O que é o Grupo
Wagner, mercenários ligados à Rússia
Um
ex-comandante do Grupo Wagner – uma empresa paramilitar privada com fortes
ligações com o Kremlin – pediu asilo na Noruega após abandonar a controversa
organização.
Andrey
Medvedev, de 26 anos, foi preso por guardas de fronteira perto do vale
Pasvikdalen, depois de ingressar no país escandinavo. As autoridades de
imigração norueguesas confirmaram que Medvedev buscou abrigo no país, mas se
recusaram a dar mais detalhes.
Medvedev
não é o único membro do Grupo Wagner a desertar. Em setembro, Yevgeny Nuzhin,
um ex-assassino condenado que havia se juntado ao grupo como mercenário, se
rendeu na Ucrânia.
Ele
deu uma série de entrevistas criticando a liderança russa e revelando as
terríveis condições nas frentes de combate que o levaram a desertar. Depois de
ser trocado como prisioneiro de guerra, um vídeo macabro surgiu no aplicativo
de mensagens Telegram mostrando Nuzhin sendo executado com uma marreta.
O
Grupo Wagner já era conhecido por suas táticas brutais, mas o assassinato de
Nuzhin intensificou o escrutínio internacional dos combatentes mercenários,
assim como o fato de o grupo ter se tornado cada vez mais importante para o
esforço de guerra russo na Ucrânia.
·
Como
surgiu o Grupo Wagner?
O
Grupo Wagner está sob os holofotes por seu papel na guerra na Ucrânia.
O
grupo foi fundado em 2014 e uma de suas primeiras missões conhecidas foi na
península ucraniana da Crimeia, naquele mesmo ano, quando mercenários com
uniformes sem identificação ajudaram forças separatistas apoiadas pela Rússia a
tomar a região.
Após
a invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, Moscou inicialmente usou
os mercenários para reforçar as forças da linha de frente, mas, desde então,
passou a contar cada vez mais com eles em batalhas críticas, como nas cidades
de Bakhmut e Soledar.
A
empresa paralimitar, seu dono e a maioria dos seus comandantes foram alvo de
sanções dos Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia (UE).
·
Quem
integra o Grupo Wagner?
A
companhia militar privada Wagner já existia muito antes do início da guerra na
Ucrânia e era composta por alguns milhares de mercenários.
Acreditava-se
que a maioria deles eram ex-soldados de elite altamente treinados. Mas quando
as perdas da Rússia durante a guerra na Ucrânia começaram a aumentar, o
proprietário da empresa, o oligarca Yevgeny Prigozhin, ligado ao
Kremlin, começou a expandir o grupo, recrutando prisioneiros e civis russos,
assim como estrangeiros.
Em
um vídeo que circula na internet desde setembro de 2022, Prigozhin é visto no
pátio de uma prisão russa se dirigindo a uma multidão de condenados e
prometendo que, se eles servissem na Ucrânia por seis meses, suas sentenças
seriam comutadas.
Estima-se
que o Grupo Wagner tenha até 20 mil soldados lutando na Ucrânia.
Apesar
de sua crescente presença na guerra, a eficiência do Grupo Wagner não é clara,
com analistas sugerindo que o grupo sofre um grande número de baixas sem fazer
avanços significativos.
·
Operando
em uma zona cinzenta legal
O
estabelecimento de empresas militares privadas é ilegal de acordo com a
Constituição russa, que estabelece que a responsabilidade pela segurança e
defesa cabe exclusivamente ao Estado.
O
Código Penal da Rússia proíbe que os cidadãos sirvam como mercenários, mas
empresas estatais podem ter forças de segurança armadas privadas. Tais brechas
na lei russa permitem que o Grupo Wagner opere em uma zona cinzenta semilegal.
O
Grupo Wagner já trabalhou na África, por exemplo, fornecendo apoio e segurança
para mineradoras russas e outros clientes. A Rússia tem sido acusada de usar o
grupo como uma ferramenta para obter controle sobre os recursos naturais na
África, bem como para influenciar a política e os conflitos em nações
estrangeiras, incluindo Líbia, Sudão, Mali e Madagascar.
Também
há conhecimento sobre a presença de combatentes do Grupo Wagner na Síria.
A
Rússia não é o único país com empresas militares privadas. Muitas outras
nações, incluindo Estados Unidos, África do Sul, Iraque e Colômbia, têm
empresas militares privadas operando dentro e fora de suas próprias fronteiras.
E muitos desses grupos operam discretamente.
O
Tribunal Penal Internacional (TPI) e as Nações Unidas alertaram sobre o
crescente número de mercenários e empresas militares e de segurança envolvidos
nos atuais conflitos armados.
·
Patrocínio
do governo
Mas
o Grupo Wagner se destaca por seus laços estreitos com o governo russo, bem
como por sua ampla gama de atividades. Enquanto muitas empresas privadas se
concentram na prestação de serviços de segurança, o Grupo Wagner esteve
envolvido em uma ampla gama de tarefas em conflitos e guerras civis.
Os
mercenários do grupo – que alegaram abraçar as ideologias de extrema direita –
também trouxeram descrédito para a organização. Dmitry Utkin, fundador do
grupo, tem laços estreitos com uma organização supremacista branca e
ultranacionalista conhecida como The Night Wolves (Lobos da noite), um clube de
motociclistas que recebeu sanções de EUA, Reino Unido e UE.
Acredita-se
que os Night Wolves também sejam apoiados pelo governo russo, e as mídias sociais
estão cheias de imagens de membros do Grupo Wagner promovendo o mesmo tipo de
retórica de extrema direita dos "lobos da noite".
Ø
Quem
é Yevgeny Prigozhin, o homem que desafiou Putin
O
chefe da organização paramilitar privada russa Grupo Wagner, Yevgeny
Prigozhin, tornou-se uma das figuras mais proeminentes na guerra da Rússia
contra a Ucrânia. Devido às suas duras críticas ao comando militar russo,
Prigozhin passou a ser visto como uma ameaça potencial ao presidente Vladimir
Putin. Mas ele é tão influente quanto parece ser?
No
último sábado (24/06), Prigozhin ordenou que suas forças marchassem em direção
a Moscou e convocou uma rebelião armada para derrubar a liderança militar da
Rússia. Os combatentes mercenários do Grupo Wagner ocuparam instalações
militares importantes na cidade de Rostov-on-Don, no sul da Rússia, que serve
de centro logístico para o Exército russo e sua invasão da Ucrânia.
Em
resposta, os militares russos reforçaram as defesas da capital russa, com Putin
prometendo duras consequências para a "traição" de Prigozhin. Mas,
horas depois, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, anunciou que Prigozhin havia
concordado com um acordo para ir para a vizinha Belarus, que apoiou a invasão
da Ucrânia pela Rússia. As acusações contra o chefe miliciano de promover uma
rebelião armada seriam retiradas, de acordo com o Kremlin, e as forças do Grupo
Wagner deixaram Rostov-on-Don.
O
Grupo Wagner é notório por sua crueldade e táticas brutais no campo de batalha.
Ele também demonstrou sua violência fora da frente de combate em vídeos de
supostas execuções de mercenários desertores.
Um
vídeo publicado no aplicativo de mensagens Telegram mostra um ex-presidiário e
combatente do Grupo Wagner, que se identificou como Dmitri Yakushchenko,
aparentemente sendo espancado até a morte com uma marreta.
Mas,
dois dias depois, Prigozhin apareceu diante de blogueiros militares e da mídia
estatal russa com o suposto "combatente executado", referindo-se a
ele como "um bom sujeito, que trouxe uma grande quantidade de informações
importantes do cativeiro ucraniano".
No
ano passado, o Grupo Wagner adotou a marreta como seu símbolo, depois de
supostamente usá-la para executar um desertor de suas fileiras.
"A
ostentação da crueldade é parte do que Prigozhin oferece. Seja o que for – uma
peça encenada, 'trollagem' ou performance imersiva –, isso tudo não deixa de
fazer parte de uma campanha publicitária que promove o culto à violência",
escreveu Andrei Kolesnikov, do observatório de política externa Carnegie
Endowment for International Peace, no jornal independente Novaya Gazeta.
·
Início
no setor gastronômico
Prigozhin
nasceu em 1961 na antiga Leningrado, hoje São Petersburgo. Quando estava na
casa dos 20 anos, ele passou nove anos preso numa prisão soviética por roubo e
fraude. A libertação da cadeia e a queda da União Soviética permitiram que
Prigozhin seguisse o caminho de empreendedor.
Ele
começou com carrinhos de cachorro-quente em sua cidade natal e, depois, passou
para projetos maiores, como um luxuoso restaurante em São Petersburgo – que se
tornou um centro para as elites russas, incluindo o então vice-prefeito
Vladimir Putin.
Ao
se beneficiar dos laços estreitos com as elites políticas, Prigozhin expandiu
os negócios ainda mais depois que Putin se tornou presidente. Seu serviço de
bufê, chamado Concord, fundado na década de 1990, recebeu contratos exclusivos
e lucrativos do governo para jantares estatais, incluindo a cerimônia de posse
de Putin e uma visita do presidente dos EUA, George W. Bush, a São Petersburgo.
Os contratos renderam a Prigozhin o apelido de "cozinheiro de Putin".
No
entanto, Prigozhin não limitou suas ambições ao setor gastronômico.
·
Interferência
eleitoral e "serviços obscuros" militares
Prigozhin
admitiu em meados de fevereiro que estava por trás da Agência de Pesquisa na
Internet, uma rede de fábrica de trolls. De acordo com o FBI, a agência lançou
uma ampla campanha de desinformação para influenciar os resultados das eleições
presidenciais americanas de 2016. Prigozhin e seus advogados negam
veementemente as acusações e chegaram a processar jornalistas que escreveram
sobre sua conexão com fábricas de trolls russas.
Em
2014, Prigozhin criou a empresa paramilitar privada Grupo Wagner. Assim como
com as fábricas de trolls, ele negou por muito tempo qualquer envolvimento com
os mercenários até setembro de 2022, quando admitiu ter formado a unidade.
De
acordo com a analista independente russa Alexandra Prokopenko, o grupo
mercenário de Prigozhin estava prestando "serviços obscuros" a Putin.
"Ele está facilitando a vida de seu chefe e de seu círculo íntimo nas
regiões onde eles não queriam se envolver pública e oficialmente", ressalta.
Prokopenko
cita como exemplo a atuação do Grupo Wagner nas regiões de Donetsk e Lugansk na
Ucrânia, bem como na África e na Síria,
"onde os mercenários não apenas participaram de ações de combate, mas
também fizeram a segurança de algumas instalações petrolíferas".
·
Grupo
Wagner contra o Exército russo
Os
mercenários do Grupo Wagner se envolveram pela primeira vez na Ucrânia em 2014,
quando ajudaram separatistas apoiados pela Rússia a anexar ilegalmente a
Península da Crimeia. Após a invasão russa em fevereiro de 2022, a capacidade
dos combatentes do Grupo Wagner de fazer progressos em batalhas sangrentas no leste
da Ucrânia se tornou um trunfo militar importante para o Kremlin.
Em
janeiro de 2023, o Grupo Wagner alegou ter tomado o controle da cidade ucraniana de
Soledar, vista
como uma das raras vitórias de Moscou desde o início da guerra. A eficiência do
grupo e sua crescente importância no campo de batalha permitiram a Prigozhin
lançar uma campanha embaraçosa contra os principais oficiais militares da
Rússia.
Protestando
publicamente contra falta de munição para seus soldados, ele acusou os líderes
militares de incompetência. Em uma mensagem de áudio de sete minutos em 20 de
fevereiro de 2023, Prigozhin acusou os principais comandantes militares da
Rússia de "traição" por privar seus combatentes de munição. "Não
consigo resolver este problema, apesar de todas as minhas conexões e
contatos", reclamou, acrescentando que foi obrigado a "pedir desculpas
e obedecer" para garantir munição para seus combatentes.
O
Ministério da Defesa da Rússia negou as acusações de Prigozhin, dizendo que
tais declarações eram "absolutamente falsas". Um dia depois, em
resposta, Prigozhin divulgou outra mensagem de áudio, alegando que as ações dos
militares equivalia "a nada mais do que simplesmente cuspir no Grupo
Wagner".
Ele
também atacou pessoalmente o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, e o
general Valery Gerasimov, responsável pela modernização do Exército. Em uma de
suas últimas críticas, ele culpou a burocracia militar russa pelas tentativas
malsucedidas de tomar Bakhmut, cuja batalha
esteve por meses no centro do conflito, com grandes baixas russas e ucranianas.
"Bakhmut
teria sido tomada antes do Ano Novo se não fossem nossa monstruosa burocracia
militar e os entraves que ela cria diariamente", afirmou Prigozhin à mídia
estatal russa.
De
acordo com Kolesnikov, apenas Putin tem o poder de criticar oficiais militares
no sistema autocrático da Rússia. "Putin precisa de Prigozhin para a
manter os generais em alerta. Putin equilibra os 'pesos' das várias figuras
colocando-as umas contra as outras e mantém o olho nelas para que nenhuma
dessas figuras se fortaleça excessivamente", acrescenta.
Apesar
de Prigozhin repreender os militares, o presidente russo promoveu Gerasimov no
início de janeiro, tornando-o comandante-geral da guerra na Ucrânia. A medida,
argumentaram os analistas, mostrou a importância limitada da retórica de
Prigozhin sobre as decisões de Putin.
·
Dor
de cabeça para todos no Kremlin
Prigozhin,
que antes fugia dos holofotes da mídia, tornou-se o rosto da guerra e sua
crescente publicidade deu origem a especulações sobre possíveis ambições
políticas. De acordo com o site independente russo Meduza,
Prigozhin estaria planejando lançar um movimento patriótico e conservador que
eventualmente evoluiria para um partido político – uma ideia que ele negou
publicamente.
Como
a analista Tatiana Stanovaya escreveu em um artigo para o Carnegie Endowment
for International Peace, as ambições políticas de Prigozhin podem prejudicar
suas relações com o Kremlin. "Os supervisores da política interna não
gostam de sua demagogia política, seus ataques a instituições ou suas
tentativas de 'trollar' a equipe de Putin, ameaçando formar um partido
político, o que seria uma dor de cabeça para todos no Kremlin."
O
desejo de Moscou de apertar as rédeas de Prigozhin pode ser visto no movimento
para impedir o recrutamento de condenados que, segundo o Conselho de Segurança
Nacional dos EUA, representam 80% das tropas do Grupo Wagner. Em recente
entrevista, ele reconheceu que, após a redução, o grupo teria um papel mais
limitado no esforço de guerra da Rússia.
Para
Kolesnikov, o único caminho possível para Prigozhin é se tornar um político,
dadas as responsabilidades que lhe foram atribuídas na guerra, no entanto, este
não é o desejo do presidente russo. "Enquanto Putin for capaz de controlar
sutilmente as forças políticas, ele pode retirar Prigozhin do jogo na hora
certa e colocá-lo de volta em seu lugar habitual – na política
clandestina."
Fonte:
Deutsche Welle
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