sexta-feira, 13 de setembro de 2024

O que a crise da Volkswagen diz sobre a economia alemã

Ameaça de cortes de empregos e fechamento de fábricas na maior montadora de automóveis da Alemanha são sintoma de mal-estar mais amplo na principal economia da Europa.

O alerta da Volkswagen, na semana passada, de que, pela primeira vez em seus 87 anos de história, não descarta mais cortes de empregos e fechamentos de fábricas na Alemanha causou um choque no país.

Mas as nuvens que pairam sobre a maior montadora de automóveis da Alemanha não começaram a se formar ontem. Elas se devem ao aumento dos custos de produção, a um mercado interno mais fraco após a pandemia de covid-19 e à forte concorrência da China. Além disso, a estratégia vacilante da Volks para veículos elétricos só piorou as coisas.

A montadora precisa agora economizar cerca de 10 bilhões de euros nos próximos três anos, o que pode levar ao corte de milhares de postos de trabalho e ao fechamento de algumas de suas dez linhas de montagem na Alemanha.

<><> Problema mais amplo

Esse doloroso programa de reformas da Volkswagen pode ser visto como parte dos desafios mais amplos enfrentados pela maior economia da Europa, com um Produto Interno Bruto (PIB) de 4,2 trilhões de euros: interrupções nas cadeias de fornecimento, a crise energética – especialmente devido à redução do fornecimento de gás russo – e a perda de vantagem competitiva prejudicaram o crescimento econômico.

"A Volkswagen simboliza o sucesso da indústria alemã nas últimas nove décadas", resume o economista-chefe na Alemanha do banco holandês ING, Carsten Brzeski. "Mas essa história nos mostra o que quatro anos de estagnação econômica e dez anos de deterioração da competitividade internacional podem fazer com uma economia: ela se torna menos atraente para investimentos." A economia da Alemanha recuou 0,3% no ano passado, de acordo com o órgão nacional de estatísticas, o Destatis. Três importantes institutos econômicos previram crescimento zero do PIB em 2024. Isso contrasta com os dez anos consecutivos de crescimento que a Alemanha teve antes da pandemia – o período mais longo de crescimento para o país desde a Reunificação, em 1990.

O bombástico anúncio da Volkswagen, juntamente com notícias negativas vindas de outros gigantes da indústria alemã – incluindo a Basf, a Siemens e ThyssenKrupp –, ajudou a impulsionar a narrativa de que os melhores dias da Alemanha se foram e que o declínio econômico é inevitável.

"O anúncio da VW é certamente um sintoma de um mal-estar mais amplo em toda a indústria alemã, e não um caso isolado", afirma a economista Franziska Palmas, da consultoria londrina Capital Economics. Ela observa que a produção industrial em julho ficou quase 10% abaixo do nível em que estava no início de 2023 e que a tendência de queda já dura seis anos.

Além dos problemas que afetam o setor automobilístico da Alemanha, Palmas diz haver uma "perda permanente da capacidade de produção na indústria de uso intensivo de energia" desde a crise energética de 2022, alimentada pela invasão da Ucrânia pela Rússia. A Capital Economics prevê que a participação da indústria no PIB da Alemanha continue diminuindo na próxima década.

<><> Ascensão da ultradireita atrapalha economia

A especialista em relações internacionais Sudha David-Wilp, do think tank German Marshall Fund, avalia que os problemas da Alemanha são resultado da relutância de sucessivos governos em promover reformas que são dolorosas, porém necessárias. Entre os motivos para isso, segundo ela, está a ascensão do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), na última década.

"Os anos da chanceler Angela Merkel foram bastante confortáveis, e a Alemanha era rica o suficiente para atravessar a crise da covid-19", avalia David-Wilp. "Mas, com a ascensão do populismo, os partidos estabelecidos querem garantir que os alemães se sintam seguros economicamente para que não fiquem suscetíveis a partidos que promovem o medo."

No entanto, esse tipo de estratégia apenas adia o inevitável, já que concorrentes com custos de produção mais baixo continuam corroendo a fatia da Alemanha no bolo econômico global. Em paralelo, o agravamento de questões geopolíticas – especialmente entre o Ocidente, a Rússia e a China – ameaça retroceder a globalização, da qual a Alemanha tem sido uma grande beneficiária.

<><> Hora de despertar

"O mundo está mudando, e nossas fontes de crescimento econômico estão mudando", observa Bjeske, do ING. "Os problemas da VW deveriam finalmente despertar os políticos alemães para a necessidade de começar a investir e fazer reformas para que o país se torne de novo mais atraente."

A rapidez com que essas reformas podem ser implementadas permanece incerta, já que o chamado freio da dívida – que restringe os déficits orçamentários anuais a 0,35% do PIB – e as brigas internas entre os parceiros de coalizão do chanceler federal Olaf Scholz sobre o orçamento federal de 2025 significam que há pouco espaço para mais incentivos fiscais.

Apesar desse fluxo de notícias negativas, a Alemanha continua sendo um importante destino de investimentos internacionais. Empresas como Google, Microsoft, Eli Lily, Amazon e a montadora chinesa BYD anunciaram grandes planos de investimentos nos últimos 18 meses.

Berlim reservou subsídios de cerca de 20 bilhões de euros para impulsionar o setor nacional de semicondutores, principalmente no leste da Alemanha, apoiando investimentos da fabricante de chips taiwanesa TSMC e da americana Intel.

<><> Novos caminhos para a indústria

Biotecnologia, tecnologias verdes, inteligência artificial e defesa são outros setores em crescimento na economia alemã que, na opinião de David-Wilp, poderiam ser ainda mais apoiados pelo governo, no momento em que este elabora sua nova estratégia industrial.

"Nem tudo é desgraça e tristeza. Há caminhos para o crescimento", diz ela. "As coisas precisam ficar ruins antes de melhorarem, e esse senso de inovação precisa ser reavivado."

Porém, essas reformas provavelmente terão que esperar até as próximas eleições nacionais, marcadas para setembro de 2025, quando a coalizão de governo de Scholz – composta pelos social-democratas, os verdes e os liberais – poderá deixar o governo.

A angústia atual é uma lembrança do mal-estar econômico da Alemanha no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, quando o país foi apelidado de "o paciente da Europa".

O ministro das Finanças, o liberal Christian Lindner, negou que o apelido seja apropriado, dizendo aos participantes do Fórum Econômico Mundial, em Davos, que a Alemanha era, em vez disso, um "homem cansado" que precisava de "uma boa xícara de café" de reformas estruturais.

¨      "Dieselgate": o julgamento do ex-chefe da Volkswagen

Nove anos depois do escândalo "Dieselgate " vir à tona, começou nesta terça-feira (03/09) o julgamento do ex-CEO da Volkswagen, Martin Winterkorn. O ex-executivo de 77 anos é acusado de saber do esquema de manipulação dos testes de emissões dos motores a diesel da gigante automobilística alemã.

Em setembro de 2015, cientistas americanos afirmaram que muitos dos carros a diesel da Volkswagen tinham um software instalado para fraudar os testes de emissões de poluentes. Segundo a acusação, Winterkorn "não cumpriu seu dever" de interromper a venda dos carros afetados. Esta inação teria resultado na venda de mais de 65 mil veículos a diesel manipulados ilegalmente e causado danos de cerca de 1,3 bilhão de euros (cerca de R$ 8,05 bilhões de reais).

O advogado de Winterkorn, Felix Doerr, afirma que seu cliente é inocente. Segundo a defesa, o ex-executivo "rejeita definitivamente as acusações feitas contra ele", e a posição de Winterkorn como CEO não justifica torná-lo responsável pelo escândalo como um todo.

Ao depor em um processo civil contra a VW em fevereiro de 2024, o ex-CEO afirmou ter sido informado sobre problemas nos Estados Unidos com veículos movidos a diesel, mas que supôs que eles estavam relacionados a problemas técnicos. Ele nega ter conhecimento das fraudes.

<><> Julgamento adiado por anos

Winterkorn deveria ter comparecido ao Tribunal Regional de Braunschweig juntamente com outros quatro ex-executivos e engenheiros da VW em 2021. No entanto, devido a uma série de cirurgias pelas quais estava passando na época, ele foi submetido a um julgamento separado.

O ex-diretor executivo é acusado de fraude comercial, manipulação do mercado de ações ao não revelar as informações necessárias aos investidores e de fazer declarações falsas perante uma comissão parlamentar de inquérito em 2017. Se for condenado, ele pode pegar até 10 anos de prisão.

As sessões do tribunal estão agendadas até setembro de 2025. Somente a acusação de fraude se estende por 692 páginas, incluindo os outros quatro réus, enquanto o arquivo do caso consiste em 300 volumes com 75 mil páginas de documentos de apoio.

<><> Graves consequências para o setor

Dieselgate teve graves consequências tanto para a empresa quanto para o setor automotivo. Cerca de 9 milhões de veículos foram afetados pelo escândalo, custando aos compradores centenas de milhões de euros e levando a VW à pior crise da história da empresa.

A Volkswagen acabou pagando mais de 31 bilhões de euros (R$ 192 bi) em multas e acordos legais. Além disso, a venda de carros movidos a diesel, antes favorecidos por sua eficiência de combustível em relação aos veículos movidos a gasolina, despencou em termos de participação no mercado de automóveis na Europa.

 

¨      Alemanha precisa de imigrantes, diz Scholz à oposição

Reagindo às críticas da oposição, que abortou conversas com o governo após acusá-lo de não fazer o suficiente para controlar a imigração, o chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, frisou que o país precisa atrair trabalhadores estrangeiros qualificados.

"Não há país no mundo com uma força de trabalho em declínio que tenha crescimento econômico. Essa é a verdade que nos confronta", disse Scholz em discurso no Parlamento (Bundestag) nesta quarta-feira (11/09).

O recado era direcionado aos conservadores da aliança CDU/CSU, que formam a segunda maior bancada do Parlamento e lideraram a coalizão de governo alemã por 16 anos entre 2005 e 2021 – sendo 12 deles ao lado do próprio SPD, partido de Scholz que hoje governa ao lado de verdes e liberais.

Scholz acusou os conservadores de tentar tirar vantagem da crise política atual sem se envolver em negociações de boa-fé sobre mudanças na política de imigração. "Só falam, não resolvem nada", queixou-se, para depois frisar estar aberto a novas conversas.

<><> "Somos um país que oferece proteção aos perseguidos"

Scholz destacou a importância de manter a Alemanha aberta à imigração – também de refugiados – e, ao mesmo tempo, controlar o fluxo de chegadas.

"Somos um país que oferece proteção àqueles que são perseguidos politicamente, que estão fugindo para salvar suas vidas", afirmou. "Isso está na nossa Constituição, e não vamos colocar isso em debate."

"Mas isso não significa que qualquer um que queira possa vir. Devemos poder escolher quem vem para a Alemanha", acrescentou o chanceler.

A argumentação aparentemente contraditória é sinal do dilema que a coalizão enfrenta entre zelar por princípios humanitários e constitucionais com o qual o governo se comprometeu ao assumir o mandato e, ao mesmo tempo, reagir à percepção pública de que a Alemanha estaria sendo sobrecarregada por uma imigração descontrolada – percepção essa que, segundo analistas, impulsionou o sucesso da ultradireitista AfD em eleições regionais recentes nos estados da Saxônia e da Turíngia.

Esses dois pleitos, junto com o de Brandemburgo – no dia 22, onde a AfD lidera as pesquisas –, estão sendo vistos como um termômetro do humor político do país, que daqui a um ano irá às urnas eleger um novo Parlamento.

<><> Ataques a faca

Nas últimas semanas, a migração voltou a ser uma das questões no topo da agenda política do país na esteira de um ataque a faca na cidade de Solingen, no oeste do país, que deixou três mortos e oito feridos.

O suposto autor do atentado, cometido em 23 de agosto e reivindicado pelo grupo extremista Estado Islâmico, é um sírio que havia solicitado refúgio. O homem deveria ter sido deportado para a Bulgária, país de entrada dele na UE e que, pelas regras, seria o responsável pela análise do pedido.

Antes disso, em maio, um afegão esfaqueou cinco membros de um grupo ultradireitista e anti-islã e um policial na cidade de Mannheim. O policial morreu em decorrência dos ferimentos.

A própria coalizão de Scholz também soa dividida sobre o tema migração. Liberais defendem que o assunto precisa ser encarado sem tabus e pressionam por uma cota de refugiados. Já os verdes insistem em uma posição que diferencie terroristas de refugiados que fogem justamente desse tipo de violência.

<><> Controles fronteiriços mais rigorosos

Scholz disse que seu governo está trabalhando para realizar a "maior reviravolta no tratamento da migração irregular", citando esforços para acelerar deportações, reformas na política comum de asilo da União Europeia e um conjunto de propostas de segurança a ser apresentado ao Parlamento ainda nesta semana.

A partir de segunda-feira, a Alemanha aumentará a fiscalização nas fronteiras para pessoas vindas de ônibus, trem ou carro de países vizinhos do espaço Schengen, como Bélgica, França, Dinamarca, Holanda e Luxemburgo.

Controles semelhantes já foram introduzidos nas fronteiras com a Polônia, República Tcheca, Suíça e Áustria. O Ministério do Interior diz já ter barrado mais de 30 mil pessoas desde então.

O governo também está propondo deter requerentes de refúgio nas fronteiras por períodos curtos, até que as autoridades possam checar se a Alemanha é de fato o país responsável por analisar aquele pedido, de acordo com a hierarquia prevista nas regras da União Europeia.

O plano envolveria até mesmo a criação de instalações de detenção temporária e facilitaria a deportação de requerentes de refúgio rejeitados ou que deveriam ter sido registrados no país de entrada no bloco europeu.

Para que isso funcione, no entanto, é preciso que os outros países europeus envolvidos colaborem – e muitos já sinalizaram que não estão dispostos a tanto.

Já os conservadores querem que refugiados entrando por vias terrestres possam ser barrados diretamente nas fronteiras, algo que o governo de Scholz alega contrariar o direito europeu.

O líder da CDU, Friedrich Merz, rejeitou na quarta-feira os convites de Scholz para voltar à mesa de negociações, alegando que as políticas apresentadas pelo governo na terça-feira estavam muito aquém do necessário para limitar a migração.

"É por isso que não vamos entrar em um ciclo interminável de conversas com vocês", declarou.

 

Fonte: Deutsche Welle

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