Fumaça, queimadas, seca, onda de calor:
quem são os responsáveis e o que podemos fazer
Que climinha de fim de
mundo, não é mesmo? Diariamente nas redes do ClimaInfo perguntam “o que podemos
fazer?”, “quem são os responsáveis?” e, para sanar tais angústias, trouxemos
respostas. A boa notícia: há o que fazer, não é preciso inventar a roda, e as
soluções podem ser colocadas em prática imediatamente.
Vamos começar do
básico: o que se vê em boa parte do Brasil é uma mistura de ação humana pontual
(queimadas e fumaça) e ação humana contínua (desmatamento e degradação
ambiental e crise climática, que gera aumento de secas prolongadas e ondas de
calor).
Os responsáveis são
inúmeros: desde o vereador da sua cidade que nega que o clima está mudando,
passando pelo latifundiário que põe fogo para desmatar com mais rapidez e a
preço mais baixo, e chegando ao deputado que vota no enfraquecimento da
legislação ambiental e ao presidente que não fortalece os principais órgãos de
controle e fiscalização ambiental.
• Fumaça e queimadas
Neste momento, o
Brasil tem cerca de 60% de seu território coberto por fumaça das queimadas. A
fuligem proveniente das queimadas e dos incêndios chegou até mesmo às capitais
da Argentina e do Uruguai. A origem é diversa, informa o g1: interior de São
Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul e, com mais intensidade, região sul da
Amazônia, que inclui os estados do Amazonas, Pará e Mato Grosso.
A Polícia Federal (PF)
abriu 33 inquéritos sobre incêndios no país e apura ação coordenada em São
Paulo, conta o InfoMoney. A PF constatou, com base em imagens de satélite, que
ocorreram uma série de focos de calor em diversos pontos do território paulista,
em horários muito próximos, no que já vem sendo chamado de “Novo Dia do Fogo”.
Ainda no estado de São
Paulo, 15 pessoas foram presas por suspeita de provocar incêndios – O g1 lista
cada um dos casos. As justificativas dadas pelos suspeitos às autoridades vão
de acidentes com bitucas de cigarro jogadas na vegetação sem intenção de causar
dano ao meio ambiente, hábito de colocar fogo em lixo até confissões dos
crimes. Alguns deles negaram participação nos incêndios.
N’O Globo, a
pesquisadora do INPE, Luciana Gatti, afirma que “o governo deveria decretar
estado de emergência climática”. Luciana alerta que a seca não é a principal
culpada pela alta de queimadas, mas sim a ação criminosa em campo.
Segundo a
especialista, a situação só irá se reverter com um modelo econômico mais
sustentável, sem a predação ambiental do agronegócio. De 2019 a 2022, a
Floresta Amazônica perdeu 50 mil km². Apesar de o governo atual diminuir o
desmatamento em 40%, essa perda não foi recuperada. “Demora muitas décadas para
a floresta voltar. Agora está cada vez mais seco, quente e o fogo cada vez mais
incontrolável”, explica.
Segundo Luciana, a
porção leste da Amazônia está num nível de degradação que afeta bastante o
regime de chuvas do Brasil.
Em 2021, já alertamos
sobre a situação. Em 2023, Luciana havia proposto “determinar um estado de
emergência na Amazônia: é proibido desmatar e multa alta pra quem taca fogo de
julho a outubro”.
Metade da chuva vem da
própria evapotranspiração da floresta. Se diminui a vegetação, diminui a chuva.
Não foi só o fenômeno El Niño e a anormalidade de temperatura do Oceano
Atlântico que causaram a seca, mas o desmatamento acumulado também, tornando a floresta
mais inflamável. E os criminosos aproveitam.
Cada região precisa
ser avaliada de acordo com seu histórico e necessidade, por isso a importância
da integração de diversos órgãos para a contenção dos danos socioambientais.
Como destaca o MapBiomas, no início de 2024 houve uma concentração significativa
de incêndios nas áreas de vegetação campestre de Roraima – o estado,
diferentemente do restante do bioma amazônico, costuma vivenciar secas nos
primeiros meses do ano.
Em junho, o fogo se
concentrou mais no Cerrado e no Pantanal, regiões que enfrentam antecipadamente
sua temporada de chamas devido à redução das chuvas e ao aumento das
temperaturas.
“O fortalecimento de
medidas de comando e controle precisa continuar, os órgãos de fiscalização, bem
como os povos originários que preservam a floresta, precisam ser valorizados e
apoiados”, reforça Luciana.
• Seca e onda de calor
Uma das maiores
especialistas em fogo do país, a diretora do Instituto de Pesquisa Ambiental da
Amazônia (Ipam), Ane Alencar, afirma que essa é a primeira vez que temos um
cenário de seca forte em vários biomas brasileiros ao mesmo tempo. O Fantástico
aponta que essa é a maior seca da história do Brasil e que ela tem afetado
1.400 cidades no país – um quarto de todas as cidades brasileiras. Esse é um
resultado direto das mudanças climáticas.
O mundo registrou, em
2024, o mês de agosto mais quente da história. E, dos últimos 14 meses, 13
registraram temperatura média 1,5 ºC mais quente do que o período antes da era
industrial.
“Isso faz todos os
eventos extremos explodirem. As ondas de calor, as secas, as chuvas
superintensivas e, até mesmo globalmente, recordes de incêndios florestais”,
diz o climatologista Carlos Nobre.
No contexto
brasileiro, o desmatamento é o principal impulsionador das emissões de gases do
efeito estufa (GEEs). Mas a atividade das empresas de petróleo e gás fóssil
também tem se destacado, seguindo o mau exemplo de outros países.
No mundo, as
petroleiras representam um terço das emissões que colaboram para a crise
climática. Na COP28, em Dubai, 198 países assinaram o acordo de “transição em
direção ao fim dos combustíveis fósseis”, que determina que os países mudem
seus sistemas energéticos “de forma justa, ordenada e equitativa”.
Porém, o Brasil tem
ignorado esse compromisso assumido com a ONU e conosco. A Petrobras e vários
integrantes do governo com uma visão desenvolvimentista do século passado
insistem em pressionar o IBAMA para liberar a perfuração de um poço na foz do
Amazonas, uma área extremamente sensível ambiental e socialmente. E a nova
presidente da estatal, Magda Chambriard, junto do ministro de Minas e Energia,
Alexandre Silveira, estão longe de buscar transformar a empresa em uma empresa
de energia renovável.
Para conter a crise
climática, o petróleo na foz do Amazonas não pode ser explorado. E mais:
especialistas do setor de energia já afirmam que o mundo não precisa explorar
mais petróleo, enquanto países investem na transição energética justa para
cumprir suas Contribuição Nacionalmente Determinada (NDCs).
Recentemente, o
Observatório do Clima (OC) lançou a atualização de suas propostas para a NDC
brasileira. O documento comprova que sim, é possível conter o desmatamento e
promover a transição energética justa nos solos brasileiros.
“Todas as medidas
sugeridas na NDC do OC são factíveis, escaláveis e baseadas em tecnologias
existentes. Com efeito, as medidas mais ousadas sugeridas – zerar o
desmatamento e recuperar 21 milhões de hectares de florestas – são,
respectivamente, um compromisso já adotado pelo país e o mero cumprimento de
uma lei, o Código Florestal”, destaca o documento.
• O que fazer?
As ondas de calor e os
eventos climáticos extremos só vão parar se medidas em nível político e
estrutural forem tomadas. Por isso, é necessário que, na esfera individual,
você pense no seu poder de cidadão e cobre.
Exija dos políticos
nas redes sociais, nos comícios, em cartas assinadas colaborativamente, como o
movimento “O futuro é nosso” e o Plano Clima Participativo, que cumpram seu
dever de proteção ambiental e social. Há muito o que se fazer, estratégias já desenhadas,
planos em ação que podem ser fortalecidos, como:
o Endurecer a legislação. Quem diz isso é
Rodrigo Agostinho, presidente do IBAMA. Veja, por exemplo, as investigações
sobre o “Dia do Fogo”: após cinco anos, elas foram arquivadas e ninguém foi
responsabilizado.
o Aumentar penas: hoje, em casos de
incêndio, a legislação prevê penas de dois a quatro anos de reclusão. Penas
assim permitem o que chamamos de transação penal, em que a pessoa troca a
cadeia por cestas básicas. E isso vale para um incêndio de alguns metros
quadrados ou para 100 mil hectares de floresta – uma área quase do tamanho da
cidade do Rio de Janeiro -, destaca Agostinho.
o Cobrar os governos do seu estado para
fortalecer o corpo de bombeiros – esse arcabouço fica sob o comando do estado,
não do governo federal.
o Cortar crédito rural às propriedades que
desmatam ilegalmente.
o Aplicar nacionalmente a Lei do Manejo
Integrado do Fogo.
o Aumentar transparência e rastreabilidade
na cadeia produtiva da carne, em especial a bovina.
o Homologar Territórios indígenas e
Quilombolas.
o Arquivar projetos que geram impactos
severos na sociobiodiversidade, como o asfaltamento da BR-319 e a exploração de
petróleo na Foz do Amazonas.
o Exigir do Supremo Tribunal Federal (STF)
a suspensão imediata da lei do marco temporal para Terras Indígenas, que a
própria corte já declarou ser inconstitucional, mas que deputados e senadores
insistem em defender.
o Proteger os defensores ambientais –
Brasil foi o 2º país que mais matou ativistas ambientais em 2023.
o Investir em ações para mitigar o
sofrimento das populações vulneráveis, como ribeirinhos isolados pela seca na
Amazônia. Exemplos dados pelo pesquisador do Instituto de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá, Ayan Fleischmann, vão de investimentos no abastecimento
de água e tratamento de resíduos orgânicos a distribuição de kits emergenciais
de tratamento de água.
• A dimensão da seca e dos incêndios que
atingem o Brasil
Rios secam.
Ribeirinhos andam por bancos de areia quente onde antes havia água. Brigadistas
combatem incêndios em todos os biomas brasileiros. Animais sofrem com a sede e
morrem queimados pelo fogo. A fumaça espalha-se pelo país, afetando a saúde de
milhões de pessoas e deixando o pôr do sol entre alaranjado e avermelhado. Tudo
isso é reflexo da maior seca que atinge o Brasil pelo menos desde 1950.
Profissionais do
Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) já
percebiam que a seca seria grave neste ano. Na semana passada, divulgaram uma
nota confirmando a gravidade do problema a partir de uma série de informações
colhidas a partir de 1950. "Olhando dados diferentes nós chegamos à mesma
conclusão: é a seca mais extensiva, a mais intensiva e a mais duradoura",
explicou a pesquisadora e especialista em secas do Cemaden, Ana Paula Cunha.
A falta de chuvas
explica, em parte, outro fenômeno que assola o Brasil: os incêndios. Dados do
Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também mostram recordes na série de medições,
que teve início em 2012. Neste ano, cerca de 21,7 milhões de hectares foram
queimados na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal – uma área maior que o estado
do Paraná.
"Estamos em um
momento emergencial. Temos que cuidar da saúde, principalmente dos mais
vulneráveis, e não piorar a situação. Então, de forma nenhuma fazer nenhum tipo
de fogo", orientou a professora do Departamento de Ecologia da
Universidade de Brasília (UnB) Isabel Belloni Schmidt.
"Nesta época
todas as queimas são humanas. Não existe queima natural na seca. As queimas
naturais são por raios e só acontecem quando está tendo chuva," frisou
Schmidt. E as previsões indicam que a situação não deve melhorar até o fim do
ano.
<><> O
tamanho e a intensidade da seca
A seca atual atinge
cerca de 59% do território brasileiro. "Olhando para o gráfico há algumas
secas em destaque, como a de 1997 e 1998, que afetou basicamente a região Norte
e parte da região Nordeste e foi decorrente de um El Niño. Depois teve a seca
de 2015 e 2016, que foi muito extensiva e afetou grande parte do Centro-Norte
do país. Agora, na seca que teve início em 2023 e continua até hoje, é a
primeira vez que vemos essa condição de Norte a Sudeste do país", avaliou
a pesquisadora do Cemaden.
Outra forma de olhar
para o fenômeno é por meio do Índice de Precipitação Padronizado de
Evapotranspiração (SPEI, na sigla em inglês). O indicador é medido por dois
aspectos: a quantidade de chuva que cai e a quantidade de água que se perde
pela evaporação, como do solo e dos rios, e pela transpiração das plantas.
"É um indicador
de disponibilidade de umidade, de disponibilidade hídrica. Quanto mais negativo
é o índice, menor é a precipitação e maior é a evapotranspiração. Ou seja,
causa um balanço negativo de disponibilidade hídrica", explicou Cunha. Os
dados da seca atual, mesmo que parciais, já apresentam valores de SPEI mais
negativos, indicando ser a mais intensa e extensa da série histórica.
De acordo com Ana
Paula Cunha, a seca deve piorar no Nordeste. "Muito provavelmente os
últimos meses serão mais críticos no Nordeste. Vai ser uma seca mais curta, mas
pode ter impacto porque a região é mais vulnerável no aspecto socioeconômico e
vai coincidir justamente com o início do ciclo agrícola da agricultura
familiar".
A previsão indica uma
melhora no cenário apenas na virada do ano. Um dos fatores que deve ajudar é a
formação do La Niña, fenômeno natural que gera um resfriamento das águas em uma
faixa do Oceano Pacífico e altera as condições climáticas. Com isso, espera-se
mais chuva, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.
"Pode ser que com
a La Niña as chuvas sejam, pelo menos, dentro da média na maior parte do país.
Mas o sinal se inverte para o Rio Grande do Sul, que passou por uma inundação e
vai voltar a ter uma seca. Lembrando que o Rio Grande do Sul passou por uma
seca muito intensa antes da inundação. O estado ainda estava respondendo quando
veio a grande inundação", analisou a especialista do Cemaden.
Manejo do fogo
Se, no curto prazo, é
preciso evitar as queimadas e combater os incêndios, no médio e longo prazo a
solução passa por atitudes que gerem um meio ambiente mais equilibrado, como o
combate ao desmatamento, sugeriu a professora Isabel Belloni Schmidt. Oito das
12 bacias hidrográficas do Brasil, por exemplo, dependem do Cerrado. Na medida
em que a vegetação desse bioma é perdida, por fogo ou por processos agrícolas
intensivos, menos água chega ao Pantanal.
A Amazônia também leva
água ao Sudeste e ao Sul por meio dos rios voadores. O desmatamento do bioma,
portanto, contribui com a seca, agravada pelas mudanças climáticas. Os
incêndios e o desflorestamento também estão muito associados, mesmo que os
índices estejam caindo na região.
"Muitas vezes
você tem o incêndio nas áreas que foram desmatadas anteriormente porque viraram
pasto. Então não é automático [a queda do desmatamento e queda dos incêndios].
Por isso há projetos de lei tramitando no congresso para proibir a venda de terras
que foram incendiadas. Porque é uma forma de grilagem, de uso da terra",
avaliou Schmidt.
Outra solução para
combater os incêndios, após o período de crise, é o Manejo Integrado do Fogo
(MIF). Em julho, foi promulgada uma lei sobre o tema e, nesta terça-feira
(10/09), o governo publicou um decreto para a formação de um comitê nacional e
do Centro Integrado Multiagência de Coordenação Operacional Federal (Ciman
Federal).
Segundo a professora,
que coordena a frente de MIF na Rede Biota Cerrado, a prática é uma forma de
pensar a paisagem considerando o fogo como um elemento. "No Cerrado, você
vai considerar o fogo como um elemento natural e humano, porque as pessoas usam
fogo por diversos motivos. Na Amazônia, você vai considerar que o fogo é apenas
um elemento humano, mas você vai considerar que ele existe e vai partir dessa
perspectiva para planejar o seu ambiente de forma a diminuir incêndios."
As queimas precisam
ser realizadas em períodos mais úmidos para que o fogo seja menos potente e não
se alastre de forma incontrolável. Dessa forma, será atingida a vegetação muito
seca, chamada de combustível pelos ecologistas, criando mosaicos na paisagem.
E, na próxima vez que a área for atingida por um incêndio, não será tão
afetada. "Então ela tem formatos muito mais variados e vai funcionar com
uma barreira."
Há outra sugestão que
a professora da UnB tem repetido: colocar o tema em pauta nas eleições
municipais. "No histórico brasileiro não temos governantes que de fato
entendem e colocam o meio ambiente como uma pauta, inclusive porque a sociedade
não entende que isso é importante. Mas passar por essa tragédia climática
talvez coloque isso na pauta".
Fonte: ClimaInfo/DW
Brasil
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