sábado, 14 de setembro de 2024

As mulheres no Irã que se arriscam a ir para a cadeia ao se negar a cobrir cabelo

Dois anos depois de Mahsa Amini, de 22 anos, morrer após entrar em coma sob custódia policial, e dos protestos que se seguiram no Irã, muitas mulheres continuam desafiando o rigoroso código de vestimenta do país. Mas o retorno da polícia da moralidade às ruas e novas punições para quem desrespeitar as regras renovam os esforços das autoridades iranianas para controlar o que as mulheres vestem.

“De início, eu ansiosamente arregacei um pouco as mangas. Depois, gradualmente, deixei os botões do meu sobretudo abertos. Eventualmente, o lenço em volta do meu pescoço tornou-se apenas um pedaço de tecido sem sentido.”

Rojin, 36 anos, é uma das mulheres que pararam de seguir o rigoroso código de vestimenta do Irã nos últimos dois anos, apesar dos riscos. Recusar-se a usar o hijab (lenço de cabeça) em público pode levar a multas e prisão. O termo "atos diários de resistência" foi cunhado nas redes sociais por mulheres iranianas para descrever este e outros gestos de desobediência.

Rojin diz que parte do medo que as mulheres tinham de serem punidas “desapareceu”. Na cidade onde mora, Sanandaj, na província do Curdistão, ela diz que virou normal ver mulheres e meninas sem o hijab. “Você não consegue imaginar mais as ruas sem os cabelos soltos das meninas.”

Mahsa Amini morreu após ser presa pela polícia da moralidade por supostamente violar regras do uso do hijab. Testemunhas relataram, na época, tê-la visto sendo espancada dentro de uma van policial. O Irã negou reiteradamente ter causado sua morte, atribuída a um problema cardíaco repentino.

Mas em março, uma missão de investigação da ONU disse ter encontrado evidências de trauma no corpo de Masha, sofrido enquanto ela estava sob custódia policial, levando a missão a concluir que Masha morreu em decorrência de violência física.

A morte causou indignação generalizada contra a polícia da moralidade e o establishment clerical do país. E por mais que os protestos tenham diminuído após forte repressão das forças de segurança, para muitos no Irã a morte de Masha representou um ponto de virada.

A BBC Persa conversou com 18 mulheres de diferentes partes do país para entender o que mudou desde então. Estamos usando pseudônimos para protegê-las.

Todas concordam que não há como voltar a como as regras eram aplicadas antes da morte de Masha, mas também falaram dos esforços renovados das autoridades para aplicar regras, que determinam que as mulheres devem cobrir seus cabelos com hijab e usar roupas longas e largas para disfarçar suas curvas.

As patrulhas da polícia moral do Irã foram retomadas no ano passado após uma pausa gerada pela repercussão da morte de Masha. Câmeras de vigilância capazes de detectar mulheres sem hijab foram instaladas nas ruas e no transporte público.

Agora, carros com motoristas ou passageiras com cabelos descobertos podem ser confiscados. E, no ano passado, próximo ao aniversário da morte de Masha, o parlamento do Irã aprovou um polêmico projeto de lei que aumentaria as penas de prisão e multas para mulheres e meninas que violassem o código de vestimenta.

Agora, aquelas que estiverem vestidas "de forma inadequada" enfrentam a possibilidade de até 10 anos de prisão — para os quais foi acordado um "julgamento" de três anos — embora, por enquanto, a implementação tenha sido pausada devido a objeções do Conselho dos Guardiões do país.

Várias mulheres com quem falamos dizem que planejam seus trajetos diárias de forma a evitarem serem detectadas. Sara K, 26, de Mahabad, diz: "Às vezes, pego os becos, o que torna o caminho mais longo, ou, em ruas onde sei que há câmeras, abaixo o quebra-sol (do carro) para esconder meu rosto."

"O medo que o governo incutiu em nós — de que se você sair sem um hijab, será presa, forçada a assinar um termo de compromisso (por escrito de não quebrar a lei do hijab novamente), multada ou ter seu carro apreendido — faz com que a sociedade patriarcal pressione novamente as mulheres a cumprirem a regra de uso do hijab."

A ofensiva relacionada ao código de vestimenta intensificou as divisões sobre o tema.

Enquanto alguns homens permanecem agindo em solidariedade às mulheres — ajudando-as, por exemplo, a fugir da polícia da moralidade — outros contribuem para garantir o cumprimento das regras.

Shadi, de Karaj, acredita que as tensões em torno do hijab aumentaram no ano passado.

Ela observa que alguns homens que apoiavam as mulheres agora estão mais propensos a criticar a escolha das roupas. O que Shadi atribui ao retorno da polícia da moralidade, à introdução de multas e à ameaça de fechamento de empresas que atendem mulheres consideradas violadoras do código de vestimenta.

Como resultado, ela escolhe roupas que permitem manter sua liberdade sem gerar problemas.

"Para evitar conflitos, tive que jogar um lenço em volta do pescoço, embora não acredite no hijab. Além dos avisos da polícia da moralidade, é frustrante quando pessoas comuns — motoristas de táxi, funcionários de cafés ou outros — me lembram disso."

Relatos de mulheres sendo presas, espancadas e multadas por não obedecerem às regras preocupam as famílias preocupadas com filhas determinadas a seguir no caminho escolhido apesar dos riscos.

"A prisão e a multa de mulheres não afetam apenas o indivíduo — tornam-se um problema para toda a família. Já vi muitos casos em que as famílias, de diferentes maneiras, tentam convencer suas filhas a usar o hijab fora de casa," diz Rojin.

Reza, um advogado de 40 anos, de Teerã, diz saber de funcionários do sistema de justiça que usam os dados pessoais das mulheres de forma indevida.

"Em alguns casos, gerentes de escritório e funcionários do tribunal pegam os números de telefone das mulheres sob o pretexto de ajudá-las e flertam através de ligações até que o caso seja resolvido. As clientes, não tendo outra escolha, muitas vezes sentem-se forçadas a entrar no jogo para que o caso seja encerrado."

<><> Como o código de vestimenta surgiu

  • O rigoroso código de vestimenta do Irã remonta ao início dos anos 1980.
  • O país do Oriente Médio tornou-se uma república islâmica durante a revolução de 1979, quando a monarquia foi derrubada e os clérigos assumiram o controle político sob a liderança do aiatolá Khomeini.
  • Logo após assumir o poder, ele decretou que todas as mulheres deveriam usar o véu — independentemente de religião ou nacionalidade — e introduziu uma série de restrições às suas liberdades.
  • A polícia da moralidade — conhecida formalmente como "Gasht-e Ershad" (Patrulhas de Orientação) — tem a tarefa, entre outras coisas, de garantir que as mulheres estejam em conformidade com a interpretação das autoridades sobre o que são roupas "adequadas".
  • Os policiais têm o poder de parar as mulheres e avaliar se elas estão mostrando muito cabelo; se suas calças e sobretudos são muito curtos ou justos; ou se estão usando muita maquiagem.
  • Em 2014, as mulheres iranianas começaram a compartilhar fotos e vídeos de si mesmas desrespeitando publicamente as leis do hijab como parte de um protesto online chamado "Minha Liberdade Furtiva". Outros movimentos surgiram desde então, como "Quartas-feiras Brancas" e "Meninas da Rua da Revolução".

As pressões que as mulheres enfrentam e as atitudes para mudar diferem pelo país.

Mas até mesmo áreas mais conservadoras viram uma mudança.

Sanaz, de Mashhad, uma cidade conhecida como um local de peregrinação religiosa, diz que costumava haver um “ambiente muito rigoroso” sobre o uso do hijab, mas a partir de 2022 as meninas começaram a aos poucos sair sem ele.

"É claro que varia de bairro para bairro. Em ruas como Vakilabad, Ahmadabad e Hashemieh, as mulheres são mais livres, mas em áreas como o entorno do santuário e Ferdowsi Boulevard, por causa do ambiente religioso, menos mulheres andam sem hijabs", diz ela.

Mas embora algumas mulheres tenham ficado mais ousadas em Mashhad, e não haja patrulhas da polícia da moralidade na cidade, alguns civis agem como aplicadores das regras, diz Sanaz.

E apesar dos riscos significativos que enfrentam, as mulheres com quem a BBC falou insistem que continuarão a desafiar o código de vestimenta do país.

"Tendo experimentado um grau de liberdade neste país, vou continuar", diz Shadi.

 

¨      Como o "Estado Islâmico" alicia adolescentes na Europa

O extremismo islâmico foi apontado como uma possível influência sobre o adolescente austríaco que efetuou disparos próximo ao consulado de Israel em Munique e acabou morto pela polícia na semana passada. No entanto, o jovem de 18 anos Emrah I., natural de uma pequena cidade na região de Salzburgo, mal frequentava a mesquita local, não cultivava uma barba nem usava roupas tradicionais do islã.

A única pista que poderia ter indicado seu comportamento em Munique ocorreu no início de 2023. Ao investigar denúncias sobre uma briga na escola de Emrah I., a polícia austríaca encontrou vídeos de um jogo de computador em seu telefone, cujas cenas ele havia decorado com uma bandeira da Al Qaeda. Mas, depois disso, a polícia não encontrou mais nada e supõe que, nos meses seguintes, o adolescente foi radicalizado por meio da internet.

O caso de Emrah I. não é isolado. Entre março de 2023 e março de 2024, pesquisadores do Instituto de Washington para Política do Oriente Próximo contabilizaram 470 casos legais relevantes relacionados ao grupo extremista "Estado Islâmico" (EI). Adolescentes ou menores de idade estavam envolvidos em pelo menos 30 desses casos, e, segundo o levantamento, "esse número pode ser significativamente maior, dado que muitas nações não divulgam a idade dos presos".

Outra pesquisa, liderada por Peter Neumann, professor de estudos de segurança no King's College, em Londres, analisou 27 casos recentes relacionados ao EI e descobriu que quase dois terços das prisões relacionadas ao grupo na Europa foram de adolescentes.

Na semana passada, um adolescente de 14 anos foi preso no Uruguai após se identificar online como um terrorista "lobo solitário", e um menino de 11 anos foi detido na Suíça na última sexta-feira por espalhar mensagens extremistas nas redes sociais.

<><> Adolescentes ocidentais na mira?

Embora tenha sido derrotado militarmente numa operação conjunta entre forças dos EUA e do Iraque que mirou líderes do grupo em 2017, o "Estado Islâmico" ainda existe. Ele atua em países africanos e tem um braço baseado no Afeganistão conhecido como "Estado Islâmico Khorasan" (EI-K), que, segundo observadores, tem se concentrado cada vez mais na comunicação externa.

Desde janeiro deste ano, o EI-K tem encorajado seguidores a cometer ataques do tipo "lobos solitário" na Europa e a mirar grandes eventos como os Jogos Olímpicos, shows e partidas de futebol.

No entanto, especialistas não acreditam que essas mensagens sejam destinadas explicitamente a adolescentes europeus. Eles consideram que o número crescente de adolescentes por trás de atentados está mais relacionado à forma como as redes sociais e plataformas de mensagens permitem que esses jovens acessem conteúdos do EI.

Os ataques cometidos por adolescentes tendem a ser "inspirados" pelo EI, em vez de serem ordenados diretamente por alguém no Afeganistão. Essa é uma dinâmica muito diferente da que se viu em 2014, quando o grupo extremista assumiu o controle de grandes partes do Iraque e da Síria. Naquela época, potenciais recrutas frequentemente estavam em contato direto com um mentor no Oriente Médio, que os incentivava a deixar suas casas e ir para o autoproclamado califado.

Hoje o movimento é mais descentralizado, apontam Lucas Webber, pesquisador do The Soufan Center, um think tank de segurança com sede em Nova York, e Pieter Van Ostaeyen, analista que pesquisa o EI há mais de uma década e monitora o grupo para o Counter Extremism Project, um think tank internacional.

"Você ainda tem um serviço de mídia central e um comando central, que dirigiu o ataque na Rússia [contra uma sala de concertos na região metropolitana de Moscou, em março deste ano], por exemplo. Mas, neste momento, acho que há uma rede muito mais diversa recrutando esses jovens", afirma Van Ostaeyen.
"Trata-se mais de uma rede difusa, na qual há jovens em seus próprios círculos online, nessas comunidades, que querem ser influenciadores", confirma Moustafa Ayad, diretor executivo para África, Oriente Médio e Ásia no Instituto de Diálogo Estratégico (ISD, na sigla em inglês), com sede em Londres, que pesquisa extremismo.

"A ideologia ainda desempenha um papel — isso não pode ser ignorado —, mas a 'memeficação' ou a 'Tik-Tok-ificação' do conteúdo do 'Estado Islâmico' em vídeos mais curtos e em idiomas locais torna a ideia mais acessível para os jovens", acrescenta Ayad, observando que os vídeos têm uma estética característica – sombria e ameaçadora. Tabloides vêm usando o termo "terroristas do Tik Tok".

<><> Radicalização mais rápida?

Há muitos exemplos desse tipo de redes, aponta Ayad. No recente caso do potencial ataque aos shows de Taylor Swift em Viena, a polícia austríaca investigou as redes digitais do principal suspeito, um jovem austríaco de 19 anos. A polícia alemã então deteve um adolescente de 15 anos em Brandemburgo, suspeito de encorajar o austríaco.

Uma situação semelhante veio à tona após o esfaqueamento de um bispo australiano em abril. Após as redes digitais do perpetrador de 16 anos serem investigadas, outros seis adolescentes foram acusados. Eles estavam em contato por meio do aplicativo de mensagens Signal, em um grupo de bate-papo que criaram chamado "Plans" (planos).

Essas redes são difusas e orgânicas, e ninguém sabe exatamente o quão grandes elas são, observa Ayad. Para o especialista, as plataformas não estão fazendo o suficiente para remover conteúdo extremista.

Além disso, segundo os chefes dos serviços de segurança federais da França e da Suíça, o processo de radicalização está mais rápido.

Ayad afirma não ter dados sobre a velocidade da radicalização, mas aponta que a quantidade de conteúdo extremista vem crescendo, assim como o número de indivíduos interagindo em cada vez mais plataformas.

<><>  que adolescentes são atraídos?

A mensagem básica que o EI sempre promoveu continua a mesma: o mundo persegue os muçulmanos, mas, se você se juntar a nós, seremos fortes juntos. Adolescentes alienados ou marginalizados, em busca de pertencimento ou de um conjunto de regras em um mundo complexo, podem achar essa mensagem atraente, afirmam psicólogos.

Fatores políticos também desempenham um papel no crescente número de adolescentes radicalizados. Especialistas afirmam que o EI está usando o atual conflito entre Israel e o grupo palestino Hamas em Gaza como evidência de que "o resto do mundo odeia os muçulmanos" e que seus apoiadores deveriam se vingar.

"O número de civis mortos [em Gaza] captado pelas câmeras, prontamente disponível para todos e que destaca a situação de morte e destruição, terá um efeito também sobre as crianças", considera Ayad. "Sabemos que esse tipo de conteúdo violento faz com que as crianças ou se retraiam ou se tornem mais agressivas."

ascensão da ultradireita na Alemanha, bem como o atual debate sobre a imigração e a islamofobia no país, provavelmente também terá um impacto sobta leva a mais comportamento jihadista. É simples assim. Ambos os grupos estão se fortalecendo mutuamente", afirma Van Ostaeyen.

"Há muita pose por parte de seguidores do ‘Estado Islâmico', muitas ameaças. Mas não acho que estejamos nos mesmos níveis de 2015 e 2016", considera Ayad.

"Quando se trata desses jovens, seus planos geralmente não são muito bem elaborados. Mas poderiam ter graves consequências, se realmente tivessem sucesso. Basta um ataque bem-sucedido", conclui.

 

Fonte: BBC News Mundo/DW Brasil

 

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