sábado, 14 de setembro de 2024

Em duas décadas de cooperação Sul-Sul, Brasil 'sai de mais um para líder no grupo', diz analista

O Dia Internacional da Cooperação Sul-Sul celebrou 20 anos nesta quinta-feira (12). Em duas décadas desde o chamado da Organização das Nações Unidas (ONU), a interação entre os países em desenvolvimento cresceu e ganha cada vez mais relevância.

Na terça-feira (10), o Brasil sediou um encontro para comemorar o Dia Internacional da Cooperação Sul-Sul. Na ocasião, a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), organizadora do evento, compartilhou com os presentes a importância das parcerias desenvolvidas entre os países como catalisadoras para compartilhar conhecimento, tecnologias e recursos para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o ODS 1 (Erradicação da Pobreza), o ODS 2 (Fome Zero) e o ODS 17 (Parcerias).

Durante o evento, a ministra substituta das Relações Exteriores, a embaixadora Maria Laura Rocha, discursou e destacou que ao longo das últimas décadas a cooperação Sul-Sul tornou-se um elemento-chave para a promoção do desenvolvimento sustentável em todas as suas dimensões.

"Essa modalidade de cooperação tem permitido a capacitação de instituições públicas nacionais para interação com entes congêneres estrangeiros e a concepção de formatos inovadores de parcerias, favorecendo o estabelecimento de uma rede global que reflete o compromisso do Brasil com a solidariedade internacional e a redução das desigualdades", disse a embaixadora.

De acordo com ela, a cooperação Sul-Sul prestada pelo Brasil tem priorizado a erradicação da fome e da pobreza, o desenvolvimento econômico e tecnológico e o acesso a fontes de financiamento estáveis e adequadas para o desenvolvimento.

"Nesse sentido, a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, iniciativa prioritária criada pelo Brasil no âmbito do G20, surge como uma plataforma importante. A aliança promoverá soluções inovadoras desenvolvidas por países do Sul Global, conectando-os a parceiros institucionais e financeiros que podem oferecer apoio técnico e financiamento", destaca.

Já nesta terça-feira (12), dia que completam 20 anos desde o chamado da ONU para a cooperação entre os países em desenvolvimento, o secretário-geral da organização, António Guterres, afirmou que nesta data é celebrado o poder transformador da unidade e da solidariedade entre as nações em desenvolvimento.

Em sua mensagem, o secretário-geral ressaltou a importância da cooperação Sul-Sul sem eximir a responsabilidade das nações do Norte Global em ajudar a combater as desigualdades a nível mundial.

"Parcerias Sul-Sul fortes — juntamente com a cooperação triangular — são cruciais para construir um futuro melhor para todas as pessoas. Essas parcerias podem promover um sistema financeiro internacional mais justo, que responda aos desafios enfrentados pelos países em desenvolvimento", disse em comunicado.

<><> O que mudou no Brasil no âmbito das relações internacionais

Embora pareça jovem, a cooperação Sul-Sul acontece na esteira de outros movimentos, "como a Conferência de Bandung e o Movimento dos Países Não Alinhados", comenta Luis Antonio Paulino, professor de relações internacionais e da pós-graduação em ciências sociais da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Entretanto as mudanças em duas décadas são significativas para o Brasil, que, segundo James Onnig, analista internacional e professor de geopolítica do Laboratório de Pesquisa em Relações Internacionais da Faculdade de Campinas (Facamp), sai da "posição de mais um para a posição de importante país dentro desse contexto".

"O Brasil se transformou em um país muito importante nesta nova governança global, não só pelo tamanho, ou talvez o gigantismo, mas pelo papel que a diplomacia brasileira e as relações internacionais do Brasil começaram a ter em relação às grandes transformações pelas quais o mundo começou a passar."

De lá para cá, em posição de liderança, o Brasil soma participações e acordos importantes no âmbito das relações internacionais, seja no que diz respeito a parcerias comerciais ou à troca e compartilhamentos de tecnologia, conhecimento e recursos. Tudo isso com muito suor investido pela diplomacia brasileira para abrir as portas para o Brasil em outros lugares do mundo, dentro dessa perspectiva Sul-Sul, destaca Onnig.

"Em 2003, 2004, o Brasil inicia um esforço multilateral Sul-Sul, que é muito virtuoso e muito importante, que é o IBAS, Índia, Brasil e África do Sul, que abre as portas depois até para o incremento do BRICS", afirma o professor da Facamp.

Além disso, o Brasil mantém no continente africano cerca de 150 projetos nas áreas de administração pública; agricultura; pecuária; cidades; ciência e tecnologia; comunicações; cultura; desenvolvimento social; educação; esporte; indústria e comércio; justiça; meio ambiente; energia; saúde; segurança pública; e trabalho e emprego.

"Isso contribui para o desenvolvimento e a estabilidade político-social desses países, que, por meio dessas iniciativas, fortalecem laços com o Brasil em outras áreas correlatas, contribuindo para o estabelecimento de novas rotas comerciais e consolidando as que já existem com esses países. A cooperação também contribui para evitar a expansão de ameaças globais, como vacinação e combate a epidemias", destaca Lucas Peixoto Pinheiro da Silva, doutorando em relações internacionais pela Universidade de São Paulo (USP).

Outra participação brasileira importante nas últimas duas décadas foi o país ser um dos fiadores do processo de independência de Timor-Leste, antiga colônia portuguesa.

"O esforço do Ministério da Cultura foi mandar professores lá para resgatar a língua portuguesa, que estava sendo oprimida pelo domínio da Indonésia", comenta Onnig.

Em relação aos negócios estrangeiros, a parceria brasileira com a China é a que mais se destaca. O gigante asiático se tornou o maior parceiro comercial do Brasil e é o "destino de 30% de nossas exportações, e uma importante fonte de investimento estrangeiro direto", diz Pinheiro. Também se destacam nesse contexto, segundo Paulino, um incremento nas relações comerciais com os países árabes.

De forma geral, ainda em termos de ganhos econômicos, a cooperação Sul-Sul vê emergir ao longo de seus 20 anos o BRICS.

A região geopolítica, dona de grande parte do mercado produtivo e do mercado consumidor do mundo, tem um grupo fundado por Brasil, Rússia, Índia, China e, posteriormente, África do Sul, nações com pesos regionais e internacionais que passam a ser um núcleo atrativo de outros países que querem ampliar a sua colaboração com o arranjo, tanto que recebeu neste ano Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã como novos membros.

Passado histórico com origens próximas, problemas que se avolumaram ao longo das relações tempo-espaço e ao longo da história também parecidos. A cooperação Sul-Sul estimula, portanto, o intercâmbio entre países a fim de gerar soluções. "As mínimas trocas já são importantes para impactar grandes comunidades", arremata Onnig.

¨      Brasil deve bloquear compra de equipamentos militares de Israel? Especialistas divergem

Compra de equipamentos militares de Israel pelo Brasil está em xeque por crise diplomática no alto escalão. Queda de braço entre governo Lula e Forças Armadas expõe dificuldade de alinhar política externa e de defesa no Brasil.

Compra de viaturas blindadas de Israel pelas Forças Armadas sofre novo impasse, com a expiração de prazo para assinatura do contrato. Oposição do assessor de Relações Exteriores de Lula, Celso Amorim, levou governo a repensar termos do acordo.

A aquisição de 36 viaturas blindadas de combate, ou seja, obuseiros autopropulsados de 155 mm sobre rodas, produzidas pela empresa israelense Elbit Systems, no âmbito do Programa Estratégico do Exército Forças Blindadas, está estimada em R$ 1 bilhão.

A empresa israelense venceu processo de licitação em abril deste ano, superando a segunda colocada Excalibur International da República Tcheca, a KNDS da França e a Norinco chinesa. Analistas ouvidos pela Sputnik Brasil atestaram a qualidade técnica dos equipamentos oferecidos pelos israelenses ao Brasil.

No entanto, o assessor de Relações Internacionais da Presidência da República, Celso Amorim, intercedeu contra o processo, já que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi declarado persona non grata pelo governo do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. Em função da crise diplomática, o Brasil retirou seu embaixador de Tel Aviv, posto agora comandado por um encarregado de negócios.

Para Amorim, há descompasso entre o tratamento concedidos por autoridades israelenses ao Brasil e a compra bilionária almejada pelo Exército Brasileiro. Apesar do impasse, o professor de Ciências Políticas da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Henrique Lucena Silva, acredita que a posição técnica do Exército deve prevalecer sobre considerações de cunho diplomático.

"As decisões técnicas do Exército precisam ser respeitadas, independente de coloração ideológica de figuras políticas A, B ou C. Afinal, quem vai operar, manter e organizar toda a logística será o Exército", disse Lucena Silva à Sputnik Brasil. "A posição do [...] Celso Amorim termina sendo bastante ideológica e não leva em consideração as necessidades da pasta da Defesa."

O analista ainda lembrou o acelerado ritmo de aquisições de material bélico israelense durante os primeiros governos Lula, notando que "por mais que tenhamos entraves diplomáticos, algumas relações continuam, principalmente as comerciais de cunho estratégico".

"O Brasil tem uma longa tradição de acordos com empresas israelenses, entre elas a própria Elbit, que opera há décadas no nosso mercado. Isso facilita a integração dos sistemas", considerou Lucena Silva. "A empresa também tem uma relação muito próxima com a Força Aérea brasileira, no suprimento de aviônicas ao modelo Super Tucano."

De acordo com fonte ouvida pela Sputnik Brasil que pediu anonimato para tratar de questões sensíveis, caso o governo esteja de fato incomodado com a atitude israelense em relação a Lula, deveria adotar ações diplomáticas enfáticas, como o rompimento de relações, ao invés de utilizar a compra da Elbit como instrumento retaliatório.

Para a fonte, o possível bloqueio da compra dos obuseiros será um caso isolado, sem o condão de modificar o comportamento internacional israelense.

·        E a Base Industrial de Defesa brasileira?

O professor da UNICAMP, Marcos José Barbieri Ferreira, questiona a escolha do Exército pela compra de equipamento de empresa internacional, em detrimento do investimento da produção de análogo brasileiro. Segundo Barbieri Ferreira, a indústria brasileira é capaz de desenvolver sistemas de artilharia e deveria, no mínimo, estar engajada no processo de integração dos equipamentos israelenses à infraestrutura nacional.

"Na minha opinião, não está claro que o Brasil precise desses equipamentos, já que temos o nosso próprio sistema de foguetes, que é o Astros II. Ainda que, de fato, seja necessário adquirir esses equipamentos, por que não investimos para os produzir nacionalmente? E se não puder ser desenvolvido nacionalmente, no mínimo precisaríamos que eles fossem integrados no Brasil, por uma empresa brasileira, e não por uma subsidiária", disse Barbieri Ferreira à Sputnik Brasil.

O processo de integração feito nacionalmente permite maior autonomia operacional e na escolha de softwares, hardwares e computadores balísticos a serem utilizados nos sistemas de fabricação israelense.

"Lembremos que uma empresa como a Avibras poderia fazer a integração, afinal ela já produz sistemas de artilharia", argumentou Barbieri Ferreira. "E não só a Avibras, o Brasil tem mais de uma empresa na sua Base Industrial de Defesa capaz de realizar esse processo."

Paradoxalmente, o governo brasileiro hesita em assumir uma dívida estimada em R$ 700 milhões da Avibras, preferindo a venda do grupo para empresas estrangeiras, enquanto investirá R$ 1 bilhão na compra de equipamentos israelenses. "Estamos a ponto de perder uma empresa brasileira que produz sistemas de artilharia, ao mesmo tempo que compramos sistemas de artilharia estrangeiros", lamentou o especialista.

"Me admira que exigências de transferência de tecnologia, conteúdo nacional e, no mínimo, a realização da integração por empresa brasileira, não foram incluídas nesse processo de compra do Exército", notou Barbieri Ferreira. "As Forças Armadas incluíram esses elementos com sucesso em compras como a dos caças Gripen, e questiono por que agora estamos deixando de lado essas exigências."

Após a oposição de Lula e seu assessor internacional Celso Amorim à compra de equipamentos israelenses, o ministro da Defesa, José Múcio, passou a mediar o assunto. O objetivo de Múcio seria garantir concessões da Elbit Systems, como a construção de uma nova fábrica de blindados no Brasil, reportou o portal UOL. O professor da UNICAMP, no entanto, questiona por que essas medidas não haviam sido incluídas no processo de licitação original.

Segundo o especialista, o Brasil está realizando uma série de compras – seja de mísseis portáteis, viaturas blindadas ou helicópteros – sem a exigência de contrapartidas que interessam à indústria nacional e à geração de empregos em território brasileiro.

"Portanto, ao invés de nos atentarmos somente à questão de Israel, deveríamos nos perguntar por que não estamos priorizando investimentos na base industrial de defesa brasileira", concluiu o especialista.

A compra das viaturas blindadas de combate, ou seja, de obuseiros autopropulsados pelo Exército brasileiro, estende-se desde 2017. A licitação na qual a empresa vencedora foi a israelense Elbit Systems foi concluída em abril de 2024.

Anteriormente, em fevereiro de 2014, o ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, declarou o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, persona non grata. A medida israelense foi motivada por declaração de Lula que comparou a guerra na Faixa de Gaza ao Holocausto, por não ser "uma guerra entre soldados e soldados. É uma guerra entre um exército altamente preparado e mulheres e crianças."

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

Nenhum comentário: