Abrindo ainda mais a porta para os direitos
da natureza
Quando algo novo surge
no horizonte, como são para muitas pessoas os Direitos da Natureza, o
desinteresse é seguido de zombaria. Pouco depois, à medida que essas ideias
inovadoras avançam, enquanto permanece uma ignorância bastante generalizada,
que normalmente é terreno fértil para alimentar os medos do desconhecido,
surgem ameaças e até ações repressivas violentas.
A possibilidade de que
algo além do ser humano possa ser pensado como sujeito de direitos constitui
uma “aberração”. Esse é um critério bastante generalizado em círculos sociais
considerados ilustrados. Além disso, muitos juristas renomados e personalidades
influentes veem grandes dificuldades na aplicação de uma jurisprudência que
reconheça a Natureza como sujeito de direitos.
Isso não é novo. Ao
longo da história, toda ampliação de direitos foi, no início, impensável.
Lembremos que, no início da colonização, os povos originários não apenas não
tinham direitos, mas afirmava-se até que careciam de alma. A emancipação dos
escravizados ou a extensão de direitos aos afro-americanos, às mulheres e às
crianças foi rejeitada em seu tempo por ser considerada absurda.
Bastaria lembrar que,
quando os escravizados foram libertados, não faltaram aqueles que reclamaram
pelas “perdas” sofridas por seus “proprietários”, cuja “liberdade” para
comercializá-los, utilizá-los e explorá-los foi irremediavelmente restringida.
Algo semelhante aconteceu quando se questionou o trabalho infantil — uma mão de
obra barata bem-vinda no nascente processo de industrialização — na Inglaterra
no início do século 19.
A polêmica foi grande.
“A proposta mina a liberdade de contratação e destrói os alicerces do livre
mercado”, proclamavam os ilustrados da época. Finalmente, conseguiu-se eliminar
esse tipo de trabalho quase escravo, ao menos legalmente, embora ainda esteja
presente em muitas cadeias de valor transnacionais.
No mundo em que ainda
vivemos, parece “normal” que as empresas desfrutem de direitos quase humanos.
Em países como os Estados Unidos, modelo de justiça universal para algumas
pessoas, a lei estendeu o âmbito dos direitos às corporações privadas no final do
século 19. Desde então, reconhecem-se às empresas direitos equiparáveis aos das
pessoas humanas: direito à vida, à livre expressão, à privacidade etc. Essa
realidade — distópica, a nosso ver — vigora de diversas formas no restante do
planeta. E ninguém se surpreende, pois trata-se de uma tradição de longa data.
Atualmente, muitas
dessas posições permanecem mais ou menos estagnadas, a tal ponto que esperar
que até mesmo cientistas ou juristas renomados entendam e aceitem esse tema é
como pedir-lhes que escapem de sua própria sombra. E é exatamente disso que tratam
os Direitos da Natureza: temos de fugir das sombras da Modernidade. Somente com
essa firme convicção poderemos superar as limitações que carregamos há centenas
de anos. E isso não é fácil, pois alterar essa verdade quase revelada, que
considera o ser humano uma espécie superior, e aceitar que a Natureza é sujeito
de direitos é uma tarefa grandiosa.
Esses novos direitos —
que, na verdade, são uma espécie de direitos originários — não constituem
simplesmente outro campo do direito cujo objetivo é assegurar um ambiente
saudável para os humanos; essa é a tarefa dos Direitos Humanos em sua faceta
ambiental. Os Direitos da Natureza são algo diferente, propõem uma mudança
radical. Embora, de início, se deva apontar que não se opõem aos Direitos
Humanos, pois não apenas se complementam, mas se potencializam mutuamente.
Se aceitamos a
totalidade de sua complexidade jurídica, esses Direitos da Natureza rompem com
as próprias bases da Modernidade, abrindo a porta para uma subversão epistêmica
em todos os âmbitos da vida humana, incluindo o econômico. Estamos diante de
uma espécie de GIRO COPERNICANO.
Assim, a partir desses
direitos, podemos prefigurar mudanças estruturais que, mais cedo ou mais tarde,
nos permitirão transitar para outros horizontes civilizatórios. Na verdade, não
haverá uma grande transformação se, simultaneamente, não houver mudanças na
própria humanidade.
Essas são algumas das
reflexões com as quais começamos este livro, que reúne propostas e reflexões de
vários grupos humanos e de muitas pessoas comprometidas com a construção de
outros mundos possíveis, em chave de PLURIVERSO: um mundo onde caibam outros
mundos — segundo a fórmula zapatista —, sem que nenhum deles seja vítima de
marginalização e/ou exploração, e onde todos os humanos e não humanos vivamos
com dignidade e em harmonia com a Natureza.
Nas palavras do grande
intelectual colombiano Arturo Escobar, precisamos de “mundos e saberes
construídos com base nos diferentes compromissos ontológicos, configurações
epistêmicas e práticas de ser, saber e fazer”.
¨ Vem aí a Cúpula do Futuro. Temos futuro? Por Tereza Cruvinel
Apesar da nota
negativa representada pelo fogaréu que tomou conta do Brasil nas últimas
semanas, o presidente Lula será um dos principais oradores da Cúpula do Futuro,
o evento de alto nível que a ONU realizará entre os dias 20 e 23, antes da
abertura da Assembleia Geral no dia 24, que, como sempre, será feita pelo
presidente brasileiro.
A Cúpula, que reunirá
dirigentes de mais de 190 países, vem sendo organizada há meses e, neste
momento, estão sendo negociados os termos de três acordos globais que serão
assinados: o Pacto para o Futuro, o Pacto Digital Global e a Declaração sobre
as Gerações Futuras.
Embora alguns países
venham ignorando as decisões da ONU, como Israel e os Estados Unidos com suas
ações imperialistas, o Pacto para o Futuro será firmado em um momento de grande
incerteza sobre o futuro do planeta e da humanidade. Diante do braseiro brasileiro,
que tem causas criminosas, mas também decorre do agravamento da crise
climática, vemos o professor Carlos Nobre, com sua autoridade científica,
confessar-se apavorado. Se medidas mais arrojadas não forem tomadas hoje pelo
conjunto das nações, diz ele, o ponto de não retorno chegará mais cedo, e boa
parte do mundo se tornará inabitável.
O que se busca com
este Pacto para o Futuro é obter dos diferentes países uma aceleração dos
compromissos já existentes, como os do Acordo de Paris e os da Agenda 2030.
Compromissos também serão firmados em relação a outras mazelas, como migrações,
fome, guerras e segurança, além de mudanças na governança global, como a tão
falada, mas nunca alcançada, reforma do Conselho de Segurança da ONU.
O acordo denominado
Pacto Digital Global tratará de inclusão e cooperação digital, e bem poderia
avançar sobre a questão que incomoda o mundo inteiro neste momento: o
desgoverno das Big Techs, com suas redes que naturalizam a mentira e ameaçam as
democracias. Mas isso talvez seja esperar muito de um primeiro acordo global
sobre o tema.
A Declaração sobre as
Gerações Futuras talvez seja o primeiro documento multilateral a enfrentar a
pergunta que deveria incomodar nossa consciência moral coletiva: que mundo
estamos deixando para nossos filhos e netos, para as gerações que vão herdar o
planeta e responder pela sobrevivência do que conhecemos como humanidade? Ainda
que os compromissos firmados sejam insuficientes, a assinatura de uma
declaração conjunta sobre este tema já é um avanço. Ou melhor, um começo.
As negociações para a
elaboração dos três documentos estão em curso entre as diplomacias dos
diferentes países e algumas estão, como sempre, opondo os países ricos aos
países emergentes.
No texto do Pacto para
o Futuro, por exemplo, os ricos querem tratar da crise climática como um
problema de segurança, na medida em que ela provoca migrações, fome,
desabastecimento e, em último caso, guerras e conflitos.
Os emergentes
insurgiram-se contra este tratamento da questão, que deixa em segundo plano a
responsabilidade dos ricos que, historicamente, contribuíram mais, com as
práticas de seu modelo capitalista, para as emissões de gases de efeito estufa
e para outros desequilíbrios ambientais que nos trouxeram ao atual momento
climático.
Deslocar o problema,
na visão do Brasil e de outros emergentes, para o campo da segurança poderá
resultar no descompromisso dos ricos com o financiamento das medidas de
mitigação. Os poucos compromissos que eles já assumiram, como é sabido, até
aqui não foram cumpridos integralmente, o que tem sido criticado por Lula em
todos os fóruns internacionais. Brasil e aliados haviam conseguido alterar o
texto, mas nas últimas horas tudo voltou ao ponto inicial.
Quase todos os países
estão atrasados no cumprimento das metas da Agenda 2030, aquele conjunto de 17
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, os ODS. No que trata do desmatamento,
por exemplo, o Brasil voluntariamente atualizou sua meta, por iniciativa de
Lula, prometendo desmatamento zero até 2030. O que se busca com o Pacto para o
Futuro é acelerar o cumprimento das metas já fixadas e a adoção de algumas mais
ambiciosas.
O desmatamento da
Amazônia de fato recuou no atual governo, mas, por outro lado, os incêndios
tomaram conta do país desde agosto, a fumaça cobre boa parte do território
nacional e o calor está insuportável. Até o dia 12, havia 50 mil focos de
incêndio ativos no país. Neste final de semana, houve um recuo de 15%. Há
incêndios que são criminosos, mas o governo não pode reduzir o problema apenas
a essa denúncia. Na próxima semana, será lançado o Plano Nacional contra
Incêndios, e isso indica a inexistência de uma política preventiva, que não foi
elaborada pelo atual governo nem pelos anteriores.
Apesar do fogaréu por
aqui, Lula não chegará à cúpula na defensiva. Falará da catástrofe no Rio
Grande do Sul e do quanto o país já gastou e está gastando para reconstruir o
estado, cobrando assim a colaboração efetiva dos países ricos para com os danos
impostos aos mais pobres pela crise climática. Mostrará os ganhos no combate ao
desmatamento e falará da criação da Autoridade Nacional Climática. Não se sabe
ainda como tratará a questão dos incêndios, que não poderá ser debitada apenas
aos criminosos que agem por motivação política.
¨ Emissão de gases do efeito estufa por queimadas na Amazônia
cresce 60%
As queimadas na Amazônia,
de junho a agosto deste ano, resultaram em uma emissão de gases do efeito
estufa 60% maior do que a observada no mesmo período do ano passado. De acordo
com pesquisa divulgada pelo Observatório do Clima, os incêndios na região
emitiram 31,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO²) equivalente na
atmosfera.
O valor, segundo o
Observatório do Clima, se aproxima do total emitido pela Noruega em um ano
(32,5 milhões de toneladas).
Ane Alencar, diretora
científica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), que fez o
cálculo das emissões que consta no levantamento do Observatório do Clima,
destaca que os dados ainda não consideram as queimadas ocorridas em setembro.
“O pior, infelizmente, está acontecendo agora, em setembro”, afirma.
Dos 2,4 milhões de
hectares incendiados no período de junho a agosto, segundo o Observatório do
Clima, 700 mil correspondiam a florestas, cuja queima emitiu 12,7 milhões de
toneladas de CO² equivalente.
De acordo com o
levantamento, mesmo depois da extinção dos incêndios, as emissões seguirão por
alguns anos, devido à decomposição da matéria orgânica queimada, a chamada
emissão tardia.
Estima-se que na
próxima década, a vegetação destruída por esses incêndios emitirá mais 2 a 4
milhões de toneladas de CO² equivalente.
Além das emissões
tardias, os incêndios também fragilizam as florestas e propiciam incêndios
ainda mais intensos em anos seguintes.
“Quando a floresta
queima a primeira vez, ela fica mais suscetível a outros incêndios. As árvores
perdem as folhas, caem, quebram outras árvores. Com isso, passa a ter mais
material combustível no chão. Além disso o ar quente entra mais na floresta.
Enfim, ela fica mais inflamável. Quando o segundo fogo vem, ele é mais intenso
e vai emitir bem mais [gases do efeito estufa]”, eplica Ane.
Segundo Marcos
Freitas, coordenador do Instituto Virtual de Mudanças Globais (Ivig), vinculado
ao Instituto de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (Coppe/UFRJ), as queimadas na Amazônia provocam mais emissões por causa
de uma maior concentração de biomassa por área.
“Os outros
ecossistemas, como o Cerrado, acabam tendo menos biomassa por hectare e,
portanto, menos CO². Na Amazônia, a gente trabalha com 250 a 300 toneladas de
carbono por hectare”, diz. “Outros colegas estão muito preocupados de a gente
ultrapassar os 20% [de desmatamento, em relação ao total da área original] da
floresta [amazônica] e você ter uma perda de evapotranspiração muito elevada, e
isso provocar um aumento da seca”, afirma.
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Efeito estufa
Os gases do efeito
estufa são aqueles que têm a capacidade de aprisionar o calor do sol na
atmosfera terrestre. A unidade de medida usada para as emissões chama-se CO²
equivalente porque o dióxido de carbono não é o único desses gases. Outros,
como o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O), têm capacidades ainda maiores de
aprisionamento de calor, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas (IPCC).
Uma tonelada de metano
na atmosfera, por exemplo, equivale a mais de 20 toneladas de CO², em termos de
retenção de calor num período de 100 anos, ou seja, mais de 20 toneladas de CO²
equivalente. No caso de uma tonelada de óxido nitroso, a equivalência chega a
quase 300 toneladas de dióxido de carbono em 100 anos.
A atmosfera é
constituída principalmente por nitrogênio (N2) e oxigênio (O2), que respondem
por mais de 99% da composição do ar, mas que não têm capacidade de retenção de
calor.
Por outro lado, mesmo
respondendo por menos de 0,1% da composição da atmosfera, os gases do efeito
estufa são capazes, junto com o vapor d’água, de regular a temperatura
terrestre, elevando-a quando sua concentração sobe ou reduzindo-a quando sua
participação na composição atmosférica diminui.
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Mitigação
Ao jogar na atmosfera
milhões de toneladas de gases do efeito estufa, as queimadas são uma
contrabalança aos esforços do país em reduzir suas emissões. A diretora
científica do Ipam ressalta que esses 31 milhões de toneladas nem sequer serão
contabilizados no inventário de emissões de gases do efeito estufa. Isso porque
apenas os incêndios relacionados ao desmatamento para transformação da
cobertura do solo ou nas culturas de cana e algodão precisam ser calculados.
“É preciso que isso
comece a ser levado em consideração, porque a pressão é muito grande sobre o
ecossistema”, conclui o coordenador do Ivig.
¨
Seca coloca 60% do
Brasil em risco de queimadas, alerta Marina Silva
A ministra do Meio
Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, alertou nesta terça-feira (17) que
quase 60% do território brasileiro, o equivalente a cerca de 5 milhões de
quilômetros quadrados, está sob risco de incêndios devido à seca.
“Num contexto como
esse, se as pessoas não pararem de atear fogo, nós estamos diante de uma
situação de uma área de quase 5 milhões de quilômetros quadrados com matéria
orgânica muito seca e em processo de combustão muito fácil, em função da baixa
umidade, da alta temperatura e da velocidade dos ventos”, disse em entrevista
ao programa Bom Dia, Ministra, da EBC.
Ela também citou
projetos em andamento no Congresso, como o do senador Fabiano Contarato, que
classifica o manejo ilegal do fogo como crime hediondo. A ministra também
mencionou que a Polícia Federal tem mais de 50 inquéritos abertos sobre
incêndios no Brasil e que o governo busca suporte legal junto ao Supremo
Tribunal Federal para acelerar as investigações.
Fonte: Por Alberto
Acosta e Enrique Viale, em Correio da Cidadania/Brasil 247/Agencia Brasil
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