quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Enquanto EUA cortam juros, BC aumenta por aqui:  como isso afeta o Brasil?

O banco central dos Estados Unidos surpreendeu os mercados nesta quarta-feira (18/9), ao baixar as taxas de juros além do esperado, no primeiro corte de juros no país em mais de quatro anos.

O Federal Reserve (Fed) anunciou uma redução de 0,5 ponto percentual para sua taxa principal, que estava no intervalo de 5,25% a 5,50% desde julho de 2023, para faixa de 4,75%-5%.

A redução ocorre em meio à preocupação crescente com o aumento das taxas de desemprego nos EUA.

Taxas de juros mais baixas trarão alívio aos tomadores de empréstimos nos EUA, que têm enfrentado dificuldades em meio a juros nos níveis mais altos em mais de duas décadas.

O corte foi maior do que muitos analistas previam, e a autoridade monetária americana sinalizou que novos cortes devem ocorrer antes do final do ano.

O Fed aumentou as taxas de juros drasticamente em 2022, com o objetivo de esfriar a economia e estabilizar os preços, que estavam subindo ao ritmo mais rápido desde a década de 1980.

No Brasil, o Comitê de Política Monetária (Copom) anuncia ainda hoje se vai elevar a taxa básica de juros, na contramão do Fed americano, em meio à preocupação com a inflação, diante de uma economia local aquecida.

•        Por que a 'superquarta' importa

O mercado financeiro brasileiro se preparou para uma "superquarta" — como são conhecidas no Brasil as datas em que os bancos centrais do Brasil e dos Estados Unidos tomam no mesmo dia sua decisão sobre a taxa básica de juros de suas respectivas economias.

As superquartas têm potencial de provocar grandes mudanças nos mercados e na economia como um todo, já que a taxa de juros básica é o principal fator para determinar o custo do dinheiro — ou seja, quanto os bancos cobram para conceder empréstimos a pessoas e negócios.

Juros altos encarecem o custo do dinheiro, o que pode reduzir o nível de atividade econômica por um lado, mas conter as altas dos preços por outro.

Com juros mais altos, consumidores precisam pagar mais para financiar casas, carros ou comprar no cartão de crédito. Empresas precisam pagar mais caro para tomarem empréstimos e investirem em suas operações — o que reduz a contratação, por exemplo. A redução na demanda por produtos e serviços faz com que os preços caiam — se a oferta se manter igual.

Já os juros em patamares mais baixos podem estimular a economia, ao fazer com que empresas invistam mais e ao estimular o consumo. Com empréstimos mais baratos no banco, todos passam a comprar e investir mais. E o aumento na demanda por produtos e serviços faz preços subirem.

Mas esse aquecimento também pode levar a aumento generalizado de preços, elevando o custo de vida e reduzindo o poder de compra da população.

O objetivo dos bancos centrais é usar seu poder de decisão sobre os juros (a chamada política monetária) para fazer com que a inflação fique dentro da meta, ao mesmo tempo em que se mantém o índice de desemprego baixo.

Os colegiados dos bancos centrais que decidem sobre os juros — o Copom no Brasil e o Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) nos Estados Unidos — têm a difícil tarefa de acertar este nível "ótimo" da taxa: um patamar em que a inflação seja contida, mas sem provocar recessão e desemprego.

Se a taxa for elevada demais, a redução na atividade econômica pode ser brusca a ponto de causar recessão. Algumas empresas endividadas podem quebrar por causa dos juros mais altos.

Esta "superquarta" vinha provocando um temor especial no mercado, sobretudo por causa da decisão dos Estados Unidos.

Foi a primeira vez que o país cortou seus juros em mais de quatro anos.

A decisão está sendo observada no mundo todo — e também no Brasil, onde a taxa de juros americano pode ter grande impacto nos rumos da economia nacional.

•        A decisão dos EUA

A decisão que o Federal Reserve (Fed), o Banco Central americano, tomou nesta quarta-feira tem impacto não só no Brasil, mas em todo o mundo, dado o peso da economia americana e do dólar em toda economia global.

Os Estados Unidos são os maiores importadores de mercadorias, e a moeda americana é amplamente usada como reserva de valor e meio de pagamento.

Mas a decisão desta semana é particularmente importante por ser a primeira vez que os Estados Unidos cortaram seus juros desde março de 2020. Em março de 2022, o Federal Reserve deu início a um ciclo de alta.

Durante os anos da pandemia, o juro americano esteve em uma banda entre 0% e 0,25%, o que refletia as necessidades daquela época.

As empresas estavam fechadas, os trabalhadores estavam em casa (desempregados ou trabalhando em home office), e os consumidores não estavam gastando.

Ou seja, a economia precisava de estímulos para crescer, e juros baixos eram um dos mecanismos para fazer isso.

Mas, a partir de março de 2022, com a pandemia chegando ao fim, a situação começou a se reverter.

Empresas voltaram a contratar e consumidores passaram a gastar. Esse aquecimento da economia — que foi acompanhado por problemas nas cadeias globais de produção e pela guerra na Ucrânia, que afetou preços de energia e comida — levou a uma inflação forte nos Estados Unidos.

Por mais de um ano, os juros americanos só subiram, partindo da banda de 0% a 0,25% até chegar a 5,25% a 5,50% em julho do ano passado.

•        A encruzilhada americana

A tarefa do Fed era considerada especialmente difícil nesta semana, porque o banco precisa acertar o nível certo do corte de juros — diante de um dos cenários avaliado como um mais desafiadores das últimas décadas.

O presidente do banco, Jerome Powell, precisaria fazer o que analistas chamam de "pouso suave" da economia — ou seja, depois de anos de intensas turbulências por causa da pandemia e da guerra, fazer com que os Estados Unidos controlem a inflação, mas sem passar por um período de recessão e desemprego.

"Conseguir isso foi o que fez Alan Greenspan [ex-presidente do Fed nos anos 1990 e 2000] um deus no mercado, mas aquilo foi fácil comparado com o desafio de agora", disse o ex-vice-presidente do Federal Reserve, Alan Blinder, ao jornal Financial Times.

"Se Powell conseguir o 'pouso suave', ele vai entrar para o hall da fama do Banco Central Americano."

Analistas de mercado estavam divididos sobre qual seria a magnitude do corte, com apostas variando entre 0,25 ponto percentual ou 0,50 ponto percentual.

O Fed precisava analisar dois componentes para tomar esta decisão, segundo economistas: o desemprego e a inflação.

A opção de um corte de 0,50 é considerada mais agressiva, porque, com empréstimos mais baratos, o estímulo à atividade econômica seria maior, mas com o risco de a inflação americana demorar mais tempo para cair.

"Isso é um evento que vai afetar o mundo todo. Uma sinalização de desaceleração na maior economia do mundo", diz Lívio Ribeiro, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV),

•        O impacto no Brasil

A decisão sobre a taxa de juros americana é feita a partir de questões internas da economia dos Estados Unidos sobre como lidar com inflação e crescimento econômico.

Mas tem repercussão no mundo todo e também no Brasil, porque os Estados Unidos são a maior economia do mundo, e esta taxa é um fator que determina a capacidade do país de atrair investimentos, explica Rogerio Paulucci Mauad, professor de Finanças da faculdade Fipecafi.

"Quando os juros americanos sobem — e vivemos um período de alta para combater a inflação —, fica mais interessante investir nos Estados Unidos e em dólar, recebendo essa taxa de juros em dólar", pontua Mauad.

"O Treasury Bond de 10 anos e de 30 anos, que são os títulos de renda fixa mais negociados no mundo, atraem investidores do mundo inteiro."

Investidores estão sempre procurando retorno alto para seu capital. Quando os juros americanos estão baixos, muitos colocam seu dinheiro em economias de maior risco — em países como o Brasil, onde os juros praticados são mais altos, mas há sempre a possibilidade de a moeda se desvalorizar bruscamente, aniquilando ganhos.

Já com juros americanos altos, isso abre oportunidades de se investir em renda fixa em dólar. Ou seja: obter bons retornos em uma moeda forte, com relativamente baixo risco.

A queda dos juros americanos neste momento pode provocar um grande fluxo de dinheiro para mercados emergentes.

"Quando os juros americanos ficam mais baixos, os investidores vendem [seus títulos da dívida americana] e os recursos pode podem fluir para outros países do mundo, principalmente para emergentes, como o Brasil, em busca de retornos maior."

Não são apenas moedas de países emergentes que se fortalecem. Parte do dinheiro que sai dos títulos da dívida americana (renda fixa) vai para ações nas bolsas de Valores (renda variável).

Isso explica por que a atividade de bolsas no mundo todo já vem crescendo desde o começo do ano — com investidores antecipando que a taxa de juros americana começaria a cair.

Para Mauad, a queda dos juros nos Estados Unidos pode ter outro efeito positivo para a economia brasileira.

"À medida que o Federal Reserve vai cortando juros lá, o Banco Central aqui encontra um pouco de espaço para cortar os juros também. E isso pode favorecer a nossa economia real", afirma Mauad.

"Se os juros estão mais baixos no Brasil, cai também o custo de captação de recursos das empresas, e isso torna mais atraente o investimento em setores produtivos da economia e não apenas no mercado financeiro."

Mas Ribeiro alerta que, apesar de haver em tese uma relação entre os juros americanos e a cotação do dólar no Brasil, na prática esses efeitos nem sempre existem.

Ele lembra que, no último ciclo, a taxa de juros brasileira subiu mais do que a americana.

Em teoria, isso significaria que o real ficaria mais atraente do que o dólar — o que deveria provocar uma queda na cotação da moeda americana no Brasil. Mas o que se viu no período foi o oposto: o real se desvalorizou.

•        Juro brasileiro subindo

Livio Ribeiro vê na decisão do Federal Reserve desta quarta-feira outro impacto importante para a economia brasileira.

Segundo ele, o tamanho do corte americano influencia o debate sobre os rumos dos juros no Brasil.

A exemplo do que fizeram os Estados Unidos e outros países do mundo após a pandemia, o Brasil também subiu bastante sua taxa de juros para lidar com o forte aumento da inflação — atingindo 13,65%.

Mas, em setembro do ano passado, um ano antes dos Estados Unidos, o Brasil iniciou um ciclo de cortes de seus juros — sinalizando que a inflação estava sob controle no país e se encaminhando para a meta.

No entanto, esse ciclo foi interrompido em junho, quando o Copom decidiu manter a taxa em 10,50%.

Na superquarta desta semana, a expectativa no mercado é de que o Brasil irá na contramão dos Estados Unidos e voltará a subir seus juros — a aposta de grande parte dos analistas é que o aumento será de 0,25 ponto percentual.

O alerta foi aceso, porque há sinais de que a economia brasileira está crescendo mais rápido do que se acreditava. A notícia pode parecer boa, mas ela traz um risco de volta da inflação.

"A economia brasileira está rodando em um ritmo mais forte do que a gente imaginava. No primeiro semestre desse ano, especificamente no segundo trimestre, houve um desempenho do PIB [Produto Interno Bruto] muito acima do esperado. Isso é um sinal de uma economia que está andando acima das suas possibilidades", diz Mauad.

O risco, segundo Mauad, é de o crescimento do PIB provocar uma inflação de demanda no Brasil.

"Isto é: as pessoas compram, compram; o governo gasta, gasta. O lado da demanda sobe e o lado da oferta de bens e serviços não acompanha na mesma velocidade", explica Mauad.

"A economia fica muito aquecida, e começam a faltar produtos. E o ajuste se faz no preço para cima dos bens e serviços, gerando inflação. Para combater esse tipo de inflação, o Banco Central tem que subir as taxas de juros para dar uma desaquecida na demanda."

Assim como acontece nos Estados Unidos, existe um debate entre economistas e no Brasil sobre o que deve ser feito a respeito da taxa de juros.

No caso do Brasil, analistas dizem que a opção discutida pelo Banco Central é entre subir os juros ou mantê-los no mesmo patamar.

Deve-se aumentar a taxa para conter sinais de uma inflação que pode estar acelerando?

Ou seguir no mesmo patamar, aproveitando-se que o corte nos juros americanos pode ter uma repercussão no Brasil.

"Existe gente dizendo: 'Olhem, os Estados Unidos estão cortando lá fora. Existe uma tendência diferente'. Será que o Brasil vai conseguir se manter em uma frequência distinta da americana por muito tempo? Esse é um debate que vai começar a permear a discussão de política monetária brasileira", diz Livio Ribeiro.

Ribeiro acredita que, com corte dos juros americanos na ordem de 0,50 ponto percentual, isso pode colocar pressão nas reuniões futuras do Copom para que não haja uma nova elevação da taxa no Brasil.

Economistas e analistas de mercado acreditam que um novo ciclo de alta dos juros brasileiros, se confirmado, pode ser curto — chegando a 11,5% até o final do ano — com possibilidade de voltar a cair no ano que vem.

 

•        BC aumenta juros pela primeira vez no governo Lula

O Comitê de Política Monetária (Copom) anunciou nesta quarta-feira (18) o aumento da taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual. A Selic subiu para 10,75%. Foi o primeiro aumento de juros desde agosto de 2022 e o primeiro deste mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O mercado esperam que taxa continue subindo até atingir 11,50% ao ano em janeiro. De acordo com estimativas de analistas, a partir de julho do ano que vem, a taxa começará a recuar, terminando 2025 em 10,50% ao ano.

Leia abaixo a íntegra do comunicado do Copom:

O ambiente externo permanece desafiador, em função do momento de inflexão do ciclo econômico nos Estados Unidos, o que suscita maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração, da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed. Os bancos centrais das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário externo, também marcado por menor sincronia nos ciclos de política monetária entre os países, segue exigindo cautela por parte de países emergentes.

Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado dinamismo maior do que o esperado, o que levou a uma reavaliação do hiato para o campo positivo. A inflação medida pelo IPCA cheio assim como medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.

As expectativas de inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 4,4% e 4,0%, respectivamente. A projeção de inflação do Copom para o primeiro trimestre de 2026, atual horizonte relevante de política monetária, situa-se em 3,5% no cenário de referência.

O Comitê avalia que há uma assimetria altista em seu balanço de riscos para os cenários prospectivos para a inflação. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado; (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado; e (iii) uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sobre a desinflação global se mostrarem mais fortes do que o esperado.

O Comitê monitora com atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a política monetária e os ativos financeiros. A percepção dos agentes econômicos sobre o cenário fiscal, junto com outros fatores, tem impactado os preços de ativos e as expectativas dos agentes. O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.

O cenário, marcado por resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas, demanda uma política monetária mais contracionista. Considerando a evolução do processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, para 10,75% a.a., e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante. Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.

O ritmo de ajustes futuros na taxa de juros e a magnitude total do ciclo ora iniciado serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerão da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos.

Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Ailton de Aquino Santos, Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Gabriel Muricca Galípolo, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Picchetti, Renato Dias de Brito Gomes e Rodrigo Alves Teixeira.

 

Fonte: BBC News Brasil/Brasil 247

 

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