Joaquim de Carvalho: o negócio de Datena e
Marçal é o mundo cão e agora o levam para locais que se imaginava civilizados
“Não te estupro porque
você não merece”, disse Jair Bolsonaro à deputada Maria do Rosário, em 2014,
repetindo frase de onze anos antes, no Salão Verde, quando ainda ameaçou
agredir fisicamente a colega parlamentar.
Bolsonaro se elegeu
presidente e continuou a agredir verbalmente quem o contraria, sobretudo
mulheres.
“Se o comportamento
incivilizado deu certo para Bolsonaro, por que não daria para mim?” Talvez seja
este o raciocínio do candidato que ostenta em seu currículo uma prisão
temporária por furto a banco, seguida de uma condenação.
Pablo Marçal é um
patife profissional, capaz de baixeza ainda maior que a de Bolsonaro, a quem
apoiou, inclusive financeiramente.
Sua especialidade é a
luta da lama, a corrida no esgoto, a dança na pocilga.
Marçal, no entanto,
tem hoje uma utilidade: ele é o sinal da falência da atual estrutura política,
e, assim, sua presença em debates é um grito de que o sistema tem falhas que
precisam ser corrigidas.
A política é, na
essência, a arte de resolver conflitos sem o recurso à violência. A política é
a muralha que evita, por exemplo, guerras.
Não fosse a política
formal, viveríamos todos como no filme Mad Max, com uma arma ao alcance da mão
para poder sobreviver.
Não por acaso, as
cenas vergonhosas do debate na TV Cultura foram protagonizadas por dois
outsiders da política, mas com algo em comum: José Luíz Datena, que ficou rico
e famoso com a exposição da barbárie, e Pablo Marçal, que começou sua
trajetória no crime e também fez fortuna.
Os dois conhecem o
mundo cão: um ex-preso e um jornalista que faz do crime um espetáculo, e passa
a falsa imagem de que estamos todos perdidos.
Penso que o uso da
palavra Jack por Marçal foi o que mais enfureceu Datena. Ele estava sendo
transformado em um dos personagens de seu espetáculo, que, como ele, muitas
vezes são condenados sem provas.
Há alguns anos, fiz
uma reportagem sobre um jovem negro apresentado nos programas policiais da TV,
inclusive o de Datena, como o Maníaco da Pompeia, um homem que atacava mulheres
na escadaria de um bairro de São Paulo.
Contra ele, havia o
reconhecimento pessoal de uma suposta vítima. Havia pelo menos seis outras, mas
só uma a reconheceu. Foi o suficiente para a Polícia Civil pedir sua prisão, o
Ministério Público concordar e um juiz aceitar o pedido.
Claro que a exposição
nos programas de TV como de Datena contribuiu para que o suspeito fosse
transformado em condenado e, apesar da fragilidade da prova, trancado em
presídio.
A reportagem que fiz
mostrou que ele era inocente. A vítima havia dito que contraiu Aids em razão do
estupro. Um exame feito no jovem negro mostrou que ele não tinha o vírus.
Portanto, se houve o
estupro, o criminoso era outro. A expressão “se houve” é pertinente porque,
quando saiu o resultado do exame, eu procurei a suposta vítima. Ela estava
casada quando descobriu a doença, e o marido não tinha o vírus.
Como o caso do Maníaco
da Pompéia era assunto na imprensa sensacionalista, aquela mulher pode ter
inventado a história.
Fiz a pergunta a ela,
já que um inocente tinha sido preso por conta de falso reconhecimento, e a
resposta foi um choro silencioso. É o mundo cão, de onde brotam figuras como
Marçal, e que é explorado por Datena.
O que vimos no
episódio da cadeirada é a invasão desse mundo no espaço que se imaginava
civilizado.
Marçal merece uma
cadeirada, mas não física. Até porque não resolve e transforma o algoz em
vítima.
Quem deveria dar a
cadeirada é a Justiça Eleitoral, onde existem ações que denunciam Marçal e seu
partido, o PRTB, por graves irregularidades, como abuso do poder econômico e
compra de votos e fraudes na eleição da cúpula que dirige o partido, ao que tudo
indica com a participação do crime organizado.
O que a Justiça
Eleitoral espera? Que, em vez de cadeirada, haja tiros? No mundo de onde
emergiram Datena e Marçal, isso é possível, na verdade rotineiro.
¨
A cadeirada do Datena
mostra que estamos indo de Marçal a pior. Por Ricardo Nêggo Tom
O lamentável episódio
ocorrido no último domingo durante o debate entre os candidatos à prefeitura de
São Paulo revela o quanto o comportamento da nossa sociedade vem sendo
influenciado por aventureiros e delinquentes, que se lançam na política sem
nenhuma proposta e com a certeza de que podem contribuir para a completa
destruição do nosso tecido social. A cadeirada dada por José Luiz Datena em
Pablo Marçal é apenas um recorte da violência, entre os diversos outros que o
extremismo de direita vem produzindo mundialmente e de forma sistemática, seja
de forma ativa ou passiva.
Datena, apesar de ter
sido provocado de maneira covarde por Marçal, é um dos precursores dos
programas policialescos de sobrenome "urgente" na televisão
brasileira, que oferecem a violência urbana como entretenimento. São atrações
que suscitam pânico social nos telespectadores, fazendo escorrer sangue na tela
e clamando por um punitivismo extremo e ineficiente. Um lixo jornalístico que
banaliza a vida e naturaliza a morte. Datena não é um santo e sabe usar a
violência a favor de seus interesses.
Por outro lado, Pablo
Marçal tem todos os predicados de um delinquente que poderia protagonizar uma
edição inteira do "Brasil Urgente". Condenado por integrar uma
quadrilha de assalto a banco, investigado por tentativa de homicídio coletivo,
coach que cobra R$ 5 mil por palestras, pastor estelionatário que prometeu
fazer uma mulher cadeirante andar em nome de Jesus, charlatão que invade
velórios para tentar ressuscitar mortos, empresário de negócios incertos,
acusado de ter ligações com o PCC e dono de uma fortuna de origem questionável.
Haja cadeira para satisfazer a sanha punitivista contra um elemento tão
desqualificado, desonesto e desordeiro.
A violência verbal que
a extrema-direita costuma utilizar contra seus adversários políticos foi
"melhorada" por Marçal, que a emprega de forma direta, mas com
expressões faciais leves e bem-humoradas, o que pode sugerir aos ouvintes uma
"pilha" sobre os adversários. Mas não é. E pode ser mais violento que
uma cadeirada. Marçal sabe como desestabilizar emocionalmente as pessoas, o que
é uma característica dos psicopatas. Psicopatia é um transtorno mental comum,
caracterizado por traços de egocentrismo, falta de empatia e remorso, além de
comportamento antissocial e dificuldade de inibir ações prejudiciais às
pessoas. Estamos falando de Pablo Marçal.
O coach picareta
manifesta um comportamento caracterizado pelo padrão invasivo de desrespeito e
violação dos direitos dos outros, que se inicia na infância ou adolescência e
continua na vida adulta. Isso explica o fato de ele ter integrado uma quadrilha
que aplicava golpes virtuais em correntistas bancários aos 18 anos. É possível
que, ainda mais jovem, Marçal tenha se envolvido em outros ilícitos. Sua vida
adulta prova que ele nunca teve limites e nunca soube respeitar os dos outros.
Sua delinquência é inata. Talvez tenha passado despercebida a expressão usada
por Marçal ao acusar Datena de assédio sexual. "Jack" é uma gíria de
cadeia para estuprador, o que prova a familiaridade do coach com a linguagem da
criminalidade.
Faço aqui um
questionamento e provoco uma reflexão. Por que Pablo Marçal ainda não teve sua
candidatura impugnada? A quem interessa sua participação nos debates, uma vez
que seu partido não tem tempo de TV nem representante eleito na Câmara Federal?
Estariam os donos da mídia hegemônica interessados na audiência que a baixaria
de Marçal pode oferecer? Outro fato curioso é que, apesar de sua incalculável
fortuna, ele não evitou que o PRTB fosse despejado da sede em São Paulo por
falta de pagamento de R$ 163 mil em aluguéis. Uma quantia que o milionário
coach picareta poderia facilmente pagar com um pix.
Voltando à cadeirada,
seria gratificante ver a justiça eleitoral impugnando as candidaturas de ambos.
Entre Datena e Marçal, eu torço pela cadeira. No entanto, é importante destacar
que a violência verbal pode gerar violência física. Datena, embora controverso,
é um ser humano sujeito a reações. E Marçal entrou na disputa para agir
desonestamente, provocar e vencer pelo desequilíbrio emocional. A situação é
semelhante à do deputado Glauber Braga, do PSOL-RJ, que enfrenta processo de
cassação por reagir a uma provocação de um membro do MBL, plantado na política
para atacar adversários de esquerda.
Pablo Marçal nos
mostra que Jair Bolsonaro ainda não era o fundo do poço. Sempre pode piorar
mais quando a democracia é confundida com permissividade e impunidade. O mais
preocupante é que muitos jovens periféricos estão sendo seduzidos pelo discurso
de prosperidade que o coach dissemina. Do jeito que está, é bom proteger nossas
cadeiras, porque estamos indo de Marçal a pior. Que morte horrível da sociedade
brasileira.
¨
Na sociedade do
espetáculo, uma cadeirada não é nada. Por Denise Assis
Há algum tempo tento
entender o que nos leva a ter no cenário político pessoas como Jair Bolsonaro e
Pablo Marçal, necessariamente nesta ordem. Apelei para o filósofo Guy Debord,
que nos legou o seguinte ensinamento:
“Nunca a tirania das
imagens e a submissão alienante ao império da mídia foram tão fortes como
agora. Nunca os profissionais do espetáculo tiveram tanto poder: invadiram
todas as fronteiras e conquistaram todos os domínios – da arte à economia, da
vida cotidiana à política -, passando a organizar de forma consciente e
sistemática o império da passividade moderna.” (Débora em: A sociedade do
espetáculo: ContraPonto Editora-1997). Explica, mas por aqui há algo além.
Voltando no tempo, no ano de 2019, pouco após a vitória de Bolsonaro, quando
ele viajou a Nova Iorque e foi recebido na casa do embaixador Sérgio Amaral, em
um jantar que reuniu a nata do submundo: Sergio Moro, Olavo de Carvalho e Jair,
na mesma mesa, o recém-eleito disse que não havia vindo para construir nada.
Sua chegada ao poder era para destruir. O guru e mentor “intelectual” (Rsrsrs),
de Bolsonaro, aprovou. Era essa a proposta de suas teorias fascistas. Nada no
lugar. Nenhuma instituição funcionando. Tudo refeito à luz das teorias fascistas.
Ao Estado, nada. Aos cidadãos tudo que almejassem, fora da política.
Deu certo. Bolsonaro
quase conseguiu empastelar os poderes, jogou a população contra o STF e
concorreu ativamente para a morte de mais de 400 mil pessoas, segundo cálculos
científicos, das 700 mil mortes pela Covid-19. Nada de vacinas, nada de
empresas estatais, nada de combate ao desmatamento. Nada de vida. Apenas o
poder.
Sua candidatura à
presidência era vendida com falas contra “tudo o que está aí”. Só faltava – ao
estilo hippie dos anos 70 -, bradar a palavra de ordem: “abaixo o sistema”.
Sua tese, embora
viesse de um político tradicional, que há 28 anos transitava pelos corredores
da política como deputado, fazendo sabe-se lá o quê, caiu como música nos
ouvidos da gente comum, dos integrantes da classe C, que não almoçam
Constituição, não se interessam por leis, a não ser quando ela os alcança e
acham que o Estado só existe para lhes tungar o pouco que têm.
É disso que o povo
gosta. Dos arroubos dos que transitam por todas as camadas, dando a impressão
de serem alheios às regras, convenções, legislação.
A ideia de que
transgridem e ninguém os pega, concedeu a Bolsonaro, e agora a Pablo Marçal,
essa aura de “mito”, de seres superiores, que conseguiram o que eles tentam:
andar para as leis e o “sistema” e escapar.
E nesse ponto
receberam grande ajuda dos que alongaram os processos contra eles, usaram de
todos os subterfúgios para não os punir e deixaram que Bolsonaro, Marçal e seus
comparsas seguissem sem ser molestados por essa “chatice” de poderes
Judiciário, Legislativo e regras constitucionais. E, a dar-lhes uma mãozinha,
lá está o procurador geral da República, Paulo Gonet, que do mesmo campo
ideológico, os leva a considerar que o crime compensa. (Só depois das
eleições... Só depois do Natal...Só depois do réveillon... Só depois do
Carnaval...)
É comum ver os
fascistas de amarelo repetirem como a um mantra, o artigo da Constituição:
“todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”. Para o cidadão médio,
bombado, de mais músculos que cérebro, o típico frequentador das hostes do
“mito”, esse é o princípio que os aproxima de Jair e de Marçal. Nada de lei,
nada de regras, nada de “autoridade”. Eles são o poder. O poder de querer e
fazer o que os vier à telha. Por isso, tanto Jair quanto Pablo os representam.
Pairam acima das regras do jogo. Nada pega contra eles. Isso, sim, aos olhos da
sua gente, é ser herói. E fazem por merecer a idolatria e votos.
Fonte: Brasil 247
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