quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Abrindo ainda mais a porta para os direitos da natureza

Quando algo novo surge no horizonte, como são para muitas pessoas os Direitos da Natureza, o desinteresse é seguido de zombaria. Pouco depois, à medida que essas ideias inovadoras avançam, enquanto permanece uma ignorância bastante generalizada, que normalmente é terreno fértil para alimentar os medos do desconhecido, surgem ameaças e até ações repressivas violentas.

A possibilidade de que algo além do ser humano possa ser pensado como sujeito de direitos constitui uma “aberração”. Esse é um critério bastante generalizado em círculos sociais considerados ilustrados. Além disso, muitos juristas renomados e personalidades influentes veem grandes dificuldades na aplicação de uma jurisprudência que reconheça a Natureza como sujeito de direitos.

Isso não é novo. Ao longo da história, toda ampliação de direitos foi, no início, impensável. Lembremos que, no início da colonização, os povos originários não apenas não tinham direitos, mas afirmava-se até que careciam de alma. A emancipação dos escravizados ou a extensão de direitos aos afro-americanos, às mulheres e às crianças foi rejeitada em seu tempo por ser considerada absurda.

Bastaria lembrar que, quando os escravizados foram libertados, não faltaram aqueles que reclamaram pelas “perdas” sofridas por seus “proprietários”, cuja “liberdade” para comercializá-los, utilizá-los e explorá-los foi irremediavelmente restringida. Algo semelhante aconteceu quando se questionou o trabalho infantil — uma mão de obra barata bem-vinda no nascente processo de industrialização — na Inglaterra no início do século 19.

A polêmica foi grande. “A proposta mina a liberdade de contratação e destrói os alicerces do livre mercado”, proclamavam os ilustrados da época. Finalmente, conseguiu-se eliminar esse tipo de trabalho quase escravo, ao menos legalmente, embora ainda esteja presente em muitas cadeias de valor transnacionais.

No mundo em que ainda vivemos, parece “normal” que as empresas desfrutem de direitos quase humanos. Em países como os Estados Unidos, modelo de justiça universal para algumas pessoas, a lei estendeu o âmbito dos direitos às corporações privadas no final do século 19. Desde então, reconhecem-se às empresas direitos equiparáveis aos das pessoas humanas: direito à vida, à livre expressão, à privacidade etc. Essa realidade — distópica, a nosso ver — vigora de diversas formas no restante do planeta. E ninguém se surpreende, pois trata-se de uma tradição de longa data.

Atualmente, muitas dessas posições permanecem mais ou menos estagnadas, a tal ponto que esperar que até mesmo cientistas ou juristas renomados entendam e aceitem esse tema é como pedir-lhes que escapem de sua própria sombra. E é exatamente disso que tratam os Direitos da Natureza: temos de fugir das sombras da Modernidade. Somente com essa firme convicção poderemos superar as limitações que carregamos há centenas de anos. E isso não é fácil, pois alterar essa verdade quase revelada, que considera o ser humano uma espécie superior, e aceitar que a Natureza é sujeito de direitos é uma tarefa grandiosa.

Esses novos direitos — que, na verdade, são uma espécie de direitos originários — não constituem simplesmente outro campo do direito cujo objetivo é assegurar um ambiente saudável para os humanos; essa é a tarefa dos Direitos Humanos em sua faceta ambiental. Os Direitos da Natureza são algo diferente, propõem uma mudança radical. Embora, de início, se deva apontar que não se opõem aos Direitos Humanos, pois não apenas se complementam, mas se potencializam mutuamente.

Se aceitamos a totalidade de sua complexidade jurídica, esses Direitos da Natureza rompem com as próprias bases da Modernidade, abrindo a porta para uma subversão epistêmica em todos os âmbitos da vida humana, incluindo o econômico. Estamos diante de uma espécie de GIRO COPERNICANO.

Assim, a partir desses direitos, podemos prefigurar mudanças estruturais que, mais cedo ou mais tarde, nos permitirão transitar para outros horizontes civilizatórios. Na verdade, não haverá uma grande transformação se, simultaneamente, não houver mudanças na própria humanidade.

Essas são algumas das reflexões com as quais começamos este livro, que reúne propostas e reflexões de vários grupos humanos e de muitas pessoas comprometidas com a construção de outros mundos possíveis, em chave de PLURIVERSO: um mundo onde caibam outros mundos — segundo a fórmula zapatista —, sem que nenhum deles seja vítima de marginalização e/ou exploração, e onde todos os humanos e não humanos vivamos com dignidade e em harmonia com a Natureza.

Nas palavras do grande intelectual colombiano Arturo Escobar, precisamos de “mundos e saberes construídos com base nos diferentes compromissos ontológicos, configurações epistêmicas e práticas de ser, saber e fazer”.

 

¨      Vem aí a Cúpula do Futuro. Temos futuro? Por Tereza Cruvinel

Apesar da nota negativa representada pelo fogaréu que tomou conta do Brasil nas últimas semanas, o presidente Lula será um dos principais oradores da Cúpula do Futuro, o evento de alto nível que a ONU realizará entre os dias 20 e 23, antes da abertura da Assembleia Geral no dia 24, que, como sempre, será feita pelo presidente brasileiro.

A Cúpula, que reunirá dirigentes de mais de 190 países, vem sendo organizada há meses e, neste momento, estão sendo negociados os termos de três acordos globais que serão assinados: o Pacto para o Futuro, o Pacto Digital Global e a Declaração sobre as Gerações Futuras.

Embora alguns países venham ignorando as decisões da ONU, como Israel e os Estados Unidos com suas ações imperialistas, o Pacto para o Futuro será firmado em um momento de grande incerteza sobre o futuro do planeta e da humanidade. Diante do braseiro brasileiro, que tem causas criminosas, mas também decorre do agravamento da crise climática, vemos o professor Carlos Nobre, com sua autoridade científica, confessar-se apavorado. Se medidas mais arrojadas não forem tomadas hoje pelo conjunto das nações, diz ele, o ponto de não retorno chegará mais cedo, e boa parte do mundo se tornará inabitável.

O que se busca com este Pacto para o Futuro é obter dos diferentes países uma aceleração dos compromissos já existentes, como os do Acordo de Paris e os da Agenda 2030. Compromissos também serão firmados em relação a outras mazelas, como migrações, fome, guerras e segurança, além de mudanças na governança global, como a tão falada, mas nunca alcançada, reforma do Conselho de Segurança da ONU.

O acordo denominado Pacto Digital Global tratará de inclusão e cooperação digital, e bem poderia avançar sobre a questão que incomoda o mundo inteiro neste momento: o desgoverno das Big Techs, com suas redes que naturalizam a mentira e ameaçam as democracias. Mas isso talvez seja esperar muito de um primeiro acordo global sobre o tema.

A Declaração sobre as Gerações Futuras talvez seja o primeiro documento multilateral a enfrentar a pergunta que deveria incomodar nossa consciência moral coletiva: que mundo estamos deixando para nossos filhos e netos, para as gerações que vão herdar o planeta e responder pela sobrevivência do que conhecemos como humanidade? Ainda que os compromissos firmados sejam insuficientes, a assinatura de uma declaração conjunta sobre este tema já é um avanço. Ou melhor, um começo.

As negociações para a elaboração dos três documentos estão em curso entre as diplomacias dos diferentes países e algumas estão, como sempre, opondo os países ricos aos países emergentes.

No texto do Pacto para o Futuro, por exemplo, os ricos querem tratar da crise climática como um problema de segurança, na medida em que ela provoca migrações, fome, desabastecimento e, em último caso, guerras e conflitos.

Os emergentes insurgiram-se contra este tratamento da questão, que deixa em segundo plano a responsabilidade dos ricos que, historicamente, contribuíram mais, com as práticas de seu modelo capitalista, para as emissões de gases de efeito estufa e para outros desequilíbrios ambientais que nos trouxeram ao atual momento climático.

Deslocar o problema, na visão do Brasil e de outros emergentes, para o campo da segurança poderá resultar no descompromisso dos ricos com o financiamento das medidas de mitigação. Os poucos compromissos que eles já assumiram, como é sabido, até aqui não foram cumpridos integralmente, o que tem sido criticado por Lula em todos os fóruns internacionais. Brasil e aliados haviam conseguido alterar o texto, mas nas últimas horas tudo voltou ao ponto inicial.

Quase todos os países estão atrasados no cumprimento das metas da Agenda 2030, aquele conjunto de 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, os ODS. No que trata do desmatamento, por exemplo, o Brasil voluntariamente atualizou sua meta, por iniciativa de Lula, prometendo desmatamento zero até 2030. O que se busca com o Pacto para o Futuro é acelerar o cumprimento das metas já fixadas e a adoção de algumas mais ambiciosas.

O desmatamento da Amazônia de fato recuou no atual governo, mas, por outro lado, os incêndios tomaram conta do país desde agosto, a fumaça cobre boa parte do território nacional e o calor está insuportável. Até o dia 12, havia 50 mil focos de incêndio ativos no país. Neste final de semana, houve um recuo de 15%. Há incêndios que são criminosos, mas o governo não pode reduzir o problema apenas a essa denúncia. Na próxima semana, será lançado o Plano Nacional contra Incêndios, e isso indica a inexistência de uma política preventiva, que não foi elaborada pelo atual governo nem pelos anteriores.

Apesar do fogaréu por aqui, Lula não chegará à cúpula na defensiva. Falará da catástrofe no Rio Grande do Sul e do quanto o país já gastou e está gastando para reconstruir o estado, cobrando assim a colaboração efetiva dos países ricos para com os danos impostos aos mais pobres pela crise climática. Mostrará os ganhos no combate ao desmatamento e falará da criação da Autoridade Nacional Climática. Não se sabe ainda como tratará a questão dos incêndios, que não poderá ser debitada apenas aos criminosos que agem por motivação política.

 

¨      Emissão de gases do efeito estufa por queimadas na Amazônia cresce 60%

As queimadas na Amazônia, de junho a agosto deste ano, resultaram em uma emissão de gases do efeito estufa 60% maior do que a observada no mesmo período do ano passado. De acordo com pesquisa divulgada pelo Observatório do Clima, os incêndios na região emitiram 31,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO²) equivalente na atmosfera.

O valor, segundo o Observatório do Clima, se aproxima do total emitido pela Noruega em um ano (32,5 milhões de toneladas).

Ane Alencar, diretora científica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), que fez o cálculo das emissões que consta no levantamento do Observatório do Clima, destaca que os dados ainda não consideram as queimadas ocorridas em setembro. “O pior, infelizmente, está acontecendo agora, em setembro”, afirma.

Dos 2,4 milhões de hectares incendiados no período de junho a agosto, segundo o Observatório do Clima, 700 mil correspondiam a florestas, cuja queima emitiu 12,7 milhões de toneladas de CO² equivalente.

De acordo com o levantamento, mesmo depois da extinção dos incêndios, as emissões seguirão por alguns anos, devido à decomposição da matéria orgânica queimada, a chamada emissão tardia.

Estima-se que na próxima década, a vegetação destruída por esses incêndios emitirá mais 2 a 4 milhões de toneladas de CO² equivalente.

Além das emissões tardias, os incêndios também fragilizam as florestas e propiciam incêndios ainda mais intensos em anos seguintes.

“Quando a floresta queima a primeira vez, ela fica mais suscetível a outros incêndios. As árvores perdem as folhas, caem, quebram outras árvores. Com isso, passa a ter mais material combustível no chão. Além disso o ar quente entra mais na floresta. Enfim, ela fica mais inflamável. Quando o segundo fogo vem, ele é mais intenso e vai emitir bem mais [gases do efeito estufa]”, eplica Ane.

Segundo Marcos Freitas, coordenador do Instituto Virtual de Mudanças Globais (Ivig), vinculado ao Instituto de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), as queimadas na Amazônia provocam mais emissões por causa de uma maior concentração de biomassa por área.

“Os outros ecossistemas, como o Cerrado, acabam tendo menos biomassa por hectare e, portanto, menos CO². Na Amazônia, a gente trabalha com 250 a 300 toneladas de carbono por hectare”, diz. “Outros colegas estão muito preocupados de a gente ultrapassar os 20% [de desmatamento, em relação ao total da área original] da floresta [amazônica] e você ter uma perda de evapotranspiração muito elevada, e isso provocar um aumento da seca”, afirma.

<><> Efeito estufa

Os gases do efeito estufa são aqueles que têm a capacidade de aprisionar o calor do sol na atmosfera terrestre. A unidade de medida usada para as emissões chama-se CO² equivalente porque o dióxido de carbono não é o único desses gases. Outros, como o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O), têm capacidades ainda maiores de aprisionamento de calor, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Uma tonelada de metano na atmosfera, por exemplo, equivale a mais de 20 toneladas de CO², em termos de retenção de calor num período de 100 anos, ou seja, mais de 20 toneladas de CO² equivalente. No caso de uma tonelada de óxido nitroso, a equivalência chega a quase 300 toneladas de dióxido de carbono em 100 anos.

A atmosfera é constituída principalmente por nitrogênio (N2) e oxigênio (O2), que respondem por mais de 99% da composição do ar, mas que não têm capacidade de retenção de calor.

Por outro lado, mesmo respondendo por menos de 0,1% da composição da atmosfera, os gases do efeito estufa são capazes, junto com o vapor d’água, de regular a temperatura terrestre, elevando-a quando sua concentração sobe ou reduzindo-a quando sua participação na composição atmosférica diminui.

<><> Mitigação

Ao jogar na atmosfera milhões de toneladas de gases do efeito estufa, as queimadas são uma contrabalança aos esforços do país em reduzir suas emissões. A diretora científica do Ipam ressalta que esses 31 milhões de toneladas nem sequer serão contabilizados no inventário de emissões de gases do efeito estufa. Isso porque apenas os incêndios relacionados ao desmatamento para transformação da cobertura do solo ou nas culturas de cana e algodão precisam ser calculados.

“É preciso que isso comece a ser levado em consideração, porque a pressão é muito grande sobre o ecossistema”, conclui o coordenador do Ivig.

¨      Seca coloca 60% do Brasil em risco de queimadas, alerta Marina Silva

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, alertou nesta terça-feira (17) que quase 60% do território brasileiro, o equivalente a cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados, está sob risco de incêndios devido à seca. 

“Num contexto como esse, se as pessoas não pararem de atear fogo, nós estamos diante de uma situação de uma área de quase 5 milhões de quilômetros quadrados com matéria orgânica muito seca e em processo de combustão muito fácil, em função da baixa umidade, da alta temperatura e da velocidade dos ventos”, disse em entrevista ao programa Bom Dia, Ministra, da EBC.

Ela também citou projetos em andamento no Congresso, como o do senador Fabiano Contarato, que classifica o manejo ilegal do fogo como crime hediondo. A ministra também mencionou que a Polícia Federal tem mais de 50 inquéritos abertos sobre incêndios no Brasil e que o governo busca suporte legal junto ao Supremo Tribunal Federal para acelerar as investigações.

 

Fonte: Por Alberto Acosta e Enrique Viale, em Correio da Cidadania/Brasil 247/Agencia Brasil

 

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