sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Economia liderada por salários ou por exportações?

Luiz Carlos Bresser-Pereira e Tiago Porto comentaram: “Edmar Bacha tem o mérito de discutir a doença holandesa. Esse é um tema que os economistas brasileiros, tanto os de direita quanto os de esquerda, parecem querer fugir como o diabo foge da cruz” (Valor econômico, 02/09/24).

Como faço há anos, darei aqui mais explicações sobre as diferentes perspectivas entre o social-desenvolvimentismo dos economistas de esquerda pró-trabalhadores e o novo-desenvolvimentismo dos economistas pró-industriais.

As classificações “wage-led” (liderada pelos salários) e “export-led” (liderada pelas exportações) referem-se a dois tipos distintos de regimes de crescimento econômico. Cada um tem características específicas determinantes de como o crescimento é impulsionado em uma economia.

Em uma economia wage-led, o crescimento econômico é impulsionado principalmente pelo aumento dos salários reais. Gera um efeito positivo sobre a demanda agregada interna.

Entre as principais condições definidoras desse tipo de economia, destaca-se o fato de os trabalhadores, em geral, terem uma propensão marginal a consumir mais elevada em relação aos capitalistas ou detentores de capital. Quando os salários aumentam, há um crescimento mais relevante no consumo, impulsionando a demanda agregada.

A economia depende de uma base de consumidores domésticos grande como a existente em um país com 212,6 milhões habitantes, capazes de responder positivamente ao aumento dos salários. O consumo das famílias representa uma parcela substancial do PIB: de 1995 a 2023, a média anual foi de 62,7%.

Em um regime wage-led, o crescimento econômico não depende fortemente das exportações. Isso geralmente ocorre em economias grandes e relativamente fechadas, onde a demanda interna é o principal motor do crescimento. No mesmo período, a exportação cresceu de 7,5% para 18,1% do PIB e a importação de 9,5% para 15,7%do PIB, ou seja, o fluxo comercial dobrou de 17% para 33,9% do PIB!

O social-desenvolvimentismo defende um mercado de trabalho organizado. Sindicatos fortes e políticas públicas devem garantir a negociação coletiva, o queé importante para se obter aumentos salariais capazes de sustentarem a demanda.

Governos com hegemonia de partido de origem trabalhista, em economias wage-led, adotam políticas de modo a promover a redistribuição de renda, como aumentos no salário mínimo, benefícios sociais e uma política fiscal progressiva sobre rendas mais altas, para fortalecer o poder de compra dos trabalhadores.

O novo-desenvolvimentismo defende a transformação da economia brasileira em export-led, como as dos Tigres Asiáticos, embora esteja distante de CGV (Cadeias Globais de Valor). Imagina o crescimento econômico ser impulsionado principalmente pelo aumento das exportações, gerando um maior superávit comercial (US$ 98,8 bilhões em 2023) e maior acumulação de reservas cambiais (US$ 355 bilhões).

Não percebe o círculo vicioso. Parte das exportadoras têm grandes participações acionárias de estrangeiros e farão remessa de lucros obtidos com as exportações para o exterior, gerando déficit no balanço de transações correntes e maior necessidade de IDP (Investimento Direto no País) para equilíbrio do balanço de pagamentos com progressiva desnacionalização econômica.

A economia export-led precisa ser altamente competitiva no mercado internacional, com uma base de produção com inovação tecnológica não disponível no Brasil e custos relativamente baixos, ou seja, elevada relação câmbio / salário. Assim, os produtos e serviços do país seriam atraentes nos mercados externos.

Nesse projeto novo-desenvolvimentista, o crescimento seria dependente da demanda externa, e as exportações teriam de passar a representar uma parte mais substancial do PIB. Economias export-led possuem uma alta elasticidade da demanda de exportações, ou seja, o crescimento das exportações responde fortemente às condições econômicas globais, inclusive às cotações voláteis de commodities.

Os economistas novos-desenvolvimentistas, defendem os policy-makers brasileiros adotarem políticas cambiais de modo a manter a moeda nacional relativamente desvalorizada, tornando as exportações industriais mais competitivas – e mais ainda as agropecuárias e as extrativas de minerais e petróleo. Além disso, pensam em conceder subsídios ou incentivos diretos ao setor exportador industrial.

Como reagirá o Banco Central do Brasil independente com a meta de controle da inflação? Alterará a política cambial, fazendo intervenções “sujas” no regime de câmbio flexível em benefício dos industriais e prejuízo dos trabalhadores diante a maior inflação importada?

Esse projeto exigiria maiores investimentos em infraestrutura exportadora. O governo e o setor privado teriam de investir fortemente em infraestrutura de modo a apoiar as exportações, como portos, rodovias, e centros logísticos, além de promover acordos comerciais favoráveis.

Pior social e politicamente seria, em um regime export-led, haver uma moderação ou contenção do crescimento salarial para manter a competitividade dos preços no mercado internacional. Isso limitaria o crescimento da demanda interna, com a economia dependendo mais das exportações para sustentar o crescimento.

A indústria brasileira não é integrada em Cadeias Globais de Valor, exceto com a indústria automobilística do norte da Argentina. Não possui segmentos importantes da produção focados em setores competitivos no comércio internacional, como manufaturas de alta tecnologia, commodities ou serviços especializados.

Na prática, economias não são puramente wage-led ou export-led, mas podem exibir características de ambos os regimes em diferentes contextos. Por exemplo, a orientação pragmática da economia brasileira desnacionalizada é influenciada pela política econômica em busca de satisfazer também aos investidores estrangeiros com estratégia de exploração do mercado interno.

As políticas fiscais e monetárias expansionistas tornam a economia mais wage-led, enquanto as políticas voltadas para a competitividade externa favoreceriam um regime export-led. Com o tempo, a economia brasileira poderá transitar de um regime para outro, devido a mudanças estruturais, como a globalização, inovações tecnológicas ou mudanças na distribuição de renda – e não por causa de uma política cambial extemporânea e inadequada ao combate inflacionário.

Na verdade, as economias wage-led e export-led não são mutuamente exclusivas. Uma orientação pragmática da economia brasileira pode estimular a demanda doméstica (wage-led) e, ao mesmo tempo, explorar mercados externos (export-led) para maximizar o crescimento.

Para determinar se uma economia é wage-led ou export-led, é necessário analisar como o crescimento econômico é impulsionado e quais são os principais motores da demanda agregada. Enquanto uma economia wage-led se baseia principalmente na força da demanda doméstica, alimentada pelo aumento dos salários, uma economia export-led depende da competitividade internacional e da demanda externa para sustentar seu crescimento.

Ambos os regimes têm suas próprias vantagens e desvantagens, a depender de como, de acordo com suas circunstâncias estruturais e demográficas, ela equilibra essas diferentes forças.

“Detalhe” relevante: é um erro de análise factual pregar o diagnóstico da desindustrialização por conta da “doença holandesa”. Na realidade, essa pressuposta “desindustrialização” é um mito dos lobistas industriais!

Segundo o IBGE-SCN 1T24, a participação relativa no valor adicionado a preços básicos (desconsiderando a média de 14,1% de impostos para atingir o PIB) da Indústria Geral na estrutura setorial da produção praticamente se mantém em torno de 21,9% de 1995 a 2023. Tampouco a da Indústria de Transformação se altera tanto entre 1996 (13,1%) e 2023 (13,3%), embora tenha sofrido uma queda abaixo de sua média histórica (12,4%) no ciclo de 2011 a 2020, quando sua participação média ficou em 10,7%. Esse ciclo foi superado nos últimos três anos.

A indústria brasileira sempre foi desnacionalizada e sem autonomia tecnológica. A estratégia de seus acionistas estrangeiros visa explorar o mercado interno!

 

¨      O capital gafanhoto e a tragédia brasileira. Por Luís Nassif

Na Coluna Econômica de ontem mostrei as armadilhas da ultrafinanceirização da economia. Todo recurso gerado, seja pelo aumento da receita ou da venda de ativos, seria unicamente para o serviço da dívida pública.

No ano passado, R$736 bilhões foram subtraídos das empresas, na forma de spread bancário adicional (o que supera, por exemplo, o spread médio da França. Outros R$256 bilhões foram subtraídos de pessoas físicas.

O que aconteceria se esse excedente ficasse com os clientes? No caso de Pessoas Físicas, parte considerável seria canalizado para consumo – isto é, para o setor produtivo da economia. No caso das Pessoas Jurídicas, parte considerável reverteria em investimentos, em ampliação e modernização da capacidade produtiva.

Compare com os R$45 bilhões de reaplicação de lucros das empresas listadas na B3. Reaplicaram R$45 bilhões de lucros e pagaram R$120 bilhões de custos financeiros.

Parte superior do formulário

Parte inferior do formulário

Processo similar ocorre com o orçamento público. No ano passado, os juros da dívida interna levaram R$290 bilhões do orçamento. Sem esse peso, o dinheiro estaria sendo investido em infraestrutura, em programas de redução dos custos do financiamento. Em qualquer hipótese, reverteria para o setor privado.

A volta dos lucros financeiros para a economia se dá da forma mais espúria possível. Não se trata de um sacrifício provisório visando capitalizar as empresas, permitindo um crescimento futuro. Trata-se da esterilização de toda a riqueza produtiva, que se esvai pelos escaninhos da financeirização, servindo apenas para enriquecer financistas, sem nenhum reflexo nos investimentos privados.

Controlando a riqueza financeira, os investimentos são sempre predatórios.

Um dos caminhos é a compra de empresas descapitalizadas. Ou seja, o empresário do setor produtivo é esmagado por juros, pelo custo do capital de giro, pela fragilidade do mercado de consumo. Sua empresa perde valor e é vendida na bacia das almas para o financista.

Outro negócio são os investimentos em startups. Com a carência de recursos, empreendedores são obrigados a vender uma curva de crescimento extorsivo.

Outro dos caminhos é a aquisição de empresas públicas para serem depenadas. Adquire-se a empresa, infla-se a distribuição de lucros através da venda de ativos, redução da manutenção e dos investimentos. Literalmente sacam contra o futuro. Depois de depenada, a empresa é devolvida ao Estado.

Analise-se o caso da Thames Water, a maior empresa de saneamento da Inglaterra. Basta consultar a imprensa internacional, já que a nacional é incapaz sequer de analisar o caso Sabesp.

A Thames Water tem dívidas de 14 bilhões de libras. A maior razão foram empréstimos vultuosos contraídos para pagar dividendos elevados aos seus acionistas. Nenhum centavo foi aplicado na infraestrutura.

Sem manutenção, passou a sofrer multas pesadas, por não cumprir padrões ambientais. Em 2021, foram 4 milhões de libras em multas por jogar esgoto não tratado em um rio. E não cumpriu metas de redução da poluição.

Hoje em dia, discute-se a intervenção do governo, para garantir a continuidade dos serviços de água e saneamento. Tudo isso no país de Margaret Thatcher. 

O episódio deflagrou um debate nacional sobre a possibilidade de reestatização do setor de saneamento. 

Por aqui há uma cegueira generalizada em relação a essa financeirização. O Plano Real desindexou toda a economia. Manteve indexados os aluguéis comerciais – corrigidos pelo IGP-M – e os títulos públicos, corrigidos pela taxa Selic ou pelo CDI.

Esse predomínio da financeirização tornou-se tão irracional, a ponto das principais vítimas desse modelo – industriais – acreditarem na fábula da gastança.

Aqui, um pequeno levantamento de como as principais economias do mundo tratam as taxas de juros:

Vários países ao redor do mundo estabelecem limites para as taxas de juros que podem ser cobradas em empréstimos e financiamentos. Essas restrições, conhecidas como leis de **usura**, são aplicadas para proteger os consumidores contra práticas abusivas e garantir que as taxas de juros sejam justas e razoáveis. A seguir, alguns exemplos de países que têm limites para as taxas de juros:

# Estados Unidos

Nos EUA, a regulamentação das taxas de juros é feita a nível estadual. Cada estado define seus próprios limites de usura para diferentes tipos de empréstimos (como cartões de crédito, empréstimos pessoais, hipotecas, etc.). Em alguns estados, os limites podem variar de 6% a 36%, dependendo do tipo de empréstimo e do credor.

# Canadá

No Canadá, a taxa de juros máxima que pode ser cobrada é de 60% ao ano, de acordo com o **Criminal Code** (Código Penal). Este limite se aplica a todos os tipos de empréstimos, exceto aqueles oferecidos por credores regulamentados, como bancos e cooperativas de crédito.

# Reino Unido

O Reino Unido não tem um limite fixo de usura, mas a Financial Conduct Authority (FCA) regula o mercado de crédito ao consumidor, incluindo limites específicos para o custo de empréstimos de curto prazo, como o “payday loans”. Por exemplo, a FCA impõe um teto de custo total de 0,8% ao dia do valor emprestado e uma proibição de cobranças que ultrapassem o valor do empréstimo original.

# França

Na França, existe um limite de usura definido pelo Banco da França, que varia dependendo do tipo de empréstimo e do montante. As taxas de usura são ajustadas trimestralmente e divulgadas publicamente. O limite é geralmente calculado como uma porcentagem acima da taxa média de mercado para cada tipo de crédito.

# Alemanha

A Alemanha também aplica um limite de usura. A lei alemã considera que uma taxa de juros é “usurária” se exceder em mais de 100% a taxa média do mercado para o tipo específico de crédito. Se um credor cobrar uma taxa considerada excessiva, o contrato pode ser considerado nulo, e o credor pode ser penalizado.

# Japão

No Japão, a taxa de juros máxima permitida para empréstimos ao consumidor é de 20% ao ano, de acordo com a **Lei de Regulação de Empresas de Empréstimos**. O Japão também possui mecanismos de controle rigorosos e regulamentação para proteger os consumidores contra práticas abusivas de cobrança de juros.

# Itália

Na Itália, os limites de juros são estabelecidos trimestralmente pelo **Ministério da Economia e Finanças**. As taxas máximas permitidas são baseadas em médias de mercado e variam de acordo com o tipo de empréstimo. As taxas de juros usurárias são proibidas e podem resultar em sanções.

# Espanha

Na Espanha, não há um limite fixo para taxas de juros, mas o Supremo Tribunal Espanhol já determinou que uma taxa de juros é usurária se exceder em 2,5 vezes a média do mercado para o tipo específico de crédito.

# África do Sul

Na África do Sul, a **National Credit Act (Lei Nacional de Crédito)** define limites máximos para as taxas de juros de diferentes tipos de crédito. Os limites variam de acordo com a categoria do crédito e são revisados periodicamente.

 

Fonte: Por Fernando Nogueira da Costa, em A Terra é Redonda

 

Nenhum comentário: