Analistas
ocidentais salivam com perspectiva de 'desgraça' e 'guerra civil' na Rússia
durante motim
A
imprensa, os políticos e os "observadores da Rússia" ocidentais
profetizaram a "desgraça" e a "guerra civil" na Rússia
durante o motim da empresa militar privada Grupo Wagner, apenas para descobrir
mais tarde que estavam profundamente errados.
Em
23 de junho, o líder do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, anunciou que ele e
seus 25.000 homens iniciaram uma "marcha da justiça" em direção a
Moscou em meio à disputa do grupo militar com o Ministério da Defesa da Rússia,
o que levou o Serviço Federal de Segurança (FSB, na sigla em russo) a acusar o
chefe do Wagner de incitar um motim armado.
Embora
o presidente russo, Vladimir Putin, tenha advertido o líder do grupo contra
ações irresponsáveis e traiçoeiras, o motim de Prigozhin de 23 a 24 de junho
causou nada menos que euforia na esfera da mídia ocidental.
Tom
Nichols, editor da revista norte-americana The Atlantic, projetou
imediatamente, em 23 de junho, que o desenrolar da "crise" poderia
mudar o curso do conflito na Ucrânia e levar a "muitas coisas ruins"
em Moscou "nos próximos dias, ou até mesmo horas".
Ian
Bremmer, fundador da empresa de consultoria e pesquisa de risco político
Eurasia Group, reiterou Nichols em 24 de junho:
"As
perspectivas para a contraofensiva da Ucrânia – que não decorreu bem até agora
– melhoram a cada minuto", afirmou ele no Twitter.
"De
uma forma lenta e sem foco, a Rússia está entrando no que só pode ser descrito
como uma guerra civil. Se você está surpreso, talvez não devesse estar",
escreveu Anne Applebaum, jornalista norte-americana e esposa do deputado
polonês Radoslaw Sikorski, que agradeceu ao governo dos EUA pela destruição do
Nord Stream (Corrente do Norte) em um tweet no ano passado, posteriormente
excluído.
O
ex-embaixador dos EUA na Rússia, Michael McFaul, foi ainda mais longe ao
afirmar que a "guerra civil" já estava em andamento e prometeu uma
"grande luta": "Os russos estarão matando russos, provavelmente
em grande número, a menos que Prigozhin se renda", tuitou o diplomata no
sábado.
O
jornal The Hill se juntou ao coro, prevendo "combate e possível
desgraça": de acordo com a mídia, as paixões dos russos comuns poderiam
ser "inflamadas" e "é concebível que alguns soldados russos
desertem".
"Muito
depende da rapidez com que Putin conseguirá acabar com a rebelião, ou mesmo se conseguirá.
Espere toques de recolher e lei marcial em Rostov-no-Don e possivelmente em
outras cidades", previa a mídia.
O
The New York Times se referiu à "tomada" de Rostov-no-Don pelo Wagner
como uma "grave ameaça ao governo do presidente Vladimir Putin".
Embora
a segurança tenha sido de fato reforçada em Moscou e em Rostov-no-Don, não
houve sinais de uma tempestade crescente ou do aumento de uma agitação civil no
país.
A
Associated Press informou que em Moscou "os bares e restaurantes do centro
da cidade estavam cheios de clientes". A mídia acrescentou que "em um
clube perto da sede do FSB, as pessoas estavam dançando na rua perto da
entrada".
Uma
aparente dissonância cognitiva com relação à "guerra civil que nunca
aconteceu" atingiu seu apogeu no Ocidente após a notícia de que o
presidente de Belarus, Aleksander Lukashenko, fechou um acordo com Prigozhin.
Alguns
internautas ocidentais não acreditaram em seus olhos, afirmando que "as
chances de isso ser verdade são mínimas".
O
ex-embaixador na Rússia McFaul também pareceu perplexo com a súbita reviravolta
dos acontecimentos que deitou por terra as fantasias ocidentais de uma
"guerra civil russa": "Eu estava errado sobre isso. Estou
ansioso para saber o porquê. Há muita coisa nessa história que ainda não sabemos",
tuitou o diplomata.
Depois
que a poeira baixou, analistas e autoridades da inteligência dos EUA disseram
que esperavam que a marcha de Prigozhin em direção a Moscou se tornasse um
desastre para a Rússia: "Eu sei que avaliamos que seria muito mais violento
e sangrento", disse um funcionário anônimo estadunidense à CNN.
Descobriu-se
então que os espiões dos Estados Unidos estavam cientes do plano do Grupo
Wagner de lançar seu motim e insurreição armada, segundo a mídia ocidental.
Líderes
do Congresso dos EUA teriam sido informados na semana passada sobre o acúmulo
militar de Wagner e os movimentos que aparentemente precederam sua marcha sobre
as cidades russas.
Um
jornal norte-americano escreveu que a liderança da inteligência dos EUA decidiu
não tornar públicas suas descobertas porque Moscou poderia "acusá-los de
tentar organizar um golpe na Rússia".
No
entanto, os apelos anteriores do Ocidente para sangrar completamente a Rússia e
impor uma derrota estratégica a Moscou fazem com que nos perguntemos se os EUA
e seus aliados mantiveram a boca fechada, quando o motim estava se
desenrolando, por acreditarem que ele os ajudaria a atingir seus objetivos.
Depois
que ficou claro que nenhuma "guerra civil" se materializaria na
Rússia, os "observadores da Rússia" continuaram a persuadir seus
seguidores de que o acordo não era uma demonstração clara da capacidade de
Moscou de resolver crises de forma rápida e eficaz, mas um prenúncio da
"derrota" de Moscou e um "sinal de fraqueza".
Apesar
dessa manobra para salvar a face, os eventos recentes demonstraram que os
principais especialistas do Ocidente em Rússia realizaram nada menos que um
"massacre contra sua própria credibilidade", como avaliou Max
Blumenthal, em seu recente artigo de opinião no site The Grayzone.
Em
total contraste com a imprensa, políticos e chefes de inteligência ocidentais,
numerosos líderes estrangeiros sinalizaram imediatamente sua solidariedade com
Moscou e sua disposição de ajudar a Rússia a resolver seus problemas internos.
"Como
vizinho amigável da Rússia e parceiro estratégico abrangente na coordenação
para a nova era, a China apoia a Rússia na manutenção da estabilidade nacional
e na conquista do desenvolvimento e da prosperidade", declarou o
Ministério das Relações Exteriores chinês, enfatizando que "esse é um
assunto interno da Rússia".
O
presidente turco Recep Tayyip Erdogan, que frustrou com sucesso uma tentativa
de golpe militar em 2016, ofereceu sua ajuda a Moscou:
"O
presidente Erdogan disse que a Turquia está pronta para contribuir para a
rápida resolução dos eventos em paz e tranquilidade", disse o gabinete do
presidente turco em um comunicado, alertando as potências externas contra tirar
proveito dos eventos.
O
Irã sinalizou seu apoio ao Estado de direito na Rússia, ressaltando que o
recente incidente na Rússia foi um assunto interno do país.
O
emir do Catar, Tamim bin Hamad al-Thani, também expressou apoio às ações de
Moscou em relação aos eventos de 24 de junho.
O
ministro das Relações Exteriores do Quênia, dr. Alfred N. Mutua, expressou a
"solidariedade de seu país com a liderança russa em seu esforço para
alcançar total estabilidade e ordem".
Im
Chon-il, vice-ministro das Relações Exteriores da Coreia do Norte, se reuniu
com o embaixador russo em Pyongyang, Aleksandr Matsegora, em 25 de junho e
expressou o apoio de seu país à liderança russa durante o motim armado.
Os
vizinhos imediatos da Rússia, Abkházia, Belarus e Cazaquistão, prometeram apoio
a Moscou e enfatizaram a importância da restauração da "ordem
constitucional" na Rússia.
O
motim de 24 de junho se tornou outro teste decisivo que indicou quais forças
dentro da comunidade internacional colocam em prática o que falam sobre a
importância do Estado de direito e dos direitos humanos.
Ø
Como motim do grupo
Wagner pode afetar guerra na Ucrânia
Eles
são conhecidos pela brutalidade dos métodos que empregam. E para o exército
ucraniano eles têm sido um inimigo temível.
Apesar
disso, a participação do grupo Wagner na guerra russa contra a Ucrânia parece
estar chegando ao fim.
No
passado sábado, o líder desta "companhia militar privada", Yevgeny
Prigozhin, lançou uma marcha armada da Ucrânia para Moscou, que foi descrita
pelo Presidente Vladimir Putin como uma "traição", "uma facada
nas costas".
Depois
de um acordo mediado pelo presidente de Belarus, Alexander Lukashenko,
Prigozhin fez com que suas forças voltassem naquele mesmo sábado antes de
chegar à capital russa e nesta segunda-feira fez questão de ressaltar que essa
mobilização não foi uma tentativa de golpe e sim um "protesto".
"O
objetivo da marcha era evitar a destruição do grupo Wagner e chamar a atenção
dos oficiais que, por meio de suas ações não profissionais, cometeram um grande
número de erros", disse ele em uma referência velada aos chefes militares
russos em um áudio mensagem transmitida no Telegram.
No
entanto, não parece que continuará a haver espaço para o grupo Wagner na Rússia
ou em sua guerra contra a Ucrânia.
Nesta
segunda-feira, Putin anunciou que honrará o acordo feito com Lukashenko para
que os membros do grupo Wagner que não derramaram sangue nas ações de sábado
possam assinar um contrato com o Ministério da Defesa ou se mudar para Belarus.
Mas
como isso afetará a guerra da Rússia contra a Ucrânia na prática?
·
Nada de novo no front
"Não
acho que terá um impacto tão grande na guerra da Ucrânia, pelo menos no curto
prazo", diz Matthew Orr, analista da Eurásia na Rane, uma empresa de
análise de risco.
"As
forças de Wagner que participaram desses eventos já haviam sido retiradas da
linha de frente e, de fato, mesmo aquelas que não participaram também não
estavam na linha de frente na Ucrânia, mas principalmente em seus acampamentos
de retaguarda. Portanto, a Rússia não perde muitas forças que poderia ou
gostaria de usar na guerra da Ucrânia."
Zach
Witlin, principal analista da consultoria Eurasia Group, também não prevê que
esses acontecimentos tenham um grande impacto na guerra, pelo menos nas
próximas semanas ou meses.
Ele
enfatiza que as forças do grupo Wagner não foram posicionadas nas áreas onde a
Ucrânia está avançando com sua contra-ofensiva, muito mais ao sul do país.
·
Uma força em declínio
Analistas
apontam que o grupo Wagner desempenhou papel de destaque na guerra de 2022,
principalmente na batalha pelo controle da cidade de Bakhmut, mas sua
importância diminuiu desde então.
"O
valor do grupo Wagner vem diminuindo ao longo do último ano. Eram usados para as missões
mais arriscadas e estavam na linha de frente do combate 'absorvendo' baixas.
Desse ponto de vista, eles têm sido úteis para os militares russos", diz
Witlin.
As
pesadas perdas sofridas pelo grupo Wagner nas principais operações em Bakhmut
foram, segundo Matthew Orr, um dos elementos que levaram ao seu declínio.
"Muitas
de suas unidades, e especificamente aquelas compostas por prisioneiros [que
foram libertados em troca de alistamento] estiveram envolvidas em muitos
ataques muito arriscados e perigosos. E eles tiveram muito desgaste durante
esse tempo. Essa é a principal razão para o seu declínio. Em última análise, é
claro, eles não têm os mesmos recursos para competir com os militares russos
regulares."
Ele
acrescenta que essa perda material e humana é agravada pelo fato de Prigozhin
ter começado a fazer fortes declarações políticas nas quais questionava os
líderes militares russos, especialmente o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e
o chefe do Estado-Maior, Valery Gerasimov.
Esse
confronto entre o líder do grupo Wagner e os chefes militares russos chegou ao
auge em 10 de junho, quando foi anunciado que soldados voluntários [como os
mercenários do grupo Wagner] que lutavam na Ucrânia teriam que assinar um
contrato com o Ministério da Defesa russo, o que na prática significava que
esses indivíduos estariam subordinados a Moscou, e não a Prigozhin.
Esta
iniciativa, que dias depois recebeu o apoio público de Putin, teria
desencadeado o motim do fundador deste exército privado.
De
qualquer forma, Witlin aponta que os mercenários - estimados em menos de 20 mil
homens - representam uma pequena porcentagem do total das forças militares da
Rússia, portanto, embora sua contratação pelo Ministério da Defesa possa
representar uma pequena contribuição, não faz uma diferença tão grande.
·
Uma oportunidade para a Ucrânia
Mas
e para a Ucrânia? O atrito dentro das forças russas pode ser uma oportunidade
para aumentar sua contra-ofensiva?
"A
Ucrânia pode ter um incentivo para agir nesse momento de confusão ”, disse Zach
Witlin à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
O
secretário de Estado americano, Anthony Blinken, afirmou durante o
fim-de-semana que esta situação na Rússia pode favorecer Kiev.
"Na
medida em que os russos estão distraídos e divididos, pode ser mais difícil
para eles continuar sua agressão contra a Ucrânia", disse ele.
No
entanto, não houve redução dos ataques russos contra a Ucrânia no fim de semana
e, de acordo com autoridades e analistas americanos consultados pelo jornal The
New York Times, as forças ucranianas parecem ainda não ter detectado nenhuma
brecha imediata nas defesas russas para aproveitar .
Do
lado russo, é possível que Putin decida lançar uma grande ofensiva para mostrar
sua força após esta crise, como alguns analistas cogitaram?
"Essa
é uma possibilidade", diz Witlin. "Claro, não temos como saber o que
Putin está pensando agora, então é muito difícil saber com certeza se é algo que
ele está considerando."
"Nos
últimos seis meses, a Rússia bombardeou parte da infraestrutura em todo o país,
não apenas no campo de batalha, e houve momentos em que parecia que estava
lançando um número maior de ataques na Ucrânia como um recado", ele adiciona.
Indica
que outras possíveis respostas de Moscou sobre as quais há dúvidas são o uso de
armas nucleares táticas ou a sabotagem das usinas nucleares da Ucrânia.
"A
resposta para isso é que todas elas são possíveis, mas não achamos que sejam as
mais prováveis, embora seja justo dizer que agora elas podem ter uma
probabilidade maior, mas não acho que sejam as opções que fazer mais
sentido", acrescentou.
Para
Matthew Orr, o que aconteceu com o grupo Wagner não muda os cálculos
fundamentais da Rússia na Ucrânia.
"Isso
terá um efeito relativamente menor em sua capacidade de continuar a guerra.
Putin está envolvido nesta guerra e tem que acompanhá-la a todo custo . Para
ele, todas essas dinâmicas permanecem as mesmas. Então você vai ficar noivo. E
a Rússia mantém a capacidade de avançar", conclui.
Apesar
de tudo, há analistas que se perguntam que impacto terá o sucedido este fim de
semana na opinião pública russa e no apoio que Putin tem nas forças armadas.
Fonte:
Sputnik Brasil/BBC News Mundo
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