Crise climática: Brasil queima e Congresso
deixa crise para Lula
Desde o início do
inverno, o Brasil enfrenta um problema de proporções catastróficas: a onda de
incêndios que se espalha por praticamente todo o território do país. A destruição
do meio ambiente provocada pelas queimadas levou parte dos Poderes da República
a se mobilizar. O ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino emitiu
seguidas decisões com pedidos de explicações e de providências. O governo do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez, disponibiliza recursos,
crédito, equipamentos e homens para ajudar estados e municípios no combate às
chamas. E o Congresso Nacional?
Mesmo entre os
próprios parlamentares, há muitos questionamentos sobre a contribuição do
Legislativo no enfrentamento da "pandemia de incêndios", como definiu
Flávio Dino.
Não há registro, por
exemplo, da presença de autoridades da Câmara dos Deputados e do Senado onde a
crise climática está mais aguda. Diferentemente da tragédia das enchentes no
Rio Grande do Sul, quando o presidente Lula visitou o estado acompanhado do presidente
do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), os
incêndios que provocam terror na população atingida e deixa perplexos os
moradores das cidades afetadas pela extensa nuvem de fumaça não sensibilizaram
as autoridades do Legislativo. O noticiário referente ao Congresso — incluindo
o esforço concentrado da semana passada — está restrito às articulações para a
sucessão de Lira, na Câmara.
O distanciamento do
Congresso em relação à crise climática se traduz em números. O Brasil teve 68,3
mil focos de queimadas em agosto deste ano, um crescimento de 144% em relação
ao mesmo período de 2023, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe). É a seca mais severa já registrada. Parlamentares, no entanto,
destinaram apenas R$ 236 mil dos R$ 21 bilhões empenhados em demandas
individuais, neste ano, para "Ações de Prevenção e Controle de Incêndios
Florestais nas Áreas Federais prioritárias". O dado é do Sistema Integrado
de Planejamento e Orçamento (Siop).
O deputado federal
Amom Mandel (Cidadania-AM) foi o único que enviou algum dinheiro para o combate
aos incêndios: R$ 191,4 mil em emendas do parlamentar foram para a conta o
Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PrevFogo),
programa de combate a incêndios do Ibama.
"Há uma culpa de
todos, porque esse tipo de assunto só se torna pauta nacional e toma conta dos
noticiários quando chega no Sudeste ou quando é realmente uma calamidade
pública", disse Mandel ao Correio.
Os deputados federais
José Guimarães (PT-CE) e Leo Prates (PDT-BA) também apresentaram emendas
parlamentares, mas os valores não foram usados para combate direto do fogo. Os
R$ 45 mil empenhados por Guimarães, que é líder do governo na Câmara, foram
para a reforma de um prédio do Ibama em Quixeramobim (CE). Prates, que
pretendia usar o dinheiro para a compra de carros de combate a incêndios, não
teve recursos empenhados.
O descuido com as
queimadas não vem de agora. Dados enviados pelo Ministério do Meio Ambiente à
reportagem mostram que o governo federal havia previsto no Projeto de Lei
Orçamentária Anual de 2024 (Ploa) R$ 398 milhões para combate a incêndios. O
Congresso, no entanto, aprovou uma redução de R$ 40 milhões. Com o incremento
de créditos extraordinários, o Orçamento chegou a R$ 501,6 milhões neste ano,
contra R$ 459 milhões em 2023.
<><>
ICMBio e Ibama
Os cortes atingiram
principalmente o Instituto Chico Mendes (ICMBio), que deixou de receber R$ 36
milhões após os rearranjos do Congresso. "Na época, eu lutei para que isso
não ocorresse, justamente porque todos os especialistas e o próprio Ibama já
sabiam que os eventos climáticos seriam piores neste ano. O que estamos vendo,
hoje, é algo anunciado, mas as pessoas ainda não entenderam que a questão
climática é uma emergência, não tem como ignorar. O que acontece no Congresso é
a recorrente negligência com o tema", queixou-se Mandel.
A professora do
Departamento de Ecologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de
Brasília (UnB) Isabel Schmidt apontou que cabe à Câmara e ao Senado criar e
aprovar leis com sanções mais pesadas a quem provoca desmatamento ilegal e
incendeia a mata. "Mas isso tem que vir associado ao aumento de dotação
orçamentária para os órgãos ambientais e de fiscalização, senão são medidas
inócuas", ressalvou a acadêmica.
"O Congresso vem,
há anos, intensificando ataques às leis ambientais, como se elas fossem um
entrave ao desenvolvimento socioeconômico do país. A crise ambiental que
estamos vivendo demonstra que, sem cuidar do meio ambiente, a vida e a produção
no campo e nas cidades brasileiras ficarão cada vez mais insustentáveis",
afirmou.
"Obviamente, a
prevenção e organização do combate aos incendios deve ser pautada com
destinação orçamentária e orientação para implantação de brigadas em todas as
áreas possíveis", declarou a deputada Talíria Petrone (PSol-RJ),
coordenadora do grupo de trabalho do clima, da Frente Ambientalista na Câmara.
<><> PL da
destruição
Desde o início de
2024, já foram registrados quase de 180 mil focos de incêndio em todo o país,
um aumento superior a 110% em relação ao ano passado, segundo o Inpe. O
secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, aponta o
Congresso como um dos responsáveis pela tendência de "abrandar a
legislação para todo e qualquer crime ambiental". Para ele, "a
impunidade tem muito a ver com a legislação aprovada". "O Congresso
brasileiro é uma máquina de destruir o meio ambiente", disse o
especialista.
Em 14 de agosto, a
Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou o Projeto de Lei 2168/2021,
que altera o Código Florestal Brasileiro e permite obras em áreas de
preservação permanente (APP). O texto autoriza o desmatamento nas APP para
instalação de infraestrutura de irrigação. Além de abrir caminho para o desmate
da vegetação nativa, o PL cria um cenário propício para agravar a escassez
hídrica em várias regiões.
O projeto foi
apresentado pelo ex-deputado José Mário Schreiner. Sem conseguir se reeleger em
2022, ele se descreve como produtor rural, e ocupa os cargos de presidente da
Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), vice-presidente da
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e presidente do Conselho
Deliberativo do Sebrae-GO.
"A sensação que a
gente tem é que o Congresso olha para as queimadas e para as enchentes no Rio
Grande do Sul e diz: 'eu acho que é pouco, tem que queimar mais, inundar mais,
tem que morrer mais gente e mais animais'", argumenta Astrini. Segundo
ele, a Casa "deveria estar votando projetos para aumentar a punição de
quem destrói o meio ambiente", mas "está dando anistia para essa
gente".
Outro PL que altera o
Código Florestal é o de nº 3334. Se aprovado, a Amazônia poderá perder uma área
maior que o território do Uruguai, que tem 17,6 milhões de hectares. A proposta
reduz o tamanho da reserva legal das fazendas, ampliando a área em que é
permitido desmatar para abrir pastos e lavouras.
O projeto, apresentado
pelo senador Jaime Bagattoli (PL-RO), reduz de 80% para 50% a área de reserva
legal na Amazônia, o que pode aumentar as emissões de carbono na atmosfera. O
texto é alvo de muitas críticas de ambientalistas e organizações que atuam na
área.
"O Congresso tem
as digitais em todos esses absurdos ambientais que acontecem no Brasil e
continua acelerando esse processo de destruição. Aprova leis que sinalizam para
os criminosos que eles têm espaço ali dentro, que basta esperar pelo momento certo
que a impunidade prevalecerá", comentou Márcio Astrini.
Os projetos propostos
contrariam os objetivos do governo em colocar o Brasil na posição de liderança
frente às mudanças climáticas. Pela primeira vez, o país sediará uma reunião de
cúpula do G20, em novembro deste ano, no Rio de Janeiro, e o tema será a principal
pauta. No ano que vem, vai ser a vez de Belém receber a Conferência das Nações
Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 — COP30.
O líder do governo no
Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), defende uma investigação
rigorosa das causas dos incêndios, por considerar a ação criminosa coordenada
como uma das principais suspeitas.
• Queimadas: governo precisa 'sair do
discurso e começar a agir', diz especialista
Em meio à crise
climática e o avanço das queimadas pelo Brasil, o secretário executivo do
Observatório do Clima, Marcio Astrini, afirmou, em entrevista à Rádio Eldorado,
que é preciso que medidas mais agressivas e urgentes sejam tomadas para evitar
que as consequências da destruição do meio ambiente se tornem ainda mais
intensas e severas.
Para Astrini, apesar
dos avanços, os esforços ainda são pequenos e atrasados. O especialista diz que
os governantes precisam "sair do discurso e começar a agir".
A principal forma de
combate citada por Astrini é o endurecimento das penas contra crimes
ambientais, principalmente aqueles ligados aos incêndios. Especialistas dizem
que a maioria das queimadas que se alastram pelo Brasil são criminosas - e não
por descarga elétrica, como acontece em outros países.
"Hoje a pessoa
não é pega. E, se é pega, toma uma multa, e não paga. Ela dá uma cesta básica e
sai pela porta da frente. Então, esse crime fica totalmente impune", diz
Astrini.
• Jeferson Miola: Brasil em chamas cobra
do STF que declare inconstitucional o Marco Temporal
A Lei 14.701/2023, do
Marco Temporal, é inconstitucional.
No Recurso
Extraordinário nº 1.017.365, de repercussão geral, o STF decidiu que “a
proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de
outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico
ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição”.
Para o ministro Edson
Fachin, “a Constituição reconhece que o direito dos povos indígenas sobre suas
terras de ocupação tradicional é um direito originário, ou seja, anterior à
própria formação do Estado [brasileiro]”.
Fachin entende que “o
procedimento demarcatório realizado pelo Estado não cria as terras indígenas –
ele apenas as reconhece, já que a demarcação é um ato meramente declaratório”.
A definição da data de
5 de outubro como marco para a demarcação das Terras Indígenas, além de
inconstitucional, agrava os conflitos nos territórios indígenas e coloca em
risco a sobrevivência dos povos originários e, em consequência, das florestas e
do ambiente natural.
Os indígenas são
guardiões da floresta e da natureza. A ameaça à vida dos povos indígenas com o
Marco Temporal significa, portanto, também uma ameaça à preservação das
florestas, que ficarão sujeitas à devastação.
O processo
conciliatório proposto pelo ministro Gilmar Mendes com o objetivo de encontrar
uma solução intermediária sobre a Lei do Marco Temporal não é considerado
legítimo pelas organizações indígenas, que se retiraram da Comissão Especial
porque entendem que a Suprema Corte não pode “propor transação de direitos
indisponíveis”.
O Brasil está
asfixiado por cinzas e fumaças. O país arde no braseiro dos biomas naturais
destruídos por queimadas em sua imensa maioria de origem criminosa e
orquestradas por extremistas de direita.
O climatologista
Carlos Nobre, respeitado cientista, se diz “apavorado” com a aceleração da
crise climática no planeta, cuja realidade de emergência foi antecipada em pelo
menos 10 anos, e cujos efeitos têm sido dramaticamente sentidos no Brasil com
os eventos climáticos extremos no Rio Grande do Sul e a seca severa na Amazônia
e no Pantanal.
Nobre estima que a
antecipação do estado de emergência climática é sinal de que a destruição do
Pantanal, da Amazônia, Caatinga e do Cerrado fica mais perto do ponto de
não-retorno – limite crítico de mudança da natureza que impossibilita sua
regeneração posterior e compromete, assim, a existência de todas as formas de
vida, inclusive a humana.
Governos e sociedades
nacionais estão desafiados a implementarem já, de modo imediato e urgente,
medidas para deter o avanço da hecatombe climática, aumentar a resiliência e a
capacidade de adaptação.
Trata-se de uma
corrida contra o relógio catastrófico, de uma circunstância histórica de risco
existencial para seres humanos e para toda a natureza.
Cada dia que passa é
vital. Com o agravamento da crise climática e com o Brasil ardendo em chamas, o
STF ganha ainda mais autoridade para retardar o relógio catastrófico enterrando
definitivamente o Marco Temporal.
Fonte: Correio
Braziliense/O Dia/Viomundo
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