Brasil e China apostam no pragmatismo para
trazer paz à Ucrânia, mas Zelensky é obstáculo
Em entrevista ao
podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas afirmam que o plano
apresentado pelos países para encerrar o conflito ucraniano é eficiente, mas
frisam que Vladimir Zelensky pode rejeitar a proposta por se tratar de dois
países próximos da Rússia e por sua intenção pessoal de perpetuar o embate.
Em uma recente viagem
a Pequim, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, expressou apoio ao
plano traçado por Brasil e China para alcançar a paz entre Rússia e Ucrânia.
O plano foi anunciado
em maio, durante um encontro em Pequim entre o assessor especial da Presidência
da República para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, e o ministro das
Relações Exteriores chinês, Wang Yi. Ele tem como base seis pontos, que incluem
a redução das hostilidades e a organização de uma conferência internacional
pela paz que inclua todas as partes envolvidas na mesa de negociação.
Em entrevista ao
podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam se há possibilidade
de Vladimir Zelensky considerar a proposta para encerrar o conflito, uma vez
que a estratégia de EUA e seus aliados europeus não tem surtido efeito.
O que propõe o plano
elaborado por Brasil e China?
Para Eduardo Galvão,
professor de relações internacionais do IBMEC de Brasília, o principal ponto da
proposta é trazer soluções pragmáticas para temas sensíveis que atualmente
travam as negociações de paz, sendo o principal deles a disputa em torno de regiões
que optaram pela adesão à Rússia.
"Essas questões
são deixadas de lado para negociações futuras, mediadas por atores
internacionais, o que é uma forma de abrir espaço devagar, passo a passo, para
o diálogo, sem travar a discussão em temas que, no momento, parecem
insolúveis", afirma.
Outro ponto,
acrescenta o especialista, é que o plano determina a neutralidade da Ucrânia, o
que seria uma forma de dissipar o temor da Rússia de ter suas fronteiras
cercadas pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
"É uma questão de
soberania, de proteção. Além disso, a proposta foca ainda na criação de
mecanismos de não agressão mútua, com o propósito de garantir que nem o
Ocidente nem o Oriente ameacem diretamente as fronteiras russas no
futuro."
Ele afirma que com o
plano Brasil e China tentam mudar a abordagem de se prender à polarização que
marcou o período da Guerra Fria.
"O que o Brasil e
a China estão sugerindo aqui é que em vez de continuarmos presos a alianças
militares rígidas, estratégias de confronto, deveria se priorizar o diálogo e a
diplomacia multilateral [...]. Esse é o caminho que contraria a tendência atual
do Ocidente, que tem apostado muito nas sanções, nas pressões militares, mas
será que é uma estratégia que realmente resolve o problema? Não me parece.
Então essa proposta sino-brasileira, ela aposta em algo diferente, é uma
abordagem que busca equilíbrio, busca neutralidade."
- Qual a probabilidade de Zelensky aceitar discutir o plano?
Até o momento,
Zelensky se encontra irredutível em sua decisão de não sentar na mesa de
negociação com a Rússia. Nesse contexto, questionado sobre qual a probabilidade
da proposta de Brasil e China avançar, Galvão afirma que até então a estratégia
foi discutir os termos com apenas uma das partes do conflito, o que não foi
aceito pelo presidente russo Vladimir Putin.
"Isso foi,
inclusive, comentado por Putin. Ele falou: 'Olha, não posso aderir, não posso
concordar com uma proposta da qual eu não participei da negociação. O Ocidente
não pode me impor às suas condições. Se quiserem conversar, eu estou disposto'.
Então, me parece que, sendo uma proposta construída entre países que tentam se
colocar em uma posição mais neutra, ou seja, que não tomaram partido do
Ocidente nem da Rússia e dos seus aliados, me parece que esses termos teriam
mais condições de avançar."
- O que Brasil e China ganham em termos políticos caso a
proposta vingue?
Galvão afirma que
Brasil e China "têm empreendido esforços para se posicionarem como
potências mundiais".
"Então, isso [a
proposta sendo bem-sucedida] reforçaria muito o papel como lideranças globais
dos dois países, principalmente nos fóruns onde eles fazem parte. A gente está
falando de América Latina, de Mercosul, a gente também está falando de BRICS",
afirma.
Ele acrescenta que
Brasil e China também têm interesses comerciais na busca pelo fim do conflito,
uma vez que ele "atrapalha alguns fluxos comerciais, principalmente de
commodities", que são comercializados por ambos.
Fernanda Albuquerque,
doutoranda em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago
Dantas (UNESP, UNICAM, PUC-SP), avalia a proposta de Brasil e China como
bastante realista, prática e imparcial.
Entretanto, ela
acrescenta que o fato de ter sido elaborada por dois países que têm proximidade
com a Rússia e fazem parte do BRICS faz com que Zelensky não veja a proposta
com bons olhos.
"Os mediadores
ideais, pensando em termos de relações internacionais, seriam países neutros em
relação aos dois lados do conflito, país neutro tanto em relação à Rússia
quanto à Ucrânia, o que é complicadíssimo de a gente apontar. Até porque eles
até existem, mas países que sejam neutros não vão ter o protagonismo ou a
influência internacional que seria necessária para liderar uma negociação dessa
magnitude, o conflito mais falado do século XXI ao lado do conflito
Israel-Hamas", afirma a especialista.
Para Albuquerque, uma
solução razoável seria a mediação ser feita por "um país aliado da Rússia
e um país aliado da Ucrânia, como, por exemplo, China e Estados Unidos".
Ela afirma ainda que
há interesse de Zelensky em prolongar o conflito, que está conferindo a ele uma
notoriedade e visibilidade que nunca sonhou e somente conseguiu por conta do
conflito e do apoio ocidental.
"Então, com
certeza, esse conflito ajuda a manter esse poder, a perpetuar a sua manutenção
no cargo e há uma herança histórica de seu nome, de seu mandato na
Ucrânia."
- Russofobia afeta a percepção do conflito
Albuquerque ressalta
que a imagem de inimigo construída pelo Ocidente em torno da Rússia prejudica o
entendimento sobre as causas do conflito. Ela frisa que a russofobia acompanha
a Rússia desde a Guerra Fria e não acabou com o fim da União Soviética (URSS).
"O mundo
ocidental não retirou aquela imagem que tinha da União Soviética, apenas
transferiu, o que era União Soviética virou Rússia, e continuou meio que
mantendo esse inimigo, mantendo o outro como ruim, como negativo em oposição
aos Estados Unidos, ao mundo ocidental."
Ela afirma que essa
russofobia impede a percepção das causas do início do conflito, e ressalta que
"todos os conflitos que existem, existe um motivo pelo qual eles
acontecem, existe toda uma construção".
"Como essa
russofobia é muito grande, é transparecido, é mostrado para nós como se fosse
tudo muito irracional, do que vem do Putin, do que vem do Oriente, do que vem
da Rússia", afirma a especialista.
- Para plano dar certo, Ucrânia deve se libertar do controle
dos EUA
Trabalhando como
engenheiro industrial, Miguel Machado, viveu 16 anos na Ucrânia e foi
presidente da Associação Cimenteira da Ucrânia.
Ele aponta que em
2014, após o golpe de Estado que depôs o presidente Viktor Yanukovych e levou
ao poder Pyotr Poroshenko, apoiado por Washington, o país vivenciou um violento
processo de ucranização nos planos "multiétnico, multicultural, multirreligioso
e multilinguístico", no qual o idioma russo passou a ser proibido. Nomes
de locais públicos, como ruas e praças, foram trocados.
"Aliás, os
primeiros setbacks [revezes] da nova democracia saída de 2014 na Ucrânia, como
por exemplo as perseguições e assassinatos políticos, que houve bastante, foram
todos silenciados no Ocidente. No Ocidente não se soube de nada."
Ele afirma que essa
estratégia foi articulada para transformar a Ucrânia em um "objeto
antirrusso, e de preferência que projetasse a solidariedade estratégica dos
Estados Unidos".
"Mas para isso
era preciso eliminar o elemento russo. E foi-se a tudo, não é? Não foi só mudar
o nome das ruas, muita gente ficou [morta] pelo caminho", afirma.
Machado considera
Brasil e China capazes de serem mediadores, mas diz que ambos, inevitavelmente,
são vistos como a favor da Rússia. Isso porque a Ucrânia se transformou no que
ele aponta como uma fronteira dos valores ocidentais que luta pelo velho
paradigma.
"O próprio [...]
Zelensky antagonizou a Lula, antagonizou a China, e neste momento acho que do
lado de Kiev não há condições para aceitar esses dois parceiros", afirma.
Ele avalia que para
que Brasil e China desempenhem o papel de mediadores, primeiro deve haver uma
mudança de regime que torne a Ucrânia "libertada do controle
americano".
"Enquanto os
Estados Unidos controlarem a tomada de decisão na Ucrânia e financiarem o seu
Estado, vão continuar a usar essa plataforma como a usaram até agora."
¨
Robert Kennedy Jr. e
Donald Trump Jr. apelam a negociações de paz entre Rússia e Ucrânia
A Casa Branca deve
iniciar conversações com o Kremlin sobre a Ucrânia, de acordo com um artigo
conjunto do filho do candidato à presidência dos EUA Donald Trump Jr. e do
ex-candidato à presidência Robert Kennedy Jr., publicado no jornal The Hill.
O artigo fala sobre a
possível aprovação pelo governo Biden de autorização para a Ucrânia atacar
alvos no território da Rússia longe da zona de conflito.
Os autores avisam que
tal decisão gera o risco mais alto de um confronto nuclear desde a época da
Crise do Caribe no ano de 1962, quando a União Soviética implantou mísseis
balísticos em Cuba em resposta à implantação de mísseis norte-americanos na
Turquia, que atingiriam os maiores centros políticos e industriais da URSS.
"Precisamos
exigir, agora mesmo, que [Kamala] Harris e o presidente [Joe] Biden revertam
sua agenda de guerra insana e iniciem negociações diretas com Moscou",
escreveram.
Eles apontam que a
febre militarista em Washington atingiu um nível sem precedentes, lembrando que
a vice-presidente e a candidata democrata Kamala Harris, em um debate com
Trump, "evocou imagens de forças russas rolando pela Europa", o que é
"absurdo".
Conforme o artigo, o
candidato republicano Donald Trump prometeu acabar com esse conflito, mas
quando ele retornar à Casa Branca "pode ser tarde demais".
Neste contexto, a
agência de notícias Bloomberg disse que aliados de Kiev acreditam que o momento
certo para chegar a acordos sobre a Ucrânia pode ser o período entre a eleição
presidencial dos EUA e a posse.
Segundo o artigo, os
EUA deveriam pensar mais seriamente do que antes sobre um possível fim
negociado para o conflito ucraniano.
Ao mesmo tempo,
segundo as fontes da agência, se espera que Vladimir Zelensky defenda a adesão
da Ucrânia à União Europeia (UE) e à Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN), como parte do chamado plano da "vitória" da Ucrânia que ele
quer apresentar a Joe Biden.
Além disso, Zelensky
quer concluir acordos de segurança para Kiev continuar a receber armas
avançadas.
Como observou uma
autoridade sênior dos EUA, Washington espera que esse plano seja maximalista e
abstrato.
Soldados das Forças
Democráticas da Síria (SDF, na sigla em inglês), apoiadas pelos
A eleição presidencial
dos EUA vai ser realizada em 5 de novembro. O Partido Democrata é representado
pela vice-presidente Kamala Harris, enquanto o Partido Republicano pelo
ex-presidente Donald Trump. A posse do novo presidente deve ocorrer em 20 de
janeiro de 2025.
Em julho, o presidente
russo Vladimir Putin disse que um cessar-fogo na Ucrânia é impossível sem o
acordo do "lado oposto" sobre medidas irreversíveis e aceitáveis para
a Rússia.
Ele enfatizou que a
Rússia não pode permitir que o inimigo se aproveite do cessar-fogo para
melhorar sua situação e recuperar suas forças.
Contudo, à margem do
Fórum Econômico do Oriente em setembro, Putin disse que se a Ucrânia desejasse
negociar, a Rússia não se recusaria, mas essas negociações seriam realizadas
com base nos acordos estabelecidos em Istambul em 2022.
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Conflito em Gaza é o
maior problema internacional cuja solução EUA estão atrasando, diz Lavrov
O Conselho de
Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) não deve ignorar o conflito
israelo-palestino porque é o principal problema internacional da atualidade,
declarou nesta segunda-feira (16) o ministro das Relações Exteriores da Rússia,
Sergei Lavrov.
Segundo Lavrov, a
última resolução do Conselho de Segurança da ONU, que apela ao cessar-fogo na
Faixa de Gaza, foi deixada de lado.
"Os EUA não
cumpriram as suas promessas, mas isso não significa que devamos abandonar os
nossos esforços. Ficaríamos satisfeitos se a mediação do Egito e de outros
países árabes trouxesse resultados. O Conselho de Segurança da ONU não deveria
ignorar esse problema porque hoje é o maior problema internacional", disse
Lavrov em uma conferência de imprensa conjunta com o seu homólogo egípcio.
O chanceler russo
também comentou que assim que o conflito na Faixa de Gaza cessar, "teremos
de lidar imediatamente com o envio de cargas humanitárias porque a situação
humanitária na Faixa de Gaza é catastrófica".
"É muito
importante não congelar novamente esse conflito. Todos os oponentes devem ser
forçados a cumprir as decisões do Conselho de Segurança da ONU e da Assembleia
Geral [da ONU] sobre a criação de um Estado palestino, o que não é uma tarefa
fácil", disse o chanceler.
No dia 18 de julho, o
Knesset (parlamento Israelense) aprovou uma declaração contra o estabelecimento
do Estado Palestino a oeste da Jordânia, afirmando que "a criação de um
Estado palestino no coração da terra de Israel poria em perigo a existência do
Estado de Israel e dos seus cidadãos, intensificaria o conflito
israelo-palestino e desestabilizaria a região", entre outras coisas.
Em 1947, a ONU, com a
participação ativa da União Soviética, decidiu criar dois Estados: Israel e
Palestina, mas apenas o primeiro foi criado.
A Palestina insiste
que as futuras fronteiras entre ambos os Estados soberanos sejam traçadas nos
moldes anteriores à guerra de 1967 (Guerra dos Seis Dias), e admita uma troca
de territórios, com a esperança de criar o seu Estado na Cisjordânia e em Gaza,
com capital em Jerusalém Oriental.
Israel, por sua vez,
se recusa a restabelecer as fronteiras de 1967 e a partilhar com os árabes
Jerusalém, que proclamou como a sua capital "eterna e indivisível".
Fonte: Sputnik Brasil
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