sábado, 14 de setembro de 2024

‘Estou apavorado. Ninguém previa isso; é muito rápido’, diz Carlos Nobre sobre crise climática

Biomas brasileiros estão gravemente ameaçados pelo aquecimento global; Pantanal deve perder toda a sua área alagada antes mesmo do fim do século

Referência internacional em estudos sobre aquecimento global, o climatologista Carlos Nobre está apavorado. Em entrevista ao Estadão, ele conta que a crise climática explodiu um pouco antes do que os próprios cientistas previam. Tudo indica que 2024 deve bater mais um recorde de temperatura.

As ondas de calor e as secas intensas assolam o planeta. O Brasil arde em chamas - já são mais de 5 mil focos de incêndio em todo o País. Se em maio o Rio Grande do Sul ficou quase inteiro debaixo da água, em setembro São Paulo sufoca sob uma espessa camada de poluição.

<><> Eis alguns trechos da entrevista.

·        Temos uma seca recorde, temperaturas elevadíssimas, e fogo se alastrando por todo o País. Já vivemos algo parecido antes?

Nesse nível não. Esse é o máximo que já experimentamos. A crise explodiu. Temos a maior temperatura que o planeta experimentou em 100 mil anos. Desde que existem civilizações, há dez mil anos, nunca chegamos nesse nível, em que todos os eventos climáticos se tornaram tão intensos e muito mais frequentes. São secas em todo o mundo, tempestades, ressacas e, agora, a explosão desses incêndios.

Infelizmente, não é só aqui. No ano passado, tivemos grandes incêndios no Canadá, nos Estados Unidos, no sul da Europa. A diferença é de que lá o fogo foi causado por descargas elétricas. Aqui não: praticamente não teve nenhuma descarga elétrica. Entre 95% a 97% são causados pelo homem. A seca e as temperaturas elevadas estão diretamente relacionadas às mudanças climáticas. Isso ajuda o fogo a se propagar. Mas os incêndios são criminosos.

·        Na semana passada, a ministra Marina falou que o Pantanal chegaria a um ponto irreversível, que o perderíamos até 2100. Concorda?

Sim, acho até que ela foi otimista. Acho que o Pantanal acaba até 2070, sem falar nos outros biomas. A Amazônia, o Cerrado, a Caatinga: todos os biomas estão em risco. Se o desmatamento continuar desse jeito, a Amazônia vai perder pelo menos 50% da floresta até 2070. Para ter ideia, a Caatinga já avançou 200 mil quilômetros quadrados pelo Cerrado. Há uma região no norte da Bahia que já é tão seca que poderá ter, em futuro próximo, um clima semidesértico, com precipitações abaixo de 400 milímetros por ano. O Pantanal já reduziu 30% nos últimos 30 anos; está secando. E agora o fogo destrói sua vegetação. Se continuarmos com emissões altas e só conseguirmos zerá-las em 2050, o que já é um enorme desafio, poderemos chegar a 2100 com temperatura a 2,5ºC da média. Se isso acontecer, o Pantanal não terá mais lago.

·        O aumento de 1,5ºC era o máximo que deveríamos chegar, segundo os acordos climáticos mais importantes firmados nas últimas décadas...

O objetivo era não deixar o aumento passar de 1,5ºC e, a partir de 2050, já começar a remover, no mínimo, 5 bilhões de toneladas de CO2 por ano da atmosfera, para chegar em 2100 com aumento de 1ºC. Mas infelizmente já estamos atingindo 1,5ºC. Estou apavorado. Ninguém previa isso; é muito rápido.

·        Nenhum cientista havia previsto isso?

Não, nenhum. No começo de 2022 a ciência previu, muito bem, que teríamos um El Niño (fenômeno climático ligado ao aumento das temperaturas da Terra) forte e a temperatura anual poderia ficar 1,3ºC acima da média. De fato, tivemos um El Niño forte, o terceiro mais forte dos registros, mas o aumento da temperatura chegou a 1,5ºC. No nosso pior cenário, chegaríamos a um aumento de 1,5ºC em 2028. Milhares de cientistas estão tentando explicar o que aconteceu. E outra: o El Niño praticamente desapareceu em maio (e começa a dar lugar ao fenômeno La Niña, ligado ao resfriamento do planeta), mas os oceanos continuam quentes, continuam induzindo a seca na Amazônia. Estamos tentando explicar por que aumentou mais do que tínhamos previsto.

 

¨      Ao menos 12 grandes rios brasileiros estão secando, mostra estudo

Um levantamento feito pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), com imagens de satélite, mostra que os maiores rios do país estão secando. O estudo foi publicado no periódico internacional Water.

O problema já afeta 55% do território nacional, e a seca é a mais extensa já registrada. No total, são 4,6 milhões de km² atingidos pelo problema.

Segundo o estudo, a redução na vazão de rios, lagos e reservatórios acontece nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e também na Amazônia. Ao menos 12 grandes rios já estão sendo afetados pela seca.

>>>> Como foi feito o estudo?

Segundo a pesquisa, o aumento das temperaturas teve impacto devastador. As ondas de calor foram decisivas para a redução da vazão do Rio São Francisco durante as “secas-relâmpago”.

Estudos anteriores já mostraram que, com a redução das chuvas e aumento das temperaturas, os rios poderiam secar. A nova pesquisa do Laboratório Lapis foi além, e constatou que o aumento de temperatura foi maior do que a redução das chuvas, e essas ondas de calor extremo foram cruciais para reduzir a vazão dos rios, principalmente no início das secas.

Os dados anuais da vazão dos rios foram analisados, assim como a precipitação e temperatura na região da bacia. “A conclusão foi que a diminuição da vazão dos rios foi atribuída a um declínio na precipitação e ao aumento simultâneo das temperaturas do ar, durante as últimas três décadas.”

De acordo com Humberto Barbosa, meteorologista fundador do Laboratório Lapis e responsável pelo estudo, o principal motivo para o encolhimento do Rio São Francisco foram as altas temperaturas, que aumentam o uso diário da água pelas plantas, além da evaporação dos corpos d’água e dos solos.

“As ondas de calor extremo foram cruciais para reduzir o volume do Rio. À medida que fica mais quente, a atmosfera retira mais água das fontes da superfície e a principal consequência é que menos água flui para o Rio São Francisco. Essas descobertas da pesquisa podem ser aplicadas a todos os rios brasileiros”, ressalta Humberto.

>>>> Quais são os rios afetados?

<><> Na lista, a maior redução de volume de águas estão nos rios:

Manso - MG

Paranaíba - MG

Jequitinhonha - MG

Tocantins - entre os estados de Tocantins e Maranhão

Paraná - no trecho entre São Paulo e Mato Grosso do Sul.

O São Francisco já teve a vazão reduzida em 60% nos últimos 30 anos. Ele nasce em Minas Gerais e termina ao desembocar no mar, em Sergipe.

<><> O levantamento mostra que, na Amazônia, as maiores reduções acontecem nos rios que cortam o estado do Amazonas:

Mamiá - cercado por 30 mil hectares de floresta nativa preservada, incluindo fauna em risco de extinção.

Coari

Tefé - forma o lago Tefé antes de desembocar no Rio Solimões

Badajós - afluente da margem esquerda do Solimões

<><> Atividades dependem dos rios

Os principais rios do Brasil registram níveis muito baixos em decorrência da seca, como no caso da Amazônia. Segundo o professor Humberto Barbosa, isso prejudica as pessoas que dependem do rio para várias atividades, incluindo o abastecimento humano e de animais, agricultura, pesca, transporte e geração de energia.

Pelo menos nove usinas hidrelétricas brasileiras podem ser afetadas pela redução no volume de águas. O Rio Jequitinhonha abriga a segunda maior barragem do Brasil, a UHE Irapé. No Rio Paranaíba está a UHE São Simão. No Rio Paraná está instalada a UHE Porto Primavera, por exemplo. No Tocantins, está instalada a UHE Estreito, no trecho entre Maranhão e Tocantins.

No Rio São Francisco a situação é ainda mais grave. Além de abastecer centenas de municípios, ele gera energia por meio de cinco usinas hidrelétricas - Sobradinho, Apolônio Sales, Paulo Afonso, Luiz Gonzaga e Xingó.

<><> Problema internacional

A questão também pode afetar países vizinhos, tornando-se um problema internacional. A baixa vazão dos rios afeta a Baía Grande, que faz parte da bacia Amazônica, e é dividida entre Brasil e Bolívia. No país, o local é chamado de Laguna Marfil. O lago tem superfície de 100 km², sendo 52% pertencentes à Bolívia e 48% ao Brasil. No país vizinho, a área faz parte de uma unidade de conservação de manejo integrado. No Brasil, o acesso é controlado por fazendeiros.

De acordo com a previsão do tempo, o bloqueio atmosférico pode ser quebrado nos próximos dias na Amazônia, devido ao avanço da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), fenômeno que leva chuvas à região.

 

¨      Brasil perdeu ‘uma Paraíba’ em queimadas só em agosto, diz MapBiomas

Um levantamento do MapBiomas mostra que o Brasil perdeu o equivalente ao território da Paraíba em queimadas só no mês de agosto. Os dados são do Monitor do Fogo, que foi criado em 2019, e mostram que o país nunca tinha tido um cenário tão grave quanto o registrado no último mês.

Se compararmos agosto de 2024 com agosto de 2023, a alta foi de 149%, em números, um salto de 3,3 milhões de hectares. Um a cada quatro deles estão em áreas de pastagens, usadas para a pecuária.

Um dos estados mais afetados, São Paulo, foi decisivo para o número se tornar tão alarmante, uma vez que o estado teve 86% das queimadas de 2024 concentradas em agosto, quase 90% em áreas de agropecuária.

A cana de açúcar foi o cultivo mais impactado pelo fogo no interior paulista. As cidades mais afetadas foram Ribeirão Preto, Sertãozinho e Pitangueiras.

Ao todo, 15 pessoas já foram presas por provocarem incêndios no interior do estado.

Entre os biomas mais afetados estão o Cerrado e o Pantanal, com alerta para o Centro-Oeste do país. No Mato Grosso do Sul, o governo estima que as queimadas de 2024 já tenham atingido 2 milhões de hectares.

“O bioma [do Cerrado], que é extremamente vulnerável durante a estiagem, viu a maior extensão de queimadas nos últimos seis anos, refletindo a baixa qualidade do ar nas cidades.” informou em nota a coordenadora técnica do estudo, Vera Arruda.

A Amazônia também foi destaque, com 2 milhões de hectares queimados, especialmente no Mato Grosso e no Pará. O Pampa, localizado no Rio Grande do Sul, foi o único bioma que não teve aumento nas queimadas.

<><> Floresta da Faber-Castell que dá origem ao lápis de cor é atingida por incêndio em MG

A empresa Faber-Castell teve uma de suas florestas para produção de lápis de cor atingida por um incêndio na região de Prata, em Minas Gerais. O incêndio florestal teria iniciado em um terreno vizinho, e as chamas se alastraram para a área pertencente à empresa no sábado, 7. O fogo só foi controlado na terça-feira, 10.

A empresa tem há quase 40 anos uma plantação de árvores pinus para a produção dos lápis, fornecidos para todo o Brasil. O local foi bastante afetado pelo fogo, mas as chamas foram controladas pela brigada de incêndio da própria empresa.

Durante três dias, a equipe combateu o fogo na vegetação, até que ele fosse totalmente extinto, na terça.

De acordo com a Faber-Castell, o sistema de monitoramento da floresta identificou o fogo assim que começou, e a rapidez com que o incêndio se alastrou exigiu o uso de helicópteros com água para combater as chamas.

A empresa reiterou que o Corpo de Bombeiros não atuou no combate, e sim a brigada de incêndio da própria empresa. A floresta não foi inteiramente queimada, apenas parte dela foi atingida.

<><> O que disse a Faber-Castell

“A Faber-Castell esclarece que os focos de incêndio na floresta da companhia na região do Prata (MG) já foram controlados, graças ao rápido trabalho da Brigada de Incêndio da empresa. Os brigadistas da própria companhia iniciaram o trabalho assim que os sistemas de monitoramento identificaram o fogo, na manhã de sábado (7 de setembro), que foi originado em uma região próxima à floresta. 

A Faber-Castell reforça que a área afetada pelo incêndio corresponde a uma pequena parte da floresta e não deve ter impacto na produção dos ecolápis e, portanto, os parceiros e os consumidores seguirão sendo atendidos normalmente. E a área impactada será devidamente reflorestada. 

A empresa lamenta por essas terríveis queimadas que impactam a região do Prata e todo o país.”

 

Fonte: Entrevista para Roberta Jansen, no jornal O Estado de S. Paulo/Redação Terra

 

Nenhum comentário: