sexta-feira, 13 de setembro de 2024

A financeirização do meio ambiente brasileiro

A atual estratégia de enfrentamento das mudanças climáticas consiste basicamente na criação de mecanismos econômicos de flexibilização. Criar serviços mercantilizáveis sobre o meio ambiente pressupõe que a natureza seja contínua e crescentemente produzida como espaço abstrato médio e genérico e em acordo com as demais mercadorias, de modo a torná-la alienável.

O atual momento da reprodução capitalista se caracteriza pela dominância das formas de autovalorização sobre a reprodução geral do sistema. Em linhas gerais, o movimento da financeirização corresponde ao de tornar todo o capital mobilizável. A principal tendência da financeirização é a de que a reprodução capitalista como um todo passa a responder à dinâmica e à temporalidade das trocas financeiras.

Portanto, a compreensão das estratégias capitalistas de combate às mudanças climáticas e o aquecimento do planeta – consequências do próprio modo de produção – exige uma análise da financeirização do meio ambiente.

O mercado verde

O enfrentamento das mudanças climáticas foi institucionalizado com o Protocolo de Quioto, ratificado em 2005, que criou uma série de mecanismos de flexibilização econômica apoiados no sistema financeiro. Entre eles, o comércio dos créditos de carbono, o qual exige a verificação da cláusula da adicionalidade, ou seja, a exigência de que a atividade proporcione uma redução adicional de gases do efeito estufa (GEE), ou que preserve sumidouros, no caso dos REDD+. Contudo, a atividade que era conduzida pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) foi oficialmente descontinuada em 2015, na COP21, em Paris, e aguarda, desde então, a institucionalização de um novo órgão regulador.

Ainda na COP21, países não Anexo I, a exemplo do Brasil, estabeleceram metas ambientais, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), a serem alcançadas a partir de 2025. Contudo, mesmo com a aprovação da criação de um fundo voltado para o financiamento à adaptação e mitigação das perdas e danos climáticos – pauta reivindicada ao longo de décadas pelos países periféricos, e em conexão com as NDCs, na COP27, realizada no Egito –, sua criação não saiu do papel.

Diante desse vácuo regulatório, o mercado voluntário de emissões assistiu ao crescimento de suas negociações, por meio da criação de empresas especializadas na implementação de programas de certificação e de outras especializadas em auditá-los. Contudo, nos últimos 24 meses, esse mercado voluntário passou a enfrentar uma série de revezes na forma de denúncias contra as principais empresas de criação e auditoria de adicionalidade em projetos de emissão de créditos certificados, tais como a South Pole e a Verra, respectivamente.

•        Vanguardismo brasileiro

Diante desse cenário de incerteza do mercado voluntário e da indefinição arrastada por décadas sobre o financiamento internacional para as mudanças climáticas voltado aos países não Anexo I, o governo de Luís Inácio Lula da Silva, ainda em 2023, anunciou uma série de medidas para o financiamento de ações estratégicas contra as mudanças climáticas. Desde a retomada das doações para a preservação do meio ambiente por meio do Fundo Amazônia, congeladas durante o governo de Jair Bolsonaro, até novos instrumentos financeiros e marcos regulatórios destinados ao financiamento de ações do Estado para o cumprimento das NDCs, bem como dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) propostos pela ONU.

O governo Lula 3 assume, assim, o vácuo institucional deixado pelo fim do MDL e pela morosidade das COPs em viabilizar a criação de um fundo para o financiamento que permita aos países não Anexo I se adaptarem às mudanças climáticas e as combaterem. No ano de 2023, o governo anunciou a criação e a regulamentação de um título temático verde, com o lançamento de um título de dívida externa de financiamento com uso pré-determinado dos recursos, vencimento de 7 anos e taxa de juros de 6,5% ao ano.

Em novembro de 2023, foram lançados os Títulos Públicos Soberanos Sustentáveis, com a captação de 2 bilhões de dólares no mercado internacional. Ao todo, são três tipos de título temático: os títulos verdes, os títulos sociais e, por último, os títulos sustentáveis que reúnem os dois temas anteriores. O Comitê de Finanças Sustentáveis Soberanas, o CFSS, foi criado para responder pela alocação e transparência dos recursos, conforme determinado pelo arcabouço7 elaborado para sua operacionalização.

O atual governo assiste ainda à tramitação no legislativo federal do novo PL dos Créditos de Carbono (n.º 2229/2023), apresentado pelo senador Rogério Carvalho (PT/Sergipe), que propõe na sua redação tornar ainda mais robusta a atividade de emissões de crédito de carbono no país ao escrutinar os elos da cadeia de custódia de emissão dos certificados e interpor a criação de um mercado específico para transações dos certificados representativos dos créditos de carbono, o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões, o MBRE.

•        Agronegócio brasileiro

Por sua vez, o Brasil é um dos maiores produtores mundiais de alimentos e demais soft commodities. O setor do agronegócio exportador bate continuamente recordes de produção e foi elemento fundamental no mais recente ciclo de crescimento econômico do país, puxado pelo boom das commodities, entre 2003 e 2012. Com o aumento dos preços das commodities no mercado internacional, cresceram os investimentos no setor ao mesmo tempo que se intensificou o processo de desindustrialização, ampliando a vulnerabilidade econômica do país, conforme mostra ampla literatura especializada.

Ao mesmo tempo, o Brasil abriga 60% da floresta amazônica, a maior floresta tropical e o maior sumidouro terrestre de CO2 atmosférico do planeta. Dos nove itens estabelecidos como ações elegíveis ao financiamento pelos Títulos Soberanos Sustentáveis, cinco estão diretamente ligados à preservação de florestas, a adaptações às mudanças climáticas, às transformações no uso do solo, ao aumento da resiliência e à redução das perdas de produtividade agrícola.

Em 2020, mais de dois terços das emissões de GEE brasileiras foram oriundos de atividades relacionadas diretamente à agropecuária (29%) e a ações ligadas ao uso do solo, mudança no uso do solo e florestas (38%), conforme dados apresentados no referido arcabouço do projeto. Ao todo, as atividades que compõem o setor agroexportador possuem alta correlação com a redução de sumidouros e da biodiversidade, além de problemas relacionados à integridade dos territórios de povos indígenas e de comunidades tradicionais.

A presença dos grandes detentores de capital nacional e internacional se manteve ligada aos ramos tradicionais de investimentos no país, mesmo com a posição diferenciada em relação aos demais países da periferia do capitalismo. Acrescenta-se ao cenário econômico o fato de que o desenvolvimento do capitalismo financeiro no Brasil traduziu-se em um capitalismo de finanças não industrializantes, o qual não se atrelou à expansão do mercado acionário e/ou à expansão privada de crédito, mas à especulação junto ao mercado aberto de títulos públicos pressionando o elevado patamar das taxas de juros praticadas no país. Portanto, devemos dedicar atenção à dinâmica de investimentos do grande capital financeiro nacional junto ao setor agroexportador, alavancados pelos Fiagros, desde 2021.

•        O paradoxo de Lauderdale

O investimento financeiro internacional tem forte presença junto à produção agrícola mundial, sendo alocado em diversos setores da cadeia produtiva envolvidos com práticas de desmatamento e poluição ambiental. Por outro lado, esses mesmos atores investem também no mercado voluntário de carbono a fim de promover a contabilidade zero de suas ações e obter rendimentos com a emissão dos certificados de emissões. Dessa forma, a dinâmica da certificação de carbono aparece como um possível denominador comum aos diversos interesses econômicos envolvidos com o setor agrícola.

O paradoxo de Lauderdale diz respeito à seguinte contradição: no capitalismo, o mesmo agente econômico pode ser encontrado investindo, simultaneamente, em atividades relacionadas à degradação ambiental e em sua recuperação. Dessa forma, ele se beneficiaria de ambos os negócios, promovendo o problema enquanto vende a solução.

Registra-se, contudo, que até setembro de 2012, final da primeira fase do Protocolo de Quioto, o mercado de créditos de carbono havia sido responsável pela redução das emissões em meros 0,02%, o que corresponde a pouco mais de 10 milhões de toneladas métricas de carbono frente à meta de 4,5 bilhões estipulada na primeira etapa.

 

•        Aumentar os juros é rapinagem sobre economia brasileira. Por Albertp Cantalice

Desde a posse do Presidente Lula neste terceiro governo, as forças que compõem o chamado mercado financeiro erraram em sequência suas projeções de crescimento da economia e da taxa de inflação.

A partir da recente especulação do dólar, cuja intervenção tardia do Banco Central deixou fluir, os “analistas” da grande mídia e os “Farialimers” apostam no crescimento da Taxa Selic.

Os juros brasileiros, segunda maior taxa do mundo, servem como um freio na atividade econômica e no investimento. Qual empresário ou investidor correria algum risco em investir na produção se a remuneração inercial via Tesouro é mais vantajosa? A resposta é simples: nenhum.

A recente informação é de que a inflação, em vez de aumentar, como previa o Boletim Focus do Banco Central, retraiu. Isto é, houve deflação de 0,2%.

Em vez de diminuir o ritmo da rapinagem, o dado foi motivo de retórica de distorção dos “especialistas” com o argumento de ponto fora da curva. Sem sustentação futura. Mentira.

A desaceleração nos preços dos alimentos – salvo aqueles produtos que enfrentam sazonalidade climática: frutas e legumes – segue em queda. Um bom exemplo, ainda, são os produtos de origem animal.

Recentemente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou: “A indústria voltou forte, a formação bruta de capital fixo veio acima das projeções, o que significa mais investimento. Nós temos que olhar muito para o investimento, porque é melhor é ele que vai garantir um crescimento com baixa inflação”.

Concordo plenamente com a explanação do ministro: é importante destacar que o principal motivador do processo inflacionário é a demanda maior que a oferta. Para aumentar a oferta demanda-se o crescimento da produção.

É o oposto do excessivo grau de financeirização da economia, onde dinheiro gera dinheiro e é o verdadeiro motor de inibição do desenvolvimento.

O neoliberalismo e a consequente captura dos organismos multilaterais mundo afora pela lógica do capital improdutivo é a praga que alimenta as desigualdades e garantem o círculo vicioso da desestruturação das sociedades.

É preciso avançar em um outro caminho. É possível! 

 

Fonte: Por Ana Paula Salviatti, no Blog da Boitempo/Brasil 247

 

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