ela foi treinada para apresentar um texto que parece ter
sido feito pelo humano. Nem sempre aquele texto é verdadeiro. Percebemos que,
se os estudantes não têm essa expertise, esse pensamento crítico, eles aceitam
o que vem naquela IA. Mais do que nunca, o pensamento crítico vai ser
necessário”, continua Duran.
Felipe Figueiró, 17
anos, aluno do Colégio SEB Brasília, concorda. “É preciso saber filtrar o que
se lê, porque, às vezes, existem novas inteligências artificiais que não foram
criadas da maneira certa, e as pessoas acreditam em tudo o que acontece. No fim
das contas, é preciso desenvolver o senso crítico.”
Apesar de preocupante,
o ChatGPT, é o menor dos problemas que a inteligência artificial pode
apresentar na educação, segundo Mariza Ferro, coordenadora da Comissão de
Educação da Sociedade Brasileira de Computação (SBC). “Essa questão é algo que
assusta, mas não é realmente o ponto. Uma das questões mais delicadas é a
segurança e a privacidade de dados. Grande parte do que chamamos de
inteligência artificial são modelos de aprendizado de máquina, e eles precisam
de dados para serem treinados. Como será a privacidade de dados dos alunos?”,
questiona.
A especialista ainda
descreve que a maneira que esses dados são utilizados podem induzir julgamentos
com base em preconceitos. “Por exemplo, em um processo seletivo, o recrutador
vê qual é o candidato mais provável de evadir, levando em consideração fatores
como bairro, etnia e classe social. Ele pode pedir para a IA ranquear os ‘mais
prováveis’ a permanecerem no curso de acordo com esses critérios, e remover os
outros candidatos baseando-se em um preconceito de classe e raça”, afirma.
• Em busca de respostas
O futuro será tomado
cada vez mais pela inteligência artificial, isso é fato. O que não se sabe,
porém, é se IA é a heroína ou a vilã em sala de aula. Como define o professor
Rodrigo Duran, ela seria uma “anti-heroína”, com potencial de utilização positiva,
mas com um lado delicado a ser levado em consideração.
Embora existam
questões polêmicas, os especialistas ouvidos pela reportagem concordaram que se
faz necessário ensinar como utilizar a inteligência artificial em sala de aula.
Assim como foi feito com o Google, que aos poucos se consolidou como ferramenta
pedagógica, os profissionais da educação buscam maneiras de dialogar com a IA.
<><> Prós
x contras da IA em sala de aula
# Prós: Ajuda os
alunos a fazerem tarefas e trabalhos; Personaliza o conteúdo de acordo com os
interesses dos estudantes; Proporciona feedback aos estudantes.
# Contras: IA não é
treinada para fornecer a verdade; Dados podem ser manipulados de modo a induzir
preconceitos; Suprime a criatividade dos alunos.
• As estratégias para combater fake news
nas escolas
Diante de um cenário
de difusão constante de informações (e desinformações), o tema do combate às
notícias falsas se tornou central nas discussões, e se engana quem pensa que a
educação para as mídias se resume ao combate às fake news. A boa notícia é que
a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) já prevê a inclusão da educação
midiática, isto é, a alfabetização para o mundo das mídias, no ensino básico
como um dos temas centrais. Mas como saber se o tema é trabalhado de forma
adequada com os alunos?
Coordenadora do
EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta, Daniela
Machado explica que a educação para as mídias pode ser incluída nas mais
diversas disciplinas escolares. "Quando falamos de educação midiática,
estamos falando de um conceito guarda-chuva que dá conta de uma série de
habilidades essenciais para que a gente efetivamente participe da vida em uma
sociedade conectada", explica.
Entre essas
habilidades, está não só saber se uma informação é verdadeira ou falsa, mas
desenvolver uma leitura crítica para entender o contexto da mensagem, se é um
dado ou uma opinião, além de formar produtores de conteúdo mais responsáveis
com o que vão postar ou não.
A especialista explica
que, na hora de analisar se uma escola trabalha ou não a conectividade com o
mundo virtual, não basta olhar para a infraestrutura, mas também para como o
uso da tecnologia é abordado. "Não é suficiente ter os dispositivos, a gente
também precisa ter a oportunidade de aprender a navegar neste grande universo
da informação para fazer um uso melhor de tudo isso."
<><> Novos
leitores
Um relatório da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgado em
2021 trouxe um alerta para o cuidado com a nova geração de leitores do país. A
publicação Leitores do século XXI: Desenvolvendo habilidades de alfabetização
em um mundo digital mostrou que 67%, ou aproximadamente 7 a cada 10, dos
estudantes de 15 anos no Brasil não sabem distinguir um fato de uma opinião. O
número deixa o país em uma posição preocupante. A média entre os países
registrados pela OCDE foi de 53% de adolescentes que não apresentam capacidade
de distinção textual analisada.
A preocupação com a
formação de novos leitores foi o recorte escolhido pela jornalista Gracielly
Bittencourt quando, durante uma oficina para profissionais da área, foi
desafiada a pensar em iniciativas para o combate às fake news na região onde
mora. À época, antes da pandemia de covid-19, a repórter escolheu um tema que
seria ainda mais relevante nos anos seguintes: as campanhas de vacinação.
Segundo Gracielly, a
proposta inicial era falar sobre a vacina contra o papilomavírus humano (HPV).
"O público-alvo dessa vacina são adolescentes de 9 a 14 anos, então
pensei: 'Não tem lugar melhor para fazer isso do que nas escolas'", conta.
Em 2022, nasceu o
projeto Conhecimento é vacina para a desinformação, que visita escolas públicas
do DF para discutir a disseminação de notícias falsas, em especial na saúde. A
iniciativa já passou pelas escolas Centro de Ensino Médio (CEM) 2 de Ceilândia,
Centro de Ensino Fundamental (CEF) Queima Lençol, em Sobradinho, e CEM Urso
Branco, no Núcleo Bandeirante, com dois dias de programação que envolvem
palestras e oficinas com especialistas.
A coordenadora do
projeto conta que o grupo aplica um questionário antes das atividades para
saber se os alunos se vacinaram e o motivo para terem ou não tomado o
imunizante. Ao fim dos dois dias, eles fazem outra pesquisa. "Vejo muitas
respostas com 'eu não tomei porque eu achava isso, agora que eu entendi tal
como funciona, porque é importante, eu tomaria'. Então tem esse efeito prático
nos estudantes". diz. Gracielly destaca ainda o poder
"multiplicador" da oficina. Segundo ela, muitos professores querem
abordar o tema em sala de aula, mas ainda faltam orientações sobre como
trabalhar o assunto.
Fonte: Correio
Braziliense
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