"Amazônia é esfolada viva", diz
jornal francês sobre aumento das queimadas
"A Amazônia é
esfolada viva", diz a manchete de capa do jornal francês Libération. Os
incêndios na maior floresta tropical do mundo preocupam cientistas em todo o
planeta. Desde o início do ano, foram registrados 82.000 focos de incêndio na
região, agravados pelo aumento das temperaturas e uma seca histórica.
Além da Amazônia, o
Pantanal, a maior zona úmida da Terra, e áreas de biodiversidade únicas, como o
Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, também são consumidos pelo fogo,
descreve o Libération.
No Brasil, garimpeiros
em busca de ouro e agricultores sempre tiveram o costume de queimar a vegetação
para preparar o solo antes do plantio. Mas desde o governo do ex-presidente de
extrema direita Jair Bolsonaro, que incentivou essas práticas, as autoridades
enfrentam novos inimigos na preservação dos biomas: facções criminosas
pró-desmatamento, assinala o diário. Em São Paulo, mais de 90% dos incêndios
ocorridos nas últimas semanas foram causados pela ação humana, o que
surpreendeu as autoridades.
A especialista em
clima Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe),
declara ao jornal francês que "a estupidez humana e a corrida pelo
dinheiro estão arrastando o mundo para um suicídio coletivo". "O
mundo está comendo a Amazônia", diz ela revoltada, referindo-se ao
desmatamento decorrente do plantio da soja exportada para alimentação animal e
o comércio do couro.
O francês Boris
Patentreger, diretor da ONG Mighty Earth, endossa o grito de revolta da
brasileira, e diz que a França deve atualizar sua estratégia nacional de 2019
contra o desmatamento importado. A legislação europeia que entra em vigor em
janeiro de 2025, proibindo a venda de produtos de áreas desmatadas, dá uma
certa esperança à ONG Greenpeace.
• Emergência climática
Mas o editorial do
Libération enfatiza que o mundo está diante de uma emergência climática. O
ponto de não retorno no papel regulador da Amazônia para o equilíbrio climático
global, tantas vezes evocado pelos cientistas, está chegando mais rápido do que
se pensava. "Os brasileiros e vizinhos de oito países da região estão
sendo asfixiados pela fumaça que já cobre 60% do território brasileiro",
aponta o jornal.
"Será que ainda é
preciso lembrar o impacto desses incêndios sobre a saúde humana",
questiona o editorial, diante do aumento de casos de conjuntivite, rinite,
asma, pneumonia e outras doenças agravadas pela inalação da fumaça tóxica
proveniente das queimadas.
O jornal de linha
editorial progressista reconhece que o desmatamento caiu pela metade no ano
passado em relação a 2022. "Seria mentiroso dizer que nada foi feito, mas
é indiscutível que é preciso fazer mais, muito mais, para preservar o que resta
da Amazônia", conclui o Libération.
• Pantanal acabará e meia Amazônia será
devastada até 2070 nesse ritmo de desmate, diz Carlos Nobre
A intensificação dos
incêndios e queimadas na Amazônia e no Pantanal deixou Carlos Nobre, uma das
maiores autoridades científicas do Brasil na área climática, bastante
assustado. Em entrevista ao Estadão, o climatologista foi franco: se as
mudanças climáticas e a destruição ambiental seguirem desenfreadas, o Brasil
pode assistir ao desaparecimento do Pantanal e à perda de metade da Amazônia
nas próximas décadas.
“Acho que o Pantanal
acaba até 2070”, disse Nobre. “O Pantanal já reduziu 30% nos últimos 30 anos;
está secando. E agora o fogo destrói sua vegetação. Se continuarmos com
emissões altas e só conseguirmos zerá-las em 2050, o que já é um enorme
desafio, poderemos chegar a 2100 com 2,5oC acima da média. Se isso acontecer, o
Pantanal não terá mais lago”.
Enquanto o Pantanal
periga desaparecer, outros biomas brasileiros também estão sob risco de perdas
ecossistêmicas substanciais em meio ao clima extremo. “Todos os biomas estão em
risco. Se o desmatamento continuar desse jeito, a Amazônia vai perder pelo menos
50% da floresta até 2070”, destacou Nobre.
Para Nobre, a escalada
da seca e dos incêndios mostra que a crise climática está se intensificando
muito mais rápido do que o esperado. “A crise explodiu. Temos a maior
temperatura que o planeta experimentou em 100 mil anos. Desde que existem
civilizações, há dez mil anos, nunca chegamos nesse nível, em que todos os
eventos climáticos se tornaram tão intensos e muito mais frequentes”, alertou o
climatologista.
A seca mais intensa da
história do Brasil é efeito direto das mudanças climáticas, intensificada pela
perda de vegetação natural na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado. Como O Globo
pontuou, o desmatamento degrada uma fonte importante de umidade do ar e do
solo, o que resulta na redução das chuvas.
O clima seco é um
fator importante por trás da explosão dos incêndios, mas não é o seu “culpado”.
A esmagadora maioria dos casos de fogo tem origem criminosa, causados
intencionalmente para degradar a vegetação e facilitar o uso da terra para
cultivo ou pasto.
“É muito difícil um
incêndio começar com um cigarro. A grande maioria, tendendo a 100%, é causada
por um isqueiro ou fósforo e alimentada por querosene ou gasolina, alguém que
quis atear. E não existe incêndio natural em período seco no Brasil porque não
há raios”, explicou Christian Berlinck, especialista em ecologia de fogo do
ICMBio.
• É falso que 80% da biodiversidade está
em terras indígenas
A alegação de que 80%
da biodiversidade mundial é encontrada nos territórios dos povos indígenas não
tem base alguma. Um artigo publicado no começo deste mês pela revista
científica Nature aponta que não há dados para sustentar a afirmação, muito
citada nos últimos anos em reportagens, artigos de notícias e até em
publicações científicas.
Em abril deste ano,
por exemplo, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, citou o dado
durante um pronunciamento em cadeia nacional, ao afirmar que "os
territórios indígenas preservam 80% de toda a biodiversidade do planeta".
Em 2022, o diretor de cinema James Cameron foi outro que citou a afirmação ao
promover um novo filme da franquia Avatar. A lista é longa.
Só que os autores do
artigo da Nature afirmam que a alegação é "uma estatística sem
fundamento", não apoiada por nenhum dado real e alertam que ela até mesmo
colocar em risco os próprios esforços de preservação ambiental liderados por
povos indígenas.
"O uso contínuo
desse número por agências das Nações Unidas, organizações não governamentais
(ONGs), jornalistas, biólogos conservacionistas e ativistas e defensores
indígenas, entre outros, pode prejudicar a causa exata que ele está sendo usado
para apoiar", afirma o texto.
Os pesquisadores
ressaltam que as comunidades indígenas desempenham "papéis
essenciais" na conservação da biodiversidade, mas apontam que a alegação
de 80% é simplesmente "errada".
O texto, escrito por
13 autores, incluindo três cientistas de origem indígena, levou cerca de cinco
anos para ser produzido. "Houve relatórios de políticas usando esse
número. Houve relatórios científicos. Ele foi citado em mais de 180 publicações
científicas", diz Álvaro Fernández-Llamazares, etnobiólogo da Universitat
Autònoma de Barcelona e um dos autores do artigo.
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"Diversidade não pode ser facilmente quantificada"
A peça publicada na
Nature afirma que a alegação de 80% "é baseada em duas suposições
enganosas: de que a biodiversidade pode ser dividida em unidades contáveis e
que estas podem ser mapeadas espacialmente em nível global". O cientistas
observam, entretanto que "nenhum dos feitos é possível", pois
biodiversidade "não é algo que pode ser facilmente quantificado".
Fernández-Llamazares
enfatiza, segundo o jornal britânico The Guardian, que a intenção não é culpar
aqueles que usaram o número. "O que estamos questionando é: como pode ser
que esse número tenha ficado sem ser questionado por tantos anos?", ressalta
o cientista.
Para buscar a origem
da afirmação, os cientistas pesquisaram décadas de literatura e citações. Eles
afirmam que não encontraram nenhuma referência aos "80%" antes de
2002 e que a porcentagem começou a ser popularizada nos anos seguintes.
Embora não tenham
encontrado nada que se assemelhasse a um cálculo real, os cientistas acharam
relatórios da ONU e do Banco Mundial do início dos anos 2000 que parecem ter
contribuído para popularização da cifra distorcida. Estes textos, por sua vez,
citaram um artigo de uma enciclopédia sobre regiões ocupadas por povos
indígenas e pesquisas que apontavam que algumas tribos nas Filipinas estavam
"mantendo mais de 80% da cobertura florestal original de alta
biodiversidade".
Nos anos seguintes,
uma versão distorcida dessa afirmação ganhou tração e passou a englobar povos
indígenas em geral em todo o mundo, não só em relatórios de ONGs, mas também em
artigos cinetíficos.
Segundo os autores, ao
menos 186 estudos publicados em revistas científicas como a BioScience e The
Lancet Planetary Health incluiram o dado não comprovado. Como um exemplo de
como a porcentagem de "80%" ganhou popularidade mundo afora, os autores
também mencionam como ela foi usada pelo diretor James Cameron em 2022 e até
mesmo por um site de checagem que a tomou como verdadeira.
Os autores da peça
publicada pela Nature ressaltam, entretanto, que a crítica à alegação dos 80%
não tem intuito de "minar décadas de esforço de organizações de povos
indígenas" na luta para preservar a biodiversidade e influenciar a
política climática e também não quer diminuir o papel "essencial e
verificável considerável que os povos indígenas desempenham na conservação da
biodiversidade do planeta".
• La Niña pode atrasar e ocorrer apenas em
2025, alerta ONU
A Organização
Meteorológica Mundial (OMM) revisou suas previsões de longo prazo e indicou uma
maior probabilidade do fenômeno La Niña ocorrer a partir do final de 2024 ou do
começo de 2025. As novas projeções indicam uma probabilidade de 55% de
transição das atuais condições neutras para o La Niña durante setembro e
novembro de 2024; essa probabilidade aumenta para 60% no período de outubro de
2024 a fevereiro de 2025.
O La Niña descreve o
resfriamento em larga escala das temperaturas da superfície do Pacífico
equatorial central e oriental, juntamente com mudanças na circulação
atmosférica tropical. Os efeitos de cada La Niña variam dependendo de sua
intensidade, mas eles costumam diminuir (ou, no contexto da crise climática,
limitar o crescimento) a temperatura média global.
As projeções
anteriores indicavam uma probabilidade maior do La Niña ocorrer ainda no 3º
trimestre de 2024, mas os novos cálculos indicam que o fenômeno deve ocorrer
mais tarde. Enquanto isso, as temperaturas médias globais seguem batendo
recordes, como observado neste verão no Hemisfério Norte, o mais quente já
registrado.
“Desde junho de 2023,
temos visto uma longa sequência de temperaturas globais excepcionais da
superfície terrestre e marítima. Mesmo que um evento de resfriamento de curto
prazo do La Niña ocorra, ele não mudará a trajetória de longo prazo de aumento
das temperaturas globais devido aos gases de efeito estufa que se acumulam na
atmosfera”, observou a secretária-geral da OMM, Celeste Paulo.
Outra projeção,
apresentada pelo Centro de Predição Climática da Administração Nacional
Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA), ainda mantém uma expectativa maior de
ocorrência do La Niña em 2024. De acordo com o órgão, o fenômeno tem
probabilidade maior de ocorrer (71% de chance) entre setembro e novembro deste
ano e deve persistir até janeiro e março de 2025, o que indica um La Niña mais
fraco e de curta duração.
Bloomberg, CNN Brasil,
Correio Braziliense, Folha, g1, MetSul e Reuters, entre outros, abordaram as
projeções mais recentes sobre o La Niña.
Fonte: RFI/DW Brasil
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