Por que Washington
não consegue restabelecer relações com Pequim?
Nos
últimos anos, as relações entre a China e os EUA têm se deteriorado
significativamente, tanto que o chanceler chinês, Qin Gang, disse que os laços
estão em seu ponto mais baixo. O correspondente da Sputnik Leonid Kovachich
explica por que isso acontece.
As
palavras do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de que o presidente
chinês Xi Jinping é um "ditador" refletem a posição das autoridades
norte-americanas. Isso foi afirmado pelo secretário de Estado dos EUA, Antony
Blinken.
Ele
disse que o presidente norte-americano falou de forma franca e direta e
"falou por todos nós".
Mais
cedo, em Pequim, houve um forte protesto contra as declarações de Biden, com
alguns especialistas sino-americanos apontando que os epítetos contra o
presidente chinês foram expressos em um momento extremamente inadequado.
Biden
fez sua declaração quase imediatamente depois que o secretário de Estado
Blinken realizou sua visita à China. Essa visita havia sido planejada para
fevereiro, mas foi cancelada devido ao incidente com o balão abatido.
Assim
como naquela época, também agora parece que o governo norte-americano está se
contradizendo.
Por
um lado, ele toma algumas medidas concretas para normalizar as relações com a
segunda maior economia do mundo, mas, por outro lado, agrava imediatamente as
relações com a China, geralmente a partir do nada.
A
reunião entre Biden e Xi à margem da cúpula do G20 na Indonésia no último
outono (no Hemisfério Norte) era há muito esperada e foi produtiva: os dois líderes
pareciam capazes de chegar a um acordo sobre as regras do jogo, sobre o
desenvolvimento de canais de comunicação entre Washington e Pequim em todos os
níveis e sobre a cooperação construtiva, quando fosse benéfica para ambos os
países.
Mesmo
que a reunião do outono em Bali tenha sido ofuscada pela recente imposição de
restrições tecnológicas sem precedentes dos EUA à China, como barreiras à
exportação de semicondutores, Pequim ainda estava aberta ao diálogo, diz o
correspondente.
A
visita de Blinken em fevereiro deveria ser uma continuação lógica do trabalho
no contexto dos acordos atingidos entre os líderes.
E
então os Estados Unidos abatem o aeróstato chinês. Blinken cancela a visita. A
China responde chamando a ação dos EUA de "reação exagerada" e
cortando todos os canais de comunicação.
Foram
necessários quase seis meses para que a situação se acalmasse e fossem
novamente criadas as condições para a visita do secretário de Estado.
Finalmente,
em junho, Blinken foi a Pequim. Seu principal objetivo era estabelecer canais
de comunicação perdidos com a China onde fosse possível, a fim de evitar
mal-entendidos e incidentes infelizes, que poderiam, no entanto, levar a uma
escalada descontrolada nas relações.
Em
geral, de acordo com Kovachich, a visita pode ser considerada um sucesso:
Blinken será seguido à China por autoridades do bloco econômico: a chefe do
Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e a do Departamento de Comércio.
A
única área em que ainda não houve progresso foi na comunicação militar entre os
dois países. Por outro lado, Pequim estabeleceu condições bastante
especificadas – primeiro os EUA devem suspender as sanções contra o ministro da
Defesa chinês e, depois disso, será possível falar sobre comunicações.
Mas
logo após a visita, Biden, falando em um evento de arrecadação de fundos para
sua campanha eleitoral na Califórnia, chama Xi de "ditador". Parecia
um deslize infeliz da língua.
Kovachich
acredita que isso pode ser atribuido ao fato de que o presidente estadunidense
estava falando para um público doméstico e precisava agradar a seus
"patrocinadores". E, por si só, seria improvável que o incidente
tivesse um impacto significativo nas relações entre os dois países.
O
problema é que essas contradições na política de Washington em relação à China
são constantes, afirma ele.
No
ano passado, Biden e Xi tiveram uma conversa telefônica, e o presidente dos EUA
garantiu ao líder chinês que os dois países deveriam cooperar onde fosse
benéfico para ambos os lados.
Imediatamente
após isso, os EUA impuseram restrições às exportações de produtos e tecnologia
de semicondutores para a China, aprovaram a lei protecionista Chips Act, que
proíbe as empresas de investir no setor de semicondutores chinês, e começaram a
persuadir seus aliados a aderir às sanções contra a China.
Durante
a última visita de Blinken à China, a mídia norte-americana começou a divulgar
que a China estava supostamente estabelecendo bases militares secretas em Cuba,
inclusive para coletar informações sobre os EUA.
Como
resultado, a China vê que frequentemente as ações dos Estados Unidos
contradizem suas declarações e que a política de Washington em relação à China
é completamente imprevisível e contraditória.
Segundo
o correspondente, a conclusão é simples: não pode haver confiança nos EUA. A
China tem afirmado repetidamente: não se pode abraçar com uma mão e bater com a
outra.
Em
primeiro lugar, os Estados Unidos devem demonstrar na prática sua disposição
para diminuir a escalada e normalizar as relações. E, pelo menos, dar alguns passos
nesse sentido.
Contudo,
tanto os EUA quanto a China estão igualmente cientes das perspectivas das
relações bilaterais, ou seja, que um confronto entre as duas grandes potências
é inevitável. A única questão é o dinamismo com que esse confronto se intensificará.
Kovachich
diz que se seguir a lógica de que a China é uma superpotência em ascensão e os
EUA é uma em declínio, fica claro que a China está interessada em adiar a
escalada das tensões para mais tarde, a fim de acumular força.
Para
os Estados Unidos, o tempo está jogando contra eles. E, no entanto, pelo menos
no atual ciclo eleitoral, até 2024, Washington também não está interessado em
aumentar as tensões.
Portanto,
tanto os esforços de Blinken quanto as ações do governo Biden como um todo se
encaixam no contexto de evitar uma escalada excessiva das tensões.
Por
outro lado, a aproximação das eleições nos EUA dita certas regras do jogo: dado
o raro consenso entre os partidos sobre a necessidade de confrontar a China, os
políticos provavelmente ganharão seu capital competindo para ver quem tem uma
retórica anti-China mais dura.
Nesse
sentido, as palavras de Biden não foram obviamente apenas um deslize infeliz,
diz o correspondente. Outra questão é que essa situação em si representa uma
ameaça às relações bilaterais não inferior à falta de canais de comunicação
entre as Forças Armadas dos EUA e as da China.
Ø
BRICS
ou suicídio no interesse dos EUA: especialistas avaliam opções do mundo
multipolar
A
Sputnik pediu a opinião de especialistas sobre os atuais papéis do BRICS e do
Ocidente, e suas prováveis trajetórias nos próximos anos.
O
enorme interesse no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo (SPIEF, na
sigla em inglês), apesar das sanções globais antirrussas, e a fila daqueles que
querem se juntar ao BRICS, indica que estão acontecendo processos globais
irreversíveis, acreditam especialistas entrevistados pela Sputnik.
O
analista Branko Pavlovic explica que os países preferem se unir cada vez mais a
associações diferentes em que "os EUA não estão presentes", e que
esses grupos funcionam. Segundo ele, não há lugar para chantagem em tais
alianças, e "as capacidades tecnológicas das economias da China, Rússia e
Índia tornam o Ocidente praticamente inútil". Pavlovic acredita que, apesar
de algumas vantagens tecnológicas ocidentais, os países do BRICS eliminarão
essa lacuna em não mais que cinco anos.
O
especialista cita como exemplo do sucesso do BRICS o Novo Banco de
Desenvolvimento, que, de acordo com um relatório recente, concedeu mais de US$
30 bilhões (R$ 143,61 bilhões) em empréstimos para vários projetos nos países
fundadores, enquanto há alguns anos essa soma era de US$ 3 bilhões (R$ 14,36
bilhões).
"Quando
as pessoas veem isso agora, elas dizem: se nos unirmos ainda mais, isso criará
um potencial de desenvolvimento no modelo ganha-ganha. Os motivos para o
interesse no BRICS podem ser diferentes, mas, de qualquer forma, eles devem ser
vistos como uma grande derrota para a política dos EUA", observa Pavlovic.
O
economista Mahmud Bushatlija, que também falou à Sputnik, destacou o processo
de desdolarização, mencionado em negociações entre a Rússia, China e Índia. Ele
acredita que os Estados Unidos permanecerão uma grande economia por um longo
tempo, "mas nunca mais serão a primeira e a única".
Já
sobre o "caminho europeu" proclamado por Aleksandar Vucic, presidente
da Sérvia, que também admitiu que Bruxelas não quer que Belgrado seja um membro
da comunidade, o especialista Branko Pavlovic sugere que se torne membro
associado do BRICS, para evitar uma situação como a atual, em que dois terços
do comércio estão vinculados à União Europeia.
"A
questão não é que seja a UE, mas que se você estiver vinculado a uma entidade,
você compartilha o destino de suas decisões. E quando ela decidir se suicidar
no interesse dos Estados Unidos e entrar em recessão e crise nos próximos anos,
as consequências afetarão você também", apontou Pavlovic.
"Não
se deve hesitar. Se o presidente francês quis participar da cúpula do BRICS,
por que não a Sérvia, que tem relações muito melhores com esses países e está
comprometida com os princípios do não alinhamento? A ideia de coexistência
pacífica encontra sua melhor expressão no BRICS", sugeriu.
Busatlija
também acredita que o status de observadora da Sérvia no BRICS será suficiente.
"Nosso
objetivo é cooperar com muitos países, porque agora somos uma colônia europeia.
A Europa não precisa de nós na UE, porque isso pressupõe igualdade, e então não
poderemos estabelecer condições e abusar de nós, como está acontecendo
agora", sublinhou ele.
"Precisamos
nos libertar disso e encontrar outros mercados. Mas somos um Estado pequeno e
sempre seremos pequenos para o BRICS. É necessário focar no desenvolvimento de
relações bilaterais. Podemos encontrar uma linguagem comum com todos os membros
do BRICS, mas no BRICS como uma associação, o status de observador é o nosso
máximo", concluiu o especialista.
Ø
Crise
causada por Washington afeta agora todo o mundo, inclusive América Latina, diz
MRE russo
Os
países ocidentais agravaram a crise ucraniana ao ponto de ter obtido uma
"escala global" e afetar agora todas as regiões do mundo, inclusive a
América Latina, de acordo com um comunicado da chancelaria russa.
Em
26 de junho, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov,
presidiu uma reunião do Conselho do ministério sobre a "Reação a novos
desafios e ameaças em um ambiente internacional alterado".
"O
Conselho observou que as relações internacionais contemporâneas são
caracterizadas por um alto nível de conflituosidade, centrado na guerra
'híbrida' travada pelo 'Ocidente coletivo' contra a Rússia", diz o
comunicado divulgado no site da chancelaria russa após a reunião.
O
Ministério das Relações Exteriores da Rússia afirma que os países ocidentais
transformaram a Ucrânia em uma "nova célula terrorista", alimentando
o "regime neonazista" em Kiev e usando-o como uma cabeça de ponte
para combater a Rússia.
Segundo
o comunicado, os países "anglo-saxões assumiram o papel de quartel-general
e de fornecedores de armas, inteligência e indicações de alvos a Zelensky para
ataques sistemáticos contra objetivos civis e cidadãos pacíficos em território
da Rússia".
"Por
meio dos esforços de Washington, Londres e seus satélites, a crise assumiu uma
dimensão geopolítica global, manifestando-se não apenas na Europa e nos EUA,
mas também em outras regiões, inclusive no Oriente Médio, na África, na América
Latina e no Ártico."
O
ministério também observou que o Ocidente coletivo está sacrificando as
perspectivas de cooperação universal em vários campos em favor de suas ambições
coloniais.
Ø
Macron:
enfrentar problemas da humanidade vai ser 'impossível' sem a cooperação
EUA-China
A
comunidade internacional deve ajudar a diminuir as tensões entre Washington e
Pequim, diz o presidente francês, Emmanuel Macron.
Encarar
os principais problemas enfrentados pela humanidade vai ser
"impossível" sem a cooperação entre os EUA e a China, disse o
presidente francês Emmanuel Macron.
Em
entrevista à CNN nesta segunda-feira (26), Macron enfatizou a necessidade de
reduzir as tensões, para permitir que os países trabalhassem juntos em grandes
desafios.
"Para
mim, a principal prioridade da agenda global é tentar consertar as crises
existentes, lutar contra a desigualdade e a pobreza e consertar as mudanças
climáticas e a biodiversidade [...]. Eu acrescentaria a isso a construção de
uma regulamentação comum sobre inteligência artificial [IA]", argumentou.
Esses
são "os principais desafios das próximas décadas, mas especialmente nesta
década", acrescentou o presidente francês.
"Para
cumprir esta agenda, precisamos de cooperação e, principalmente, precisamos de
cooperação entre a China e os EUA. Se não houver acordo entre a China e os EUA
sobre todos esses tópicos, é impossível construir uma agenda global e corrigir
esses problemas", concluiu Macron.
Ele
observou que o Acordo de Paris sobre mudança climática foi assinado em 2015
"porque o presidente Xi [Jinping] e o presidente [Barack] Obama chegaram a
um acordo alguns meses antes".
"Acho
que para os elementos críticos onde você aumentará as divisões, a
conflitualidade e as tensões entre a China e os EUA, devemos tentar moderá-los,
encontrar uma maneira de [...] diminuir as tensões", argumentou o
presidente francês.
Na
semana passada, o secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, fez uma visita
há muito adiada à China em uma tentativa de diminuir as tensões sobre o apoio
norte-americano a Taiwan, o incidente do balão chinês em fevereiro e outras
questões.
Blinken
afirmou que durante sua viagem conseguiu "progresso" para colocar as
relações dos EUA com a China de volta nos trilhos. Ele também prometeu que
Washington "gerenciaria com responsabilidade" as diferenças e
garantiria que sua competição com Pequim "não se transformasse em
conflito".
No
entanto, parte desse progresso parece ter sido desfeito pelo presidente dos
EUA, Joe Biden, que rotulou seu colega chinês, Xi Jinping, de
"ditador" apenas um dia após o retorno de Blinken de Pequim.
O
Ministério das Relações Exteriores da China acusou o líder dos EUA de "uma
provocação política aberta", dizendo que o comentário "extremamente
absurdo" de Biden "violou seriamente a dignidade política da
China". O embaixador dos EUA em Pequim, Nicholas Burns, também foi
convocado e emitiu uma repreensão oficial.
Fonte:
Sputnik Brasil
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