sexta-feira, 13 de setembro de 2024

A música já foi proibida em alguns países – mas seus artistas encontraram uma maneira de tocar

Banir músicas das ondas de rádio é uma coisa, mas algumas nações proibiram a música completamente em seus países por muito tempo. O poder da música de provocar e unir tem sido, há muito tempo, uma faca de dois gumes. 

Seja por motivos religiosos, políticos ou morais, as músicas que desafiam o status quo são frequentemente silenciadas. A famosa rede de comunicação britânica BBC se recusou a tocar a música “God Save the Queen” da banda de punk rock Sex Pistols. Por um momento, os Estados Unidos proibiram faixas dos The Beatles; a China proibiu o K-Pop (ritmo pop sul-coreano) temendo sua influência global; já a Alemanha nazista proibiu o jazz na época e a ditadura militar do Brasil censurou 500 músicas entre 1964 e 1985.

Algumas proibições, entretanto, foram mais abrangentes ao longo da história. Quando o Talibã retomou o poder no Afeganistão em 2021, restabeleceu sua proibição anterior de música. No entanto, apesar dessas restrições, a capacidade da música de desafiar a repressão continua a ecoar em todo o mundo.

“Um governo pode reprimir qualquer tipo de produção musical que desejar, mas a produção musical continuará”, diz Marianne Franklin, autora do artigo acadêmico “Global Music Politics: Whose Playlist for Troubled Times”.

·        O ano em que a música parou

Em 1975, o Khmer Rouge, um movimento comunista radical, iniciou seu reinado de terror no Camboja. Os cidadãos foram despojados de suas casas, bens e cultura, e qualquer pessoa que pudesse desafiar o novo regime, inclusive intelectuais e artistas, foi morta. Durante quatro anos, o Khmer Vermelho apagou grande parte do rico patrimônio cultural do Camboja, inclusive sua música.

Antes do que foi chamado de Ano Zero, o Camboja estava em meio a uma era de ouro da música nos anos 1960 e início dos anos 1970. As pistas de dança estavam cheias de homens em ternos elegantes e mulheres em minissaias, dançando ao som de músicas psicodélicas inspiradas nos sons do rock'n'roll, que chegavam pelas ondas de rádio dos barcos americanos estacionados no Mar do Sul da China. 

Artistas cambojanos, como a estrela pop Sin Sisamouth, eram nomes conhecidos. Embora algumas pessoas tenham tentado salvar seu patrimônio musical escondendo discos, o reinado do Khmer Vermelho tornou quase impossível preservar essa cultura vibrante.

“Quando a música é proibida, esses benefícios são perdidos, levando a um vazio emocional e psicológico significativo”, afirma Ehab Youseff, psicoterapeuta radicado no Egito.

Agora, décadas depois, o Camboja está começando a recuperar seu patrimônio musical perdido. O Gong, o maior centro cultural e de artes do Camboja, acaba de ser inaugurado a 59 Km a nordeste de Phnom Penh. Com um moderno estúdio de gravação e um auditório de 140 lugares, o Gong tem como objetivo celebrar, preservar e revitalizar a música cambojana, documentando a música tradicional do Khmer e apoiando novos artistas com tecnologia de ponta.

A cantora e compositora Lomorkesor Rithy, conhecida como Kesorrr, foi uma das primeiras a se apresentar no The Gong. Tendo crescido com a música ocidental, mais tarde ela procurou explorar a Era de Ouro do Camboja e foi cofundadora do Plerng Kob, um centro criativo, e do Bonn Phum, um festival cultural anual. 

No pós-guerra, Lomorkesor diz que a cena musical cambojana era composta por covers e cantores de karaokê. “Agora temos pop, rock, R&B e hip-hop [originais]”, diz ela. “Houve um momento em que perdemos nossa identidade. Temos que começar do zero e encontrar os sons novamente.” 

A diáspora cambojana também está espalhando a palavra. A banda norte-americana Dengue Fever, com a participação do vocalista cambojano Chhom Nimol, lançou seu álbum Ting Mong em 2023, inspirado na música cambojana dos anos 1960. Seu sucesso na Europa e nos Estados Unidos e suas aparições na TV cambojana destacam o interesse global no patrimônio musical do Camboja.

Zac Holtzman, cofundador da banda, disse que eles ficaram surpresos com a resposta que receberam durante a turnê pelo Camboja. “Um cara que estava quase chorando disse que o Camboja está mal há algum tempo, e isso é muito bom para lembrarmos que temos uma bela música e que ela não foi esquecida no país.”

·        Apresentações escondidas

Enquanto o Camboja trabalha para reviver seu patrimônio musical, outros países continuam a navegar no equilíbrio entre a expressão artística e as restrições governamentais. Nas décadas de 1960 e 1970, a Arábia Saudita promoveu ativamente as artes. 

No entanto, isso mudou radicalmente em 1979, quando a al-Jamaa al-Salafiya al-Muhtasiba, liderada por um pregador, tomou a Grande Mesquita de Meca. Pouco tempo depois, o governo saudita adotou uma postura mais conservadora, resultando no fechamento de cinemas e na proibição de apresentações musicais públicas.

Para Emad Ashour, 44 anos, de Jeddah, essa mudança significou perseguir sua paixão pela música a portas fechadas. Inspirado por famosas bandas de rock ocidentais como Metallica e Kiss, Ashour aprendeu a tocar guitarra sozinho e acabou formando a banda de heavy metal chamada Immortal Pain, em 2005. “Naquela época não havia internet, então comecei a aprender sozinho, fiz algumas aulas e estudei livros.”

Ashour e sua banda passaram a fazer parte de uma cena underground de heavy metal na Arábia Saudita, apresentando-se apenas em locais privados devido à falta de licenças oficiais.

Uma nova era começou com a ascensão de um novo rei em 2015, levando a mudanças rápidas à medida que a Arábia Saudita buscava diversificar sua economia para além do petróleo. Em 2017, Riad sediou seu primeiro show ao vivo em 25 anos. 

Logo depois, o país começou a construir uma arena esportiva e de entretenimento com 20 mil lugares perto da cidade de Diriyah, que faz parte da Unesco. Conhecidos cantores internacionais como o rapper Post Malone se apresentaram no reino, e o festival Soundstorm, uma rave de quatro dias no deserto onde homens e mulheres dançam juntos sem segregação, tornou-se um destaque.

Em 2021, a Immortal Pain se tornou a primeira banda de heavy metal a se apresentar publicamente em um evento de grande escala na Arábia Saudita, na Comic Con Arabia em Jeddah. “Não havia medo”, conta Ashour. “Havia uma empolgação porque finalmente nossa música estava sendo reconhecida.”

Desde o show, outras bandas de heavy metal se apresentaram, como o Metallica e uma banda de rock psicodélico saudita só de mulheres, a Seera, que se apresentou na cidade de Riad.

“Pode-se dizer que temos um pouco de inveja, pois hoje em dia é mais fácil”, revela Ashour. “Mas temos orgulho do que aconteceu nos anos 1990, da luta para encontrar lugares [underground] para tocar. Era emocionante.”

·        Encontrando um novo ritmo

Os povos saudita e cambojano não são os únicos que sofreram restrições severas à sua música. No Irã, a revolução de 1979 interrompeu repentinamente a música, pois os novos líderes islâmicos xiitas achavam que ela corrompia os jovens. A música tradicional pôde ser tocada dentro de alguns meses, mas as faixas ocidentais e as cantoras solo não eram mais culturalmente aceitáveis.

Agora, 45 anos depois, a música clássica, folclórica e pop iraniana preenche as vias aéreas, e os artistas de rua podem ser vistos nas vias públicas da capital do país, Teerã. O músico eletrônico ocidental Schiller chegou a se apresentar em Teerã em 2017. 

Entretanto, nem todos os artistas têm a liberdade de se apresentar abertamente. Cantoras solo podem aparecer no The Voice Persia, mas o programa é gravado na Suécia. Enquanto isso, a música rap ganhou popularidade, mas os artistas que escrevem letras consideradas ameaçadoras pelas autoridades podem ser presos.

 

Fonte: National Geographic Brasil

 

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