O que cientista que morou em caverna no
escuro e sem saber as horas revelou sobre nossa relação com o tempo
É muito provável que
você consulte a hora certa várias vezes por dia, seja no relógio ou no telefone
celular.
O tempo desempenha
papel fundamental nas nossas vidas. Por isso, até as civilizações mais antigas
procuravam uma forma de medi-lo, usando o sol como referência.
Mas o que aconteceria
se não soubéssemos quando é dia e quando é noite? E se também não tivéssemos um
aparelho que registrasse a passagem do tempo?
É o que se perguntou,
nos anos 1960, um jovem geólogo francês chamado Michel Siffre (1939-2024).
A dúvida de Siffre
surgiu durante a chamada corrida espacial – a disputa entre os Estados Unidos e
a União Soviética pela conquista do espaço.
Em 1961, o cosmonauta
soviético Yuri Gagarin (1934-1968) se tornou o primeiro ser humano a viajar ao
espaço. Ele ficou em órbita da Terra por 108 minutos.
Mas Siffre se
perguntou: o que aconteceria se os seres humanos passassem mais tempo no
espaço? Como isso afetaria o nosso ciclo de sono?
Para responder a estas
perguntas, em vez de viajar para fora da Terra, Siffre preferiu ir um pouco
mais a fundo na crosta terrestre.
• Homem das cavernas
Michel Siffre morreu
no último dia 25 de agosto em Nice, na França, com 85 anos de idade. Ele era
espeleólogo, ou seja, um cientista estudioso das cavernas.
Em 1962, com apenas 23
anos, ele realizou um dos experimentos mais famosos da história da
cronobiologia humana – um ramo da ciência que ele próprio ajudou a criar,
dedicado a entender o mecanismo dos nossos ritmos biológicos.
O cientista acampou
sozinho por dois meses em uma caverna, a 130 metros de profundidade. Sua única
fonte de iluminação era uma lâmpada de mineração, que ele usava moderadamente
para preparar sua comida, ler e escrever no seu diário.
"Decidir viver
como um animal, sem relógio, no escuro e sem saber o tempo", contou ele em
2008, em entrevista ao jornalista americano Joshua Foer, da revista Cabinet.
Siffre realizou seu
experimento em um glaciar subterrâneo nos Alpes, que havia descoberto um ano
antes.
"Coloquei uma
equipe na entrada da caverna", contou ele. "Eu decidi chamá-los ao
despertar, na hora de comer e pouco antes de ir dormir. Minha equipe não tinha
direito de me chamar, para que eu não tivesse ideia de que horas eram no lado
externo."
Com isso, ele
conseguiu demonstrar que os seres humanos possuem um "relógio
biológico". Mas a surpresa foi descobrir que esse relógio não seguia um
ciclo de 24 horas, como costuma acontecer na nossa vida diária.
• Tempo desacelerado
Durante as oito
semanas em que permaneceu na caverna, Siffre comeu e dormiu apenas quando seu
corpo pedia.
Além de informar à
equipe na superfície sempre que isso acontecia, o cientista também realizava
duas verificações: ele media o próprio pulso e contava até 120. E foi este
segundo procedimento que trouxe uma das conclusões mais assombrosas do estudo.
O objetivo era que
Siffre demorasse um segundo por número para contar de 1 a 120, enquanto seus
colaboradores registravam o tempo real. E foi assim que eles perceberam que o
cientista mantinha um registro de tempo muito mais lento.
"Eu levava cinco
minutos para contar até 120", relatou ele. "Em outras palavras,
psicologicamente, eu vivenciei cinco minutos reais como se fossem dois."
O cientista sentiu o
tempo passar mais lentamente no interior da caverna, sem nenhuma referência
natural ou artificial sobre o dia e a noite.
Esta sensação de
desaceleração do tempo foi confirmada quando Siffre finalmente saiu da caverna.
Haviam se passado dois meses, mas o cientista estava convencido de que só havia
ficado um mês confinado.
"Meu tempo
psicológico havia sido reduzido à metade", observou ele.
• 48 horas
As descobertas de
Michel Siffre indicavam que, sem os ritmos circadianos orientados pela
natureza, com o nascer e o pôr do sol, nossos corpos aparentemente mantêm um
relógio interno que funciona em ciclos aproximados de 48 horas.
Esta teoria foi
sustentada por outros experimentos realizados pelo espeleólogo francês ao longo
dos seus mais de 50 anos de carreira. Ele utilizou a si próprio e a outras
pessoas como objeto de estudo.
Depois da sua
"separação" de 1962 (como ele próprio chamava o experimento), Siffre
realizou outros cinco estudos em cavernas com voluntários, incluindo uma
mulher, que duraram de três a seis meses cada um.
Siffre observou que
todos eles entraram no ciclo de 48 horas. "Eles tinham 36 horas de
atividade contínua, seguidas por 12 a 14 horas de sono", segundo ele.
"Depois desta
descoberta, o exército francês me concedeu um grande financiamento. Eles
queriam que eu analisasse como seria possível para um soldado duplicar sua
atividade em estado de vigília", revelou o cientista à revista Cabinet.
O interesse do
Ministério da Defesa da França pelos seus experimentos tinha também outro
motivo. Eles haviam acabado de lançar seu programa de submarinos nucleares e
queriam conhecer os efeitos de missões longas sobre a saúde dos marinheiros.
E eles não eram os
únicos interessados. A agência espacial americana Nasa também queria entender
os efeitos causados pelas missões espaciais de longa duração.
As duas organizações
financiaram o segundo projeto pessoal de Siffre. E, em 1972, 10 anos depois da
sua primeira estadia na caverna dos Alpes, o cientista voltou a morar debaixo
da terra – desta vez, nos Estados Unidos, por um período de tempo muito mais
longo.
Seu objetivo era
passar seis meses na Caverna da Meia-Noite, perto de Del Río, no Estado
americano do Texas.
"Meu interesse
era estudar os efeitos do envelhecimento sobre o tempo psicológico",
explicou ele. "Meu plano era fazer um experimento a cada 10 ou 15 anos,
para saber se a forma em que o meu cérebro percebe o tempo sofreria alterações."
Ele também reconheceu
que queria esclarecer por que "todas as outras pessoas que haviam ficado
debaixo da terra tinham um ciclo de sono/vigília de 48 horas, exceto eu".
Este experimento
acabou durando 205 dias (cerca de sete meses). E o cientista também entrou no
ciclo de 48 horas, mas não de forma regular.
"Eu tinha 36
horas de vigília contínua, seguidas de 12 horas de sono", contou ele.
"Eu não conseguia sentir a diferença entre esses dias longos e os que
duravam apenas 24 horas."
"Às vezes, eu
dormia duas ou 18 horas e não conseguia distinguir a diferença", relembra
ele. "Acredito que esta seja uma experiência que todos nós podemos
vivenciar."
"É o problema do
tempo psicológico. É o problema dos seres humanos. O que é o tempo? Não
sabemos."
Fonte: BBC News
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