sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Desconhecimento do calendário, desinformação e capacitação de profissionais são desafios para imunização de adultos

O Brasil possui uma ligação histórica com a vacinação. Graças ao trabalho desenvolvido por décadas, o Programa Nacional de Imunização (PNI) se tornou um exemplo global de estratégia nessa área e foi o responsável pela eliminação de doenças, como poliomielite.2,3 Mas a relação entre brasileiros e imunizantes começou a ser maculada nos últimos anos, principalmente na imunização de adultos e idosos, por razões como falta de conhecimento do calendário vacinal – que inclui imunização em todas as fases da vida –, hesitação vacinal, desinformação, e, até mesmo, capacitação dos profissionais de saúde.1

Em 2021 o Brasil atingiu a menor cobertura vacinal em um período de 20 anos, com a média nacional em 52,1% – de 2001 a 2015, essa taxa era acima de 70%, segundo o Observatório da Atenção Primária à Saúde da associação civil sem fins lucrativos Umane.3

“Eu cresci ouvindo que vacina era coisa de criança. Se eu, como médica, ouvi isso, imagina o resto da população”, diz Rosana Richtmann, infectologista do Instituto Emílio Ribas e membro dos Comitês de Imunização da Sociedade Brasileira de Infectologia e de Calendários da Sociedade Brasileira de Imunização. “A hora que você informa para o paciente adulto ou idoso que ele tem uma vacina para tomar, que ele tem um calendário vacinal a seguir, ele se surpreende. Essa falta de informação faz com que as pessoas achem isso.”

•        Vítimas do próprio sucesso

Um dos grandes desafios na manutenção e ampliação da cobertura vacinal é a queda da percepção de risco, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em cinco capitais brasileiras.4 “As vacinas são vítimas do próprio sucesso”, aponta Richtmann. Ela explica que, se hoje temos gerações inteiras que desconhecem doenças como poliomielite, coqueluche e difteria, é graças ao sucesso das estratégias nacionais de vacinação.

A infectologista cita a pandemia como exemplo: “Em 2020, as pessoas brigavam nas filas, faziam qualquer negócio para se vacinar, para conseguir fazer uma viagem aos Estados Unidos. A hora em que a doença deixa de ter a mesma gravidade porque todo mundo já estava vacinado ou já teve a doença, essa percepção de risco cai e as pessoas não querem mais saber da vacina. Elas começam a valorizar só os efeitos adversos e esquecem os benefícios.”

Richtmann destaca que educar a população sobre a importância de se tomar determinada vacina é fundamental. Especialmente para idosos, manter a carteira de vacinação atualizada é uma das

principais estratégias para evitar complicações e sequelas a longo prazo causadas por doenças. Isso porque ao envelhecer, ocorre um processo natural chamado imunossenescência, no qual o sistema imunológico se torna gradativamente mais frágil e apresenta piores respostas no geral.5

Entre esse público, uma das principais barreiras é a própria falta de informação e conhecimento sobre o calendário vacinal após a adolescência, por parte da população em geral.1 No fim de junho, a Fiocruz divulgou um alerta6 para o aumento de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) em pelo menos dez estados do país, “decorrente fundamentalmente dos vírus influenza A, vírus sincicial respiratório (VSR) e rinovírus”.

•        Hesitação vacinal e desinformação

Mas a baixa percepção de risco e a falta de informação não são os únicos fatores que contribuem para a hesitação vacinal. De acordo com a OMS, os motivos podem estar associados também a crenças negativas baseadas em mitos, falta de confiança nos profissionais e sistema de saúde, posicionamento dos líderes influentes, custos e barreiras geográficas.7

Para Renato Kfouri, pediatra infectologista e ex-presidente da SBIm, todos esses elementos colocam em xeque a necessidade de se imunizar: “É uma conjunção de fatores. A baixa percepção de risco, a chegada das vacinas com tecnologias genéticas na pandemia, o oportunismo de grupos com interesses alheios à saúde. Tudo isso favorece esse cenário de desinformação.”

O sucesso das fake news, segundo Rosana Richtmann, se dá por uma cadeia de ações. “Primeiro, um indivíduo se posiciona como antivacina e publica uma fake news na internet. Esse conteúdo encontra um disseminador que, às vezes, não se preocupa em checar a informação, mistura a informação falsa com algumas verdades e compartilha com a sua rede, viralizando.” Nisso, como aponta a infectologista, o conteúdo chega até um indivíduo que consome os conteúdos disponíveis nas redes sociais sem um olhar mais crítico.

“A própria OMS desenvolveu uma escala que mede a afinidade ou não de uma pessoa em relação às vacinas. Então, você tem os dois extremos. Um extremo é aquela pessoa que toma todas as vacinas e confia em todas. O outro extremo é o totalmente antivacina, que não confia em vacina nenhuma. E ambos os extremos reúnem uma minoria da população, porque a maioria está no meio do caminho. São aquelas pessoas que tomam a vacina da gripe, mas não confiam em outra, que ficam na dúvida se tomam ou não determinada vacina”, complementa.

Ela destaca, contudo, que embora o movimento antivacina tenha se popularizado em meados da década passada, não é o principal responsável pela não vacinação. Isso porque, apesar de fazer barulho nas redes sociais, a parcela da população que é completamente contra a imunização é mínima, de acordo com Richtmann.

•        Formação dos profissionais de saúde

Outro ponto levantado pelos especialistas é a formação dos profissionais de saúde, que não costumam ter o conteúdo ao longo do aprendizado: “Um pediatra foi treinado e aprendeu na faculdade sobre imunização. Já um cardiologista, um endocrinologista, um clínico geral e até um geriatra, não tiveram essa formação. E agora as coisas estão mudando, temos novas vacinas e está se percebendo a obrigação de ter isso na formação básica dos profissionais”, avalia Rosana.

O documento “Imunização de Adultos e Idosos – base para estudos e decisões 2019”, elaborado pela SBIm, em 2019, traz uma pesquisa qualitativa com 11 médicos de diferentes especialidades a respeito da postura que adotam em relação ao diálogo com os pacientes sobre a vacinação.1 De acordo com o levantamento, infectologistas, obstetras e reumatologistas foram os que mais apontaram a relevância das vacinas para os seus pacientes, enquanto os demais não apontaram aspectos impactantes em suas áreas de atuação. Já quando a pergunta foi sobre o hábito de prescrição de vacinas, a percepção foi de que uma parcela dos profissionais não se considera “agente de difusão do recurso preventivo”.1

O mesmo estudo conversou também com 27 adultos e idosos, e apesar das respostas dos profissionais, nenhum dos pacientes entrevistados – exceto ex-gestantes – afirmou ter sido aconselhado por médicos a se vacinar. “Ao contrário, o assunto parece abordado somente quando o próprio paciente questiona o profissional”, diz o texto.1

Para Renato Kfouri, é fundamental que as escolas de saúde reavaliem as grades curriculares atuais e deem mais protagonismo para a questão da imunização ao longo da formação, independente da especialidade:

“É preciso que as escolas de medicina, de enfermagem, estimulem a formação dos futuros profissionais de saúde sobre a importância da vacinação em todas as áreas. Deveria ser natural um cardiologista ou um endocrinologista abordar o tema vacinação na consulta. O paciente com diabetes, doenças cardiovasculares ou outra condição crônica, são consideradas populações mais vulneráveis à diversas doenças como, por exemplo, infecções causadas pelo VSR, e certamente se beneficiaram dessa postura.”

•        Estratégias para imunização de adultos e idosos

Ao lado de recursos como saneamento básico e antibióticos, as vacinas contribuíram para a queda da mortalidade infantil e até mesmo para o aumento da expectativa de vida – o aumento foi de 30 anos em comparação com os números anteriores ao (PNI), de acordo com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).10,11 Segundo o Kfouri, a confiança sempre foi um dos principais pilares para o sucesso do PNI e, por isso, ele aponta que um dos caminhos para reverter o quadro é fortalecer não só a confiança na vacina, mas também na política pública que disponibiliza o imunizante para a população.

Ambos os especialistas também defendem que estabelecer um diálogo empático é um passo importante para superar a hesitação vacinal. Kfouri pontua que, embora a tendência inicial do profissional de saúde possa ser de confronto, é preciso se colocar no lugar do paciente: “Ele não quer o mal do filho dele, ele não vacina porque é impactado com a desinformação. Então, a contrainformação é fundamental. No dia a dia, precisamos estar munidos com panfletos, sites, conteúdos que desconstroem essas inverdades.”

Além de levar informações baseadas em evidências, abrir espaço para uma escuta ativa e compreender os motivos por trás da hesitação do paciente também é fundamental para saber como ajudá-lo a tomar essa decisão, como orientou o guia publicado pela Associação Médica Americana (AMA)8. “A melhor forma de abordar é fazer com que o paciente entenda que eu estou me colocando no lugar dele, e não responder de um lugar de superioridade e dona da ciência. Não adianta falar que essa dúvida é absurda, porque é o braço dele e no momento ele está saudável”, afirma Rosana Richtmann.

Ela aponta que é preciso também valorizar e capacitar os profissionais da enfermagem, que são peças fundamentais para as estratégias de imunização. “Não adianta o conhecimento ficar restrito a meia dúzia de pessoas. No dia a dia, não sou eu, médico, que estou na linha de frente vacinando”, completa.

Diante do novo cenário demográfico do país, que vive um envelhecimento acelerado, olhar para a imunização e construir soluções intersetoriais para preencher esse gap é um dos caminhos para uma longevidade saudável e sustentável.1,8,9 Kfouri menciona o trabalho da Sociedade Brasileira de Pediatria, que tem tido uma atuação muito forte no combate à hesitação vacinal formando multiplicadores, além da própria Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm) e do Ministério da Saúde, que tem uma página sobre dúvidas relacionadas à vacinação.

“Mas isso ainda é insuficiente, porque os grupos vão fazer barulho com as notícias, divulgar informações, mas o depoimento falso ainda é mais impactante do que informar com a ciência. A gente ainda está aprendendo a ter uma comunicação mais efetiva sem se desviar das ciências”, conclui.

“Junto da mudança do estilo de vida, exames preventivos e controle das doenças crônicas, o avanço na plataforma de vacinas tem contribuído muito para o aumento da expectativa de vida. Plataformas de vacinas recombinantes, baseadas em adjuvantes potencializadores de resposta, mais concentradas e visando o público mais idoso, que tradicionalmente tem uma resposta pior

em função do envelhecimento, é algo que já vem sendo desenvolvido”, aponta Kfouri.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

Nenhum comentário: