quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Liszt Vieira: ‘Explodiu a questão ambiental!’

Ao tomar posse como ministra do Meio Ambiente no início de 2023, Marina Silva propôs criar a Autoridade Climática, mas isso não saiu do papel, por falta de apoio político no Congresso Nacional e no próprio Executivo. Agora, com as tragédias climáticas que se abatem sobre o Brasil, o assunto voltou à tona em setembro de 2024 e a proposta da criação da Autoridade Climática para “Gestão de Risco” retorna à ordem do dia. Mas corre o risco de não resolver o problema.

Seria necessário decretar um Estado de Emergência Climática, com um Conselho de Sustentabilidade enquadrando todos os Ministérios. De pouco adianta um Ministério do Meio Ambiente que não pode impedir a degradação ambiental provocada, por exemplo, pelo Ministério da Agricultura bancando o agronegócio que desmata florestas, pelo Ministério do Transporte bancando a pavimentação da BR-319 que vai devastar a Amazônia e pelo Ministério da Energia, bancando a exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas.

A crise ambiental é extremamente grave. O verão de 2024 é o mais quente já registrado em todo o mundo. O período de junho a agosto supera por pouco o anterior recorde de temperatura registrado em 2023, de acordo com o serviço europeu de alterações climáticas Copernicus. Foi o verão mais quente já registrado no hemisfério norte. Em todo o mundo, países sofreram ondas de calor, inundações, secas e incêndios provocados por alterações climáticas causadas pelo homem. Calamidades que afetaram milhões de pessoas, mataram milhares e causaram bilhões de dólares em perdas econômicas.

A temperatura global já atingiu o limite de 1,5º.C acima do nível anterior à Revolução Industrial. Esse é o teto previsto pelo Acordo de Paris. Mesmo acelerando as reduções, o aumento da temperatura média do planeta deve ultrapassar 2º.C, podendo chegar a 2,5º, segundo os cientistas. As emissões mundiais de todos os gases de efeito estufa (GEE) eram de 32,7 bilhões de toneladas equivalente CO2 (CO2eq) em 1990.

Elas alcançaram 53,5 bilhões CO2eq em 2023. Um aumento de 63% entre 1990 e 2023. O aumento das emissões de gases de efeito estufa dos setores econômicos energia, indústria e transportes, durante o mesmo período, foram muito superiores ao aumento das emissões de gases de efeito estufa totais de todos os setores econômicos. O gráfico abaixo mostra o aumento da temperatura global em relação aos níveis pré-industriais.

Mas, como sempre acontece, os pobres são os mais prejudicados, principalmente aqueles que vivem em áreas de risco. Os países mais afetados pelas mudanças climáticas são aqueles que menos contribuiram para a emissão de gases de efeito estufa, principal causa da crise climática, tendo como origem o uso abusivo de combustíveis fósseis (petróleo, gás, carvão) ao lado do desmatamento que, em alguns países, como o Brasil, é o principal vilão da emissão desses gases, principalmente o CO2.

Segue abaixo um quadro indicativo dos países que historicamente são os maiores responsáveis pelas mudanças climáticas. O Brasil está em quarto lugar.

Em setembro de 2024, temos no Brasil 5 mil focos de incêndio em todo o país. Na Amazônia, a seca atinge nível recorde. A Amazônia deve perder 50% da floresta até 2070. Ela passou de “ar refrigerado do mundo” a grande emissor de gases de efeito estufa. O Pantanal está ameaçado de desaparecer. Já diminuiu 30% nos últimos 30 anos, está secando. Segundo dados do INPE, o Brasil concentra 76% dos incêndios da América do Sul.

A seca e a temperatura elevada ajudam o fogo a se propagar, mas os incêndios em sua grande maioria são criminosos. Os índices de poluição em São Paulo atingiram níveis recordes, pela seca e queimadas. A Amazônia, o Cerrado, a Caatinga, todos os biomas estão em risco. As ondas de calor são mais letais do que as chuvas. Os idosos e crianças são mais vulneráveis. É bom lembrar que 2 milhões de brasileiros vivem em áreas de altíssimo risco de deslizamento e inundações.

Enquanto isso, os ambientalistas, camponeses, ativistas, lideranças sindicais rurais são assassinados na fronteira agrícola pelo agronegócio, pecuária, mineração, madeireiras, garimpos etc. O Brasil é o segundo país que mais matou defensores ambientais em 2023, aponta aCPT (Comissão Pastoral da Terra). Os registros de conflitos no campo no Brasil bateram recorde em 2023, com 2.203 ocorrências. A maioria (1.724) se deu por conflitos por terra, caracterizados por invasões, expulsões, despejos, ameaças, destruição de bens ou pistolagem sofridas por pequenos agricultores, comunidades tradicionais e populações indígenas.

Desde o início da série histórica, em 2012, foram registradas 401 mortes de defensores do meio ambiente no país. No mundo, foram 2.106. Um ativista foi assassinado a cada dois dias no planeta no último ano.

Um exemplo do desprezo do Brasil com a proteção ambiental é o caso das Hidrelétricas ameaçadas pela seca. Quando as hidroelétricas brasileiras foram construídas, o governo e o mercado só pensaram na energia a ser produzida. Como a questão ambiental era ignorada e o meio ambiente era considerado como um problema inexistente, não se levou em conta que, sem água, não há usina hidroelétrica para produzir energia.

Hoje, vemos que, além do desastre causado pelo desmatamento e incêndios, a seca na Amazônia e no Cerrado reduziu muito o volume de água dos rios que, em alguns casos, secaram. O Amazonas, estado essencialmente fluvial, enfrentou a maior seca registrada em mais de 120 anos em 2023, e em 2024 essa situação se repetiu. A seca isolou comunidades e causou desabastecimento no interior do Amazonas. 20 cidades decretaram situação de emergência por conta da seca que levou os rios do Amazonas a registrarem níveis abaixo da média.

Além do Pantanal e da Amazônia, o Cerrado brasileiro também sofre com a estiagem. O Cerrado enfrenta a pior seca em pelo menos 700 anos, segundo estudo de pesquisadores da USP publicado na Nature Communications. Os rios do Cerrado estão secando.

O país ainda depende de térmicas quando as hidrelétricas secam. Setembro de 2024 será o segundo pior mês para o fluxo de água nos reservatórios em 94 anos. Após o racionamento de 2001, o país, na contramão da crise climática, investiu na construção de termelétricas para ampliar a segurança no fornecimento de energia, embora posteriormente tenha vivido um boom de geração de energia solar e eólica.

Em 2024, O Brasil registrou 164.543 focos de incêndios florestais, um aumento de 107% na comparação com o mesmo período de 2023. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de janeiro a setembro, o país já quase atingiu o total de 189 mil queimadas registradas ao longo de todo o ano passado. Segundo o MapBiomas, um terço de toda a perda de vegetação nativa do Brasil ocorreu nos últimos 37 anos. Segundo o professor da Faculdade de Medicina da USP, Paulo Saldiva, as queimadas aumentarão em 20% as internações e a mortalidade nos próximos 14 anos.

Os portugueses levaram um século para arrancarem dois milhões de pau-brasil no passado. Hoje, em menos de nove meses, foram cortadas mais de 361 milhões de árvores somente da Amazônia Legal em 2022, de acordo com dados calculados pelo Greenpeace Brasil. Estamos em nova era, chamada Antropoceno, porque as alterações climáticas são produzidas pela ação humana.

Para enfrentar os eventos climáticos extremos, secas, inundações, incêndios, ondas de calor, tempestades, será necessário criar uma nova mentalidade e uma nova organização das empresas privadas e públicas. O modelo capitalista atual, com impacto ambiental provocando a destruição da biodiversidade, dos recursos naturais, a crise climática, e priorizando o lucro, levará a atual civilização humana ao colapso. Somente um novo modelo pós-capitalista, um novo modo de vida e produção, poderá assegurar a sobrevivência da humanidade no planeta.

 

•        O que fazer com o país em chamas. Por Maurício Rands

Uma das maiores secas da história e a explosão de focos de incêndios nos biomas colocaram o país literalmente em chamas. A maior catástrofe do gênero de que se tem registro. A tragédia já chegou às capitais. Da 1ª  para a 2ª semana de setembro, a alta dos focos já chegou a 41% no país e a 188% no Rio e em São Paulo. As perdas na agropecuária pelos eventos climáticos extremos já alcançam os R$ 2 bilhões em SP. A reação do governo federal e dos governos dos demais entes federados têm se revelado muito aquém do drama que aflige pessoas, empresas, animais e flora nos biomas da Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica.

Na última pesquisa do Ipec, a queda da aprovação do governo Lula foi puxada pelo crescimento da avaliação negativa sobre a gestão na área ambiental, cujos índices de “ruim ou péssima” subiram de 33% para 44% (os de “ótimo ou bom” caíram de 33% para 27%). O ministro do STF Flávio Dino prolatou decisão mandando o governo federal enviar mais bombeiros militares para combater as queimadas. Pode ter sido um exagero, mas foi bem recebida pela opinião pública. O governo federal precisa esclarecer o alcance da ação humana nas queimadas. Até onde os focos são causados por ações irresponsáveis de criminosos individuais e espontâneos? Os agentes que têm provocado intencionalmente os focos estão agindo concertadamente?

Na pandemia da Covid, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 106/20, simplificando procedimentos para enfrentamento da calamidade. Talvez não seja o caso de aprovar nova emenda constitucional. Mas a decretação do estado de calamidade pública já se faz necessária. A calamidade é uma das medidas que a CF/88 prevê dentro do sistema constitucional das crises. Trata-se de uma situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público, na definição do Decreto 7.257/2010, que regulamenta o Sistema Nacional de Defesa Civil – SINDEC.

O presidente Lula deveria, nesta crise do Brasil em chamas, exercer a competência privativa prevista no inciso XXVIII do art. 84 da CF/88, que foi introduzida pela EC nº 109/21 (“propor ao Congresso Nacional a decretação do estado de calamidade pública de âmbito nacional”). Com a iniciativa, assumiria a gravidade da crise. Aprovada pelo Congresso Nacional, a medida possibilitaria que o Poder Executivo adotasse regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações, com processos simplificados de contratação de pessoal, em caráter temporário e emergencial, e de obras, serviços e compras. A decretação do estado de calamidade reforçaria, ainda, o papel de liderança que deve ser exercido pelo Presidente da República na gestão da crise.

Não bastam as intenções e medidas genéricas que não têm implementação e efeitos imediatos. Como a anunciada intenção de criar uma Autoridade Climática ou a de treinar 70 mil recrutas para combater os incêndios. O tamanho do desastre requer medidas imediatas, que deveriam se iniciar pela decretação do estado de calamidade pública. E que poderiam ser complementadas com um rol de providências, como as seguintes: maior envolvimento do presidente Lula e da ministra Marina Silva, com pronunciamento presidencial em cadeia nacional e articulação com governadores e prefeitos; utilização dos atuais contingentes das forças armadas em ações diretas nos focos; maior envolvimento da Polícia Federal na investigação e punição dos responsáveis pelos incêndios criminosos; programa de envolvimento do setor privado e do terceiro setor; programa de premiação em dinheiro a quem denunciar e provar autoria de incêndios criminosos; campanha específica para esclarecer a opinião pública sobre os focos de incêndio e os cuidados a serem tomados por todos; programa de apoio às pessoas, empresas e animais atingidos pela catástrofe; solicitação de apoio estrangeiro com recursos financeiros específicos emergenciais e envio de pessoal técnico especializado em combate aos incêndios que acontecem com regularidade todos os anos na Europa (Portugal acaba de decretar estado de alerta) e nos EUA. Ficam as sugestões que poderiam atenuar o drama que hoje vivem o país, o meio-ambiente, a população, os produtores rurais e os animais

 

Fonte: A Terra é Redonda/Brasil 247

 

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