sábado, 14 de setembro de 2024

Mazzucato: a Era da Água Escassa chegou

No que diz respeito à água, o mundo enfrenta uma situação insustentável. No entanto, resolver o problema está a nosso alcance; e é o resultado mais fácil de se obter, porque permite lidar com as mudanças climáticas e gerar empregos e crescimento.

A crise da água é evidente. Ano após ano, em uma região após a outra, ondas de calor e secas recordes são seguidas por tempestades e inundações destrutivas. Os sistemas alimentares estão secando e as cidades estão afundando à medida que atingimos os limites de extração de água da terra. Mais de 1.000 crianças menores de cinco anos morrem a cada dia em decorrência de doenças causadas por água potável insegura e falta de saneamento. Centenas de milhões de mulheres passam horas todos os dias coletando e transportando água.

Esta é uma crise criada pelo ser humano, e pode e deve ser resolvida por meio de intervenções humanas. Mas para alcançar equidade e sustentabilidade em todos os lugares, precisaremos de novas formas de governo da água; de uma onda de investimentos muito maiores que os atuais; de inovação em escala e capacitação. Os custos dessas ações são insignificantes em comparação aos danos econômicos e humanitários que serão infligidos se a falta de ação continuar

O primeiro passo é reconhecer que os problemas que enfrentamos não são meramente tragédias locais. Todos os cantos do mundo estão sendo afetados, e cada vez mais, por m ciclo de água desestabilizado. As abordagens atuais tendem a lidar com a água que podemos ver – a “água azul” em nossos rios, lagos e aquíferos – e assumem que o suprimento de água é estável ano após ano. Mas isso não é mais verdade, pois as mudanças no uso da terra, as mudanças climáticas e um ciclo de água fora de controle estão afetando os padrões de chuva.

O pensamento convencional ignora, com frequência, um outro recurso crítico de água doce — a “água verde” que aparece em nossas florestas, plantas e solo; que transpira e é reciclada pela atmosfera. A água verde gera cerca de metade da precipitação que cai na terra, a própria fonte de toda a nossa água doce. E os países não estão conectados apenas por meio de fluxos de água azul (como rios), mas — o que é mais importante — por meio de fluxos atmosféricos de umidade. Como um componente essencial do ciclo global da água, a água verde precisa urgentemente ser melhor gerenciada.

O mais perigoso é que as interrupções no ciclo da água estão profundamente interligadas com o aquecimento global e o declínio da biodiversidade planetário, sendo que fenômeno reforça o outro. Um suprimento estável de água verde no solo é fundamental para sustentar os sistemas naturais terrestres que absorvem de 25% a 30% do dióxido de carbono emitido pela combustão de combustíveis fósseis.

Esse processo representa um dos aportes naturais mais significativos para a economia global. No entanto, a perda de áreas úmidas e da umidade do solo, juntamente com o desmatamento, está esgotando as maiores reservas de carbono do planeta, com consequências que podem tornar insuportável o ritmo do aquecimento global. O aumento das temperaturas desencadeia ondas de calor extremas e aumenta a demanda de evaporação na atmosfera, o que seca severamente as paisagens e aumenta o risco de incêndios florestais.

Portanto, a crise hídrica afeta praticamente todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e ameaça as pessoas em todos os lugares. A insuficiência de alimentos para uma população mundial crescente, a disseminação acelerada de doenças e o aumento da migração forçada e dos conflitos entre fronteiras são apenas alguns dos resultados previsíveis.

•        Missão H2O

Um problema coletivo e sistêmico de tão grande escala só pode ser resolvido com uma ação conjunta em todos os países e por meio da colaboração entre fronteiras e culturas. É fundamental que haja um entendimento compartilhado do Comum. Caso contrário, o que pode parecer bom para um país hoje pode facilmente criar problemas para esse mesmo país amanhã, bem como para outros em todo o mundo.

A situação exige não apenas maior ambição, mas também uma abordagem da água voltada para a missão. Uma abordagem que abranja vários setores e se concentre em todos os níveis, desde o gerenciamento de bacias hidrográficas locais até ao estabelecimento de uma cooperação multilateral. Podemos e devemos ter sucesso nas missões hídricas mais importantes do mundo:

•        Lançar uma nova Revolução Verde nos sistemas alimentares para reduzir o uso da água e, ao mesmo tempo, aumentar a produção agrícola para atender às necessidades nutricionais de uma população crescente.

•        Conservar e restaurar os habitats naturais que são essenciais para proteger os recursos hídricos verdes.

•        Estabelecer uma economia de água “circular” em todos os setores.

•        E garantir que todas as comunidades vulneráveis tenham serviços adequados de água limpa e segura e saneamento até 2030.

Embora essas missões devam impulsionar mudanças nas políticas, alinhar os setores público e privado e estimular a inovação, elas também exigem novas formas de governar. A formulação de políticas deve se tornar mais colaborativa, responsável e inclusiva de todas as vozes, especialmente as dos jovens, das mulheres, das comunidades marginalizadas e dos povos indígenas que estão na linha de frente da conservação da água.

A mudança política mais fundamental está na valorização adequada da água para refletir sua escassez, bem como seu papel fundamental na sustentação dos ecossistemas naturais dos quais toda sociedade depende. Precisamos acabar com a subvalorização da água em toda a economia e com os subsídios agrícolas prejudiciais que impulsionam o uso insustentável e degradam a terra. O redirecionamento desses fundos para a promoção de soluções de economia de água e o fornecimento de suporte direcionado para os pobres e vulneráveis seriam de grande ajuda.

Para corrigir o subinvestimento crônico em água, precisamos redefinir a prioridade da infraestrutura hídrica nas finanças públicas, onde ela é estranhamente negligenciada na maioria dos países. Os formuladores de políticas podem se basear nas melhores práticas de parcerias público-privadas para oferecer incentivos justos para compromissos de longo prazo e, ao mesmo tempo, atender aos interesses do público, especialmente das comunidades carentes.

Dada a natureza coletiva do desafio da água, devemos garantir fluxos financeiros maiores e mais confiáveis para ajudar os países de renda baixa e média-baixa a investir na resiliência da água. Os bancos multilaterais de desenvolvimento, as instituições financeiras de desenvolvimento e os bancos públicos de desenvolvimento precisarão trabalhar em estreita colaboração com os governos para apoiar as missões nacionais de água que refletem as necessidades locais e as condições ecológicas. Os acordos comerciais internacionais também oferecem possíveis alavancas para promover o uso eficiente da água, pois podem ajudar a garantir que a “água virtual” incorporada aos produtos comercializados não agrave a escassez em regiões com estresse hídrico.

Assim como estamos fazendo em relação às emissões, devemos compilar dados de alta integridade sobre as pegadas hídricas corporativas e criar estruturas para a divulgação do uso da água. Também precisamos desenvolver sistemas para avaliar a água como parte do capital natural. A fixação de um preço para esse recurso fundamental poderia gerar dividendos significativos para os países ao longo do tempo.

Em resumo, precisamos moldar os mercados em nossas economias – da agricultura e mineração à energia e semicondutores – para que se tornem radicalmente mais eficientes, equitativos e sustentáveis no uso da água.

O relatório preliminar de 2023 da Comissão Global sobre a Economia da Água apresentou os argumentos para buscar uma mudança fundamental na forma como o mundo gerencia a água. Nosso relatório final em outubro deste ano mostrará como podemos fazer isso por meio de uma ação coletiva transformadora.

Estamos apenas em 2024. Se não enfrentarmos esses problemas, os incêndios florestais, as inundações e outros eventos extremos causados pela água e pelo clima se tornarão mais intensos e mortais nos próximos anos. Promover a agenda de segurança hídrica pode parecer mais difícil em meio às crescentes tensões geopolíticas, mas apresenta uma oportunidade de provar que a colaboração pode beneficiar todos os países e possibilitar um futuro justo e habitável para todos. Não podemos fugir desse desafio.

 

•        Água: o BNDES no festim dos privatistas. Por Marcos Montenegro

Tendo o BNDES como “co-host”, ocorreu em São Paulo, em 10 de setembro, uma notória tertúlia privatista, organizada pelo GRI Club, promotor de eventos sobre negócios de infraestrutura,

O site do evento informava que no encontro seriam abordados os projetos do novo ciclo de estruturação do BNDES, bem como as formas de aporte financeiro disponíveis, reforçando a continuidade do apoio do banco à agenda de concessão do saneamento básico no Brasil a operadores privavos.

Mais um evento, em que, a pretexto de promover a “universalização” dos serviços, o capital discute os caminhos da privatização. A primeira sessão foi coordenada por Luciana Costa, Director of Infrastructure, Energy Transition and Climate Change (assim mesmo, em inglês) do BNDES e contou com Leonardo Picciani, Secretário Nacional de Saneamento Ambiental e com Manoel Machado Filho, Secretário Adjunto de Infraestrutura Social e Urbana, do PPI – Programa de Parcerias de Investimentos.

Nas demais mesas que reuniram outros quatro gerentes do BNDES, participaram representes do Banco do Nordeste, do IDB, vulgo BID ou Banco Interamericano de Desenvolvimento, do Itaú BBA S.A e do Santander. Contribuíram também com os debates sobre a “universalização” dirigentes da Aegea, maior grupo controlador de concessionárias privadas de água e esgoto no país e da Águas do Brasil, holding de concessionárias privadas de 32 municípios.

A Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon – Sindcon), compareceu com Christianne Dias Ferreira, sua Diretora-Executiva e ex-presidente da ANA no governo Bolsonaro. O Instituto Trata Brasil, presença indispensável em celebrações como essa, foi representado por sua “CEO” Luana Pretto.

Pedro Maranhão, ex-Secretário Nacional de Saneamento do governo Bolsonaro, representou os interesses das empresas privadas que atuam na gestão de resíduos sólidos como Diretor Presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente – ABREMA. Figura em evidência no processo de privatização da Sabesp, Karla Bertocco Trindade, participou como “Independent Board Member” da Orizon Valorização de Resíduos. Tarcila Jordão, Diretora de Desenvolvimento de Concessões e PPPs representou o Grupo Solví (R$ 2,22 bilhões de faturamento em 2023), com negócios no Brasil e em outros países da América Latina.

A Vinci Partners, empresa de fundos de investimentos que se define como  uma plataforma de investimentos alternativos de atuação global, marcou presença por meio do seu “Infrastructure Principal”, Gustavo Valente.

Bancas de advocacia de negócios também tiveram oportunidade de contribuir para “uma sociedade mais justa, promovendo a preservação ambiental, redução de doenças e o desenvolvimento econômico sustentável, além de diminuir as desigualdades sociais” como destaca a abertura do site do evento. Tudo propiciado pela pujança do capital privado.

Ausentes a ASSEMAE, AESBE, ABES e as entidades municipalistas. Nem qualquer entidade dos trabalhadores urbanitários. Terão sido convidadas para este supimpa convescote?

A ausência de representantes dos moradores das comunidades e vilas e dos povos das águas, do campo e das florestas não foi sequer percebida apesar do muito que se falou em nome deles. Talvez tenham, como dizia o Cazuza, ficado na porta estacionando os carros.

 

Fonte: Outras Palavras

 

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