Horário de verão: uma herança alemã da
Primeira Guerra
É uma discussão que
todo ano reaparece na Alemanha. Nas semanas que antecedem o início do horário
de verão, jornais publicam reportagens questionando a utilidade da medida,
médicos apontam supostos malefícios à saúde, defensores e adversários expõem
suas posições. Neste ano, o horário de verão na Alemanha teve início em 31 de
março e deve vigorar até 27 de outubro.
No Brasil, tais
discussões anuais sobre a eficácia e supostos malefícios da medida eram comuns
até 2019, até que o horário de verão foi extinto durante o primeiro ano do
governo Jair Bolsonaro.
Agora, em meio à
severa seca que atinge o país, o governo Lula está debatendo a volta do horário
de verão para economizar energia e compensar a baixa dos reservatórios das
usinas hidrelétricas.
Se seguir esse
caminho, o Brasil estará indo na contramão de boa parte do mundo.
Nos últimos anos, foi
mais corriqueiro que nações abandonassem a medida, que fez sua estreia mundial
na Alemanha em 1916.
Hoje, no Hemisfério
Sul, apenas o Chile, Paraguai, Nova Zelândia, Fiji e partes da Austrália
continuam persistindo no horário de verão. Já no Hemisfério Norte, o abandono
tem sido mais comum, com países como Rússia, Armênia, Turquia e Belarus
extinguindo a troca anual de horário nos anos 2010.
E, em nações da Europa
e da América do Norte onde a troca ainda persiste, a medida normalmente é
apontada como impopular em pesquisas, embora não haja consenso sobre como ela
pode ser extinta.
• Pioneirismo alemão no horário de verão
A atual versão do
horário de verão alemão ("Sommerzeit") passou a valer na Alemanha em
1980, mas o país já havia experimentado adiantar os relógios na primavera de
1916, sendo pioneiro no mundo. A argumentação para colocar a medida em prática
seria mais tarde repetida em dezenas de países: economizar energia.
No início de 1916, o
antigo Império Alemão estava envolvido na Primeira Guerra Mundial e sofria com
um severo bloqueio naval imposto pelo Reino Unido, que resultou no corte das
importações de petróleo e parafina (usada na fabricação de velas). A mudança nos
relógios foi incluída pelo governo do imperador Guilherme 2º na lei de guerra,
a exemplo da instituição de cartões de racionamento e confisco de suprimentos.
Numa época em que não
havia televisão e o rádio ainda não havia se popularizado, coube aos jornais
anunciar a mudança. Também foram distribuídos centenas de milhares de
cartões-postais e folhetos explicando o novo horário. Muitas vezes as mensagens
eram acompanhadas de exortações patrióticas. Um desses cartões mostrava a
figura de Ares, o deus grego da guerra, falando a um grupo de crianças:
"usem a luz do Sol!".
E a Alemanha também
foi pioneira nas controvérsias em relação ao novo horário. Antes de ser
colocado em prática, leitores expressaram em cartas aos jornais o temor de que
o novo horário fosse um truque para explorar ainda mais a mão de obra nas
fábricas, que já estavam a todo vapor por causa da guerra.
• A introdução da medida
Os relógios foram
finalmente adiantados às 23h de 30 de abril de 1916, um domingo, e assim
ficaram até 1º de outubro. Segundo o antigo jornal Münchner Neuesten
Nachrichten, vários relógios em igrejas e prédios públicos de Munique foram
adiantados horas antes do prazo, o que levou a alguns desentendimentos.
Na segunda-feira, 1º
de maio, alguns trabalhadores desatentos acabaram aparecendo uma hora mais cedo
no serviço – a data ainda não era um feriado. Ainda segundo o jornal, grupos de
estudantes reclamaram de ter que acordar uma hora mais cedo logo depois do fim
de semana.
As discussões sobre o
novo horário dominaram as páginas dos jornais, deixando em segundo plano
acontecimentos dramáticos, como o fim da Revolta da Páscoa, conduzida por
nacionalistas irlandeses em Dublin, e o fim do cerco da cidade de Kut, no
Iraque. No mesmo dia, o antigo Império Austro-húngaro, aliado da Alemanha,
seguiu o exemplo e adiantou os relógios. Logo depois, foi a vez da Romênia, da
França, do Reino Unido e, mais tarde, dos EUA.
O governo alemão ainda
determinou punições para empregadores que decidissem manipular os horários de
trabalho, empurrando a jornada uma hora adiante como forma de burlar a medida.
Os efeitos logo foram
sentidos. A cidade de Bremen, por exemplo, registrou economia de pelo menos 344
toneladas de carvão durante o período do horário de verão. Por outro lado, o
consumo menor fez com que a cidade perdesse receitas provenientes de impostos,
e a conta acabou tendo que ser paga pela população.
Segundo jornais da
época, a maior parte da população acabou aceitando a medida, e alguns até
vieram a simpatizar com ela por causa da possibilidade de aproveitar melhor o
fim do dia. O experimento foi repetido em 1917 e 1918. Após o fim do conflito
mundial, a lei extraordinária foi extinta – e com ela também o horário de
verão.
A medida só reapareceu
em 1940, pelas mãos do regime nazista, mais uma vez em um contexto de guerra.
Após o fim do segundo conflito mundial, o horário de verão ainda persistiu nas
diferentes zonas de ocupação da Alemanha, mas sem qualquer coordenação entre as
diferentes administrações regionais. O setor de ocupação soviético de Berlim,
por exemplo, tinha um horário de verão dois meses mais longo que o do restante
da Alemanha.
Em 1950, os governos
da Alemanha Ocidental e Oriental decidiram pela extinção do mecanismo. O
horário de verão só voltou a ser usado nas duas Alemanhas em 1980, um ano
depois do segundo choque do petróleo, provocado pela revolução islâmica no Irã,
que reduziu a oferta de combustível no mundo. Depois desse episódio, o horário
de verão virou um mecanismo permanente também na Alemanha reunificada e, mais
tarde, na União Europeia.
• O que fazer com o horário de verão?
Nos últimos anos, o
ato de adiantar os relógios vem perdendo apoio na Alemanha e na Europa. Uma
enquete realizada pela Comissão Europeia em 2018 apontou que 84% dos
entrevistados europeus não querem mais adiantar seus relógios. Na Alemanha, os
números foram similares em outras pesquisas.
Na enquete europeia,
os poloneses mostraram maior oposição à continuidade do horário de verão: 95%.
No outro extremo, apenas 44% dos gregos exibiram oposição, mas eles são uma
exceção no bloco, onde a contrariedade em relação ao ato de mudar os ponteiros
é dominante.
A partir dos anos
1990, ficou mais difícil para a Alemanha e outros países europeus tomarem
alguma iniciativa isolada e se livrar da medida, já que o calendário de
horários dos Estados-membros da União Europeia é organizado de maneira
unificada pelo bloco, sendo o horário de verão uma medida obrigatória.
No final dos anos
2010, o Parlamento Europeu chegou a aprovar uma resolução cobrando a Comissão
Europeia a iniciar um processo de abandono do horário de verão em todo o bloco.
Uma data limite chegou até mesmo a ser estabelecida: 2021. No entanto, nada aconteceu
por causa da falta de um acordo sobre em qual horário o bloco deve ficar
permanentemente.
Alguns países
manifestaram preferência por ficar em um horário de verão eterno, ou seja, com
uma hora adiantada permanentemente, a exemplo da Turquia, que seguiu esse
caminho em 2016.
Já outros
Estados-membros fizeram lobby para que o "horário de inverno" seja a
regra permanente.
Essa divisão também
ocorre até mesmo entre as populações. Uma pesquisa de 2024 mostrou que 43% dos
alemães favorecem ficar sempre no horário de verão, enquanto outros 38% querem
ficar no "inverno", enquanto 19% não souberam responder.
Há ainda questões
políticas locais para uma mudança na UE. A Irlanda, por exemplo, se opõe a
medidas que possam colocar o país em um horário diferente em relação à parte
norte da ilha, que é território do Reino Unido e não é mais integrante da UE
desde o Brexit.
Portanto, há consenso
sobre acabar com horário de verão, mas não sobre o que fazer a seguir.
Fonte: DW Brasil
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