Enquanto EUA cortam juros, BC aumenta por
aqui: como isso afeta o Brasil?
O banco central dos
Estados Unidos surpreendeu os mercados nesta quarta-feira (18/9), ao baixar as
taxas de juros além do esperado, no primeiro corte de juros no país em mais de
quatro anos.
O Federal Reserve
(Fed) anunciou uma redução de 0,5 ponto percentual para sua taxa principal, que
estava no intervalo de 5,25% a 5,50% desde julho de 2023, para faixa de
4,75%-5%.
A redução ocorre em
meio à preocupação crescente com o aumento das taxas de desemprego nos EUA.
Taxas de juros mais
baixas trarão alívio aos tomadores de empréstimos nos EUA, que têm enfrentado
dificuldades em meio a juros nos níveis mais altos em mais de duas décadas.
O corte foi maior do
que muitos analistas previam, e a autoridade monetária americana sinalizou que
novos cortes devem ocorrer antes do final do ano.
O Fed aumentou as
taxas de juros drasticamente em 2022, com o objetivo de esfriar a economia e
estabilizar os preços, que estavam subindo ao ritmo mais rápido desde a década
de 1980.
No Brasil, o Comitê de
Política Monetária (Copom) anuncia ainda hoje se vai elevar a taxa básica de
juros, na contramão do Fed americano, em meio à preocupação com a inflação,
diante de uma economia local aquecida.
• Por que a 'superquarta' importa
O mercado financeiro
brasileiro se preparou para uma "superquarta" — como são conhecidas
no Brasil as datas em que os bancos centrais do Brasil e dos Estados Unidos
tomam no mesmo dia sua decisão sobre a taxa básica de juros de suas respectivas
economias.
As superquartas têm
potencial de provocar grandes mudanças nos mercados e na economia como um todo,
já que a taxa de juros básica é o principal fator para determinar o custo do
dinheiro — ou seja, quanto os bancos cobram para conceder empréstimos a pessoas
e negócios.
Juros altos encarecem
o custo do dinheiro, o que pode reduzir o nível de atividade econômica por um
lado, mas conter as altas dos preços por outro.
Com juros mais altos,
consumidores precisam pagar mais para financiar casas, carros ou comprar no
cartão de crédito. Empresas precisam pagar mais caro para tomarem empréstimos e
investirem em suas operações — o que reduz a contratação, por exemplo. A redução
na demanda por produtos e serviços faz com que os preços caiam — se a oferta se
manter igual.
Já os juros em
patamares mais baixos podem estimular a economia, ao fazer com que empresas
invistam mais e ao estimular o consumo. Com empréstimos mais baratos no banco,
todos passam a comprar e investir mais. E o aumento na demanda por produtos e
serviços faz preços subirem.
Mas esse aquecimento
também pode levar a aumento generalizado de preços, elevando o custo de vida e
reduzindo o poder de compra da população.
O objetivo dos bancos
centrais é usar seu poder de decisão sobre os juros (a chamada política
monetária) para fazer com que a inflação fique dentro da meta, ao mesmo tempo
em que se mantém o índice de desemprego baixo.
Os colegiados dos
bancos centrais que decidem sobre os juros — o Copom no Brasil e o Comitê
Federal de Mercado Aberto (FOMC) nos Estados Unidos — têm a difícil tarefa de
acertar este nível "ótimo" da taxa: um patamar em que a inflação seja
contida, mas sem provocar recessão e desemprego.
Se a taxa for elevada
demais, a redução na atividade econômica pode ser brusca a ponto de causar
recessão. Algumas empresas endividadas podem quebrar por causa dos juros mais
altos.
Esta
"superquarta" vinha provocando um temor especial no mercado,
sobretudo por causa da decisão dos Estados Unidos.
Foi a primeira vez que
o país cortou seus juros em mais de quatro anos.
A decisão está sendo
observada no mundo todo — e também no Brasil, onde a taxa de juros americano
pode ter grande impacto nos rumos da economia nacional.
• A decisão dos EUA
A decisão que o
Federal Reserve (Fed), o Banco Central americano, tomou nesta quarta-feira tem
impacto não só no Brasil, mas em todo o mundo, dado o peso da economia
americana e do dólar em toda economia global.
Os Estados Unidos são
os maiores importadores de mercadorias, e a moeda americana é amplamente usada
como reserva de valor e meio de pagamento.
Mas a decisão desta
semana é particularmente importante por ser a primeira vez que os Estados
Unidos cortaram seus juros desde março de 2020. Em março de 2022, o Federal
Reserve deu início a um ciclo de alta.
Durante os anos da
pandemia, o juro americano esteve em uma banda entre 0% e 0,25%, o que refletia
as necessidades daquela época.
As empresas estavam
fechadas, os trabalhadores estavam em casa (desempregados ou trabalhando em
home office), e os consumidores não estavam gastando.
Ou seja, a economia
precisava de estímulos para crescer, e juros baixos eram um dos mecanismos para
fazer isso.
Mas, a partir de março
de 2022, com a pandemia chegando ao fim, a situação começou a se reverter.
Empresas voltaram a
contratar e consumidores passaram a gastar. Esse aquecimento da economia — que
foi acompanhado por problemas nas cadeias globais de produção e pela guerra na
Ucrânia, que afetou preços de energia e comida — levou a uma inflação forte nos
Estados Unidos.
Por mais de um ano, os
juros americanos só subiram, partindo da banda de 0% a 0,25% até chegar a 5,25%
a 5,50% em julho do ano passado.
• A encruzilhada americana
A tarefa do Fed era
considerada especialmente difícil nesta semana, porque o banco precisa acertar
o nível certo do corte de juros — diante de um dos cenários avaliado como um
mais desafiadores das últimas décadas.
O presidente do banco,
Jerome Powell, precisaria fazer o que analistas chamam de "pouso
suave" da economia — ou seja, depois de anos de intensas turbulências por
causa da pandemia e da guerra, fazer com que os Estados Unidos controlem a
inflação, mas sem passar por um período de recessão e desemprego.
"Conseguir isso
foi o que fez Alan Greenspan [ex-presidente do Fed nos anos 1990 e 2000] um
deus no mercado, mas aquilo foi fácil comparado com o desafio de agora",
disse o ex-vice-presidente do Federal Reserve, Alan Blinder, ao jornal Financial
Times.
"Se Powell
conseguir o 'pouso suave', ele vai entrar para o hall da fama do Banco Central
Americano."
Analistas de mercado
estavam divididos sobre qual seria a magnitude do corte, com apostas variando
entre 0,25 ponto percentual ou 0,50 ponto percentual.
O Fed precisava
analisar dois componentes para tomar esta decisão, segundo economistas: o
desemprego e a inflação.
A opção de um corte de
0,50 é considerada mais agressiva, porque, com empréstimos mais baratos, o
estímulo à atividade econômica seria maior, mas com o risco de a inflação
americana demorar mais tempo para cair.
"Isso é um evento
que vai afetar o mundo todo. Uma sinalização de desaceleração na maior economia
do mundo", diz Lívio Ribeiro, pesquisador associado do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV),
• O impacto no Brasil
A decisão sobre a taxa
de juros americana é feita a partir de questões internas da economia dos
Estados Unidos sobre como lidar com inflação e crescimento econômico.
Mas tem repercussão no
mundo todo e também no Brasil, porque os Estados Unidos são a maior economia do
mundo, e esta taxa é um fator que determina a capacidade do país de atrair
investimentos, explica Rogerio Paulucci Mauad, professor de Finanças da faculdade
Fipecafi.
"Quando os juros
americanos sobem — e vivemos um período de alta para combater a inflação —,
fica mais interessante investir nos Estados Unidos e em dólar, recebendo essa
taxa de juros em dólar", pontua Mauad.
"O Treasury Bond
de 10 anos e de 30 anos, que são os títulos de renda fixa mais negociados no
mundo, atraem investidores do mundo inteiro."
Investidores estão
sempre procurando retorno alto para seu capital. Quando os juros americanos
estão baixos, muitos colocam seu dinheiro em economias de maior risco — em
países como o Brasil, onde os juros praticados são mais altos, mas há sempre a
possibilidade de a moeda se desvalorizar bruscamente, aniquilando ganhos.
Já com juros
americanos altos, isso abre oportunidades de se investir em renda fixa em
dólar. Ou seja: obter bons retornos em uma moeda forte, com relativamente baixo
risco.
A queda dos juros
americanos neste momento pode provocar um grande fluxo de dinheiro para
mercados emergentes.
"Quando os juros
americanos ficam mais baixos, os investidores vendem [seus títulos da dívida
americana] e os recursos pode podem fluir para outros países do mundo,
principalmente para emergentes, como o Brasil, em busca de retornos
maior."
Não são apenas moedas
de países emergentes que se fortalecem. Parte do dinheiro que sai dos títulos
da dívida americana (renda fixa) vai para ações nas bolsas de Valores (renda
variável).
Isso explica por que a
atividade de bolsas no mundo todo já vem crescendo desde o começo do ano — com
investidores antecipando que a taxa de juros americana começaria a cair.
Para Mauad, a queda
dos juros nos Estados Unidos pode ter outro efeito positivo para a economia
brasileira.
"À medida que o
Federal Reserve vai cortando juros lá, o Banco Central aqui encontra um pouco
de espaço para cortar os juros também. E isso pode favorecer a nossa economia
real", afirma Mauad.
"Se os juros
estão mais baixos no Brasil, cai também o custo de captação de recursos das
empresas, e isso torna mais atraente o investimento em setores produtivos da
economia e não apenas no mercado financeiro."
Mas Ribeiro alerta
que, apesar de haver em tese uma relação entre os juros americanos e a cotação
do dólar no Brasil, na prática esses efeitos nem sempre existem.
Ele lembra que, no
último ciclo, a taxa de juros brasileira subiu mais do que a americana.
Em teoria, isso
significaria que o real ficaria mais atraente do que o dólar — o que deveria
provocar uma queda na cotação da moeda americana no Brasil. Mas o que se viu no
período foi o oposto: o real se desvalorizou.
• Juro brasileiro subindo
Livio Ribeiro vê na
decisão do Federal Reserve desta quarta-feira outro impacto importante para a
economia brasileira.
Segundo ele, o tamanho
do corte americano influencia o debate sobre os rumos dos juros no Brasil.
A exemplo do que
fizeram os Estados Unidos e outros países do mundo após a pandemia, o Brasil
também subiu bastante sua taxa de juros para lidar com o forte aumento da
inflação — atingindo 13,65%.
Mas, em setembro do
ano passado, um ano antes dos Estados Unidos, o Brasil iniciou um ciclo de
cortes de seus juros — sinalizando que a inflação estava sob controle no país e
se encaminhando para a meta.
No entanto, esse ciclo
foi interrompido em junho, quando o Copom decidiu manter a taxa em 10,50%.
Na superquarta desta
semana, a expectativa no mercado é de que o Brasil irá na contramão dos Estados
Unidos e voltará a subir seus juros — a aposta de grande parte dos analistas é
que o aumento será de 0,25 ponto percentual.
O alerta foi aceso,
porque há sinais de que a economia brasileira está crescendo mais rápido do que
se acreditava. A notícia pode parecer boa, mas ela traz um risco de volta da
inflação.
"A economia
brasileira está rodando em um ritmo mais forte do que a gente imaginava. No
primeiro semestre desse ano, especificamente no segundo trimestre, houve um
desempenho do PIB [Produto Interno Bruto] muito acima do esperado. Isso é um
sinal de uma economia que está andando acima das suas possibilidades", diz
Mauad.
O risco, segundo
Mauad, é de o crescimento do PIB provocar uma inflação de demanda no Brasil.
"Isto é: as
pessoas compram, compram; o governo gasta, gasta. O lado da demanda sobe e o
lado da oferta de bens e serviços não acompanha na mesma velocidade",
explica Mauad.
"A economia fica
muito aquecida, e começam a faltar produtos. E o ajuste se faz no preço para
cima dos bens e serviços, gerando inflação. Para combater esse tipo de
inflação, o Banco Central tem que subir as taxas de juros para dar uma
desaquecida na demanda."
Assim como acontece
nos Estados Unidos, existe um debate entre economistas e no Brasil sobre o que
deve ser feito a respeito da taxa de juros.
No caso do Brasil,
analistas dizem que a opção discutida pelo Banco Central é entre subir os juros
ou mantê-los no mesmo patamar.
Deve-se aumentar a
taxa para conter sinais de uma inflação que pode estar acelerando?
Ou seguir no mesmo
patamar, aproveitando-se que o corte nos juros americanos pode ter uma
repercussão no Brasil.
"Existe gente
dizendo: 'Olhem, os Estados Unidos estão cortando lá fora. Existe uma tendência
diferente'. Será que o Brasil vai conseguir se manter em uma frequência
distinta da americana por muito tempo? Esse é um debate que vai começar a
permear a discussão de política monetária brasileira", diz Livio Ribeiro.
Ribeiro acredita que,
com corte dos juros americanos na ordem de 0,50 ponto percentual, isso pode
colocar pressão nas reuniões futuras do Copom para que não haja uma nova
elevação da taxa no Brasil.
Economistas e
analistas de mercado acreditam que um novo ciclo de alta dos juros brasileiros,
se confirmado, pode ser curto — chegando a 11,5% até o final do ano — com
possibilidade de voltar a cair no ano que vem.
• BC aumenta juros pela primeira vez no
governo Lula
O Comitê de Política
Monetária (Copom) anunciou nesta quarta-feira (18) o aumento da taxa básica de
juros em 0,25 ponto percentual. A Selic subiu para 10,75%. Foi o primeiro
aumento de juros desde agosto de 2022 e o primeiro deste mandato do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva.
O mercado esperam que
taxa continue subindo até atingir 11,50% ao ano em janeiro. De acordo com
estimativas de analistas, a partir de julho do ano que vem, a taxa começará a
recuar, terminando 2025 em 10,50% ao ano.
Leia abaixo a íntegra
do comunicado do Copom:
O ambiente externo
permanece desafiador, em função do momento de inflexão do ciclo econômico nos
Estados Unidos, o que suscita maiores dúvidas sobre os ritmos da desaceleração,
da desinflação e, consequentemente, sobre a postura do Fed. Os bancos centrais
das principais economias permanecem determinados em promover a convergência das
taxas de inflação para suas metas em um ambiente marcado por pressões nos
mercados de trabalho. O Comitê avalia que o cenário externo, também marcado por
menor sincronia nos ciclos de política monetária entre os países, segue
exigindo cautela por parte de países emergentes.
Em relação ao cenário
doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de
trabalho tem apresentado dinamismo maior do que o esperado, o que levou a uma
reavaliação do hiato para o campo positivo. A inflação medida pelo IPCA cheio
assim como medidas de inflação subjacente se situaram acima da meta para a
inflação nas divulgações mais recentes.
As expectativas de
inflação para 2024 e 2025 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de
4,4% e 4,0%, respectivamente. A projeção de inflação do Copom para o primeiro
trimestre de 2026, atual horizonte relevante de política monetária, situa-se em
3,5% no cenário de referência.
O Comitê avalia que há
uma assimetria altista em seu balanço de riscos para os cenários prospectivos
para a inflação. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as
expectativas de inflação, destacam-se (i) uma desancoragem das expectativas de
inflação por período mais prolongado; (ii) uma maior resiliência na inflação de
serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais apertado; e
(iii) uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham
impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio
persistentemente mais depreciada. Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i)
uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a
projetada; e (ii) os impactos do aperto monetário sobre a desinflação global se
mostrarem mais fortes do que o esperado.
O Comitê monitora com
atenção como os desenvolvimentos recentes da política fiscal impactam a
política monetária e os ativos financeiros. A percepção dos agentes econômicos
sobre o cenário fiscal, junto com outros fatores, tem impactado os preços de
ativos e as expectativas dos agentes. O Comitê reafirma que uma política fiscal
crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a
ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco
dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária.
O cenário, marcado por
resiliência na atividade, pressões no mercado de trabalho, hiato do produto
positivo, elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas,
demanda uma política monetária mais contracionista. Considerando a evolução do
processo de desinflação, os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo
conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, elevar a
taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, para 10,75% a.a., e entende que
essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o
redor da meta ao longo do horizonte relevante. Sem prejuízo de seu objetivo
fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica
suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno
emprego.
O ritmo de ajustes
futuros na taxa de juros e a magnitude total do ciclo ora iniciado serão
ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta e dependerão
da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis
à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das
expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos.
Votaram por essa
decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto
(presidente), Ailton de Aquino Santos, Carolina de Assis Barros, Diogo Abry
Guillen, Gabriel Muricca Galípolo, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Picchetti,
Renato Dias de Brito Gomes e Rodrigo Alves Teixeira.
Fonte: BBC News
Brasil/Brasil 247
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