terça-feira, 27 de junho de 2023

Por que Washington não consegue restabelecer relações com Pequim?

Nos últimos anos, as relações entre a China e os EUA têm se deteriorado significativamente, tanto que o chanceler chinês, Qin Gang, disse que os laços estão em seu ponto mais baixo. O correspondente da Sputnik Leonid Kovachich explica por que isso acontece.

As palavras do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de que o presidente chinês Xi Jinping é um "ditador" refletem a posição das autoridades norte-americanas. Isso foi afirmado pelo secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken.

Ele disse que o presidente norte-americano falou de forma franca e direta e "falou por todos nós".

Mais cedo, em Pequim, houve um forte protesto contra as declarações de Biden, com alguns especialistas sino-americanos apontando que os epítetos contra o presidente chinês foram expressos em um momento extremamente inadequado.

Biden fez sua declaração quase imediatamente depois que o secretário de Estado Blinken realizou sua visita à China. Essa visita havia sido planejada para fevereiro, mas foi cancelada devido ao incidente com o balão abatido.

Assim como naquela época, também agora parece que o governo norte-americano está se contradizendo.

Por um lado, ele toma algumas medidas concretas para normalizar as relações com a segunda maior economia do mundo, mas, por outro lado, agrava imediatamente as relações com a China, geralmente a partir do nada.

A reunião entre Biden e Xi à margem da cúpula do G20 na Indonésia no último outono (no Hemisfério Norte) era há muito esperada e foi produtiva: os dois líderes pareciam capazes de chegar a um acordo sobre as regras do jogo, sobre o desenvolvimento de canais de comunicação entre Washington e Pequim em todos os níveis e sobre a cooperação construtiva, quando fosse benéfica para ambos os países.

Mesmo que a reunião do outono em Bali tenha sido ofuscada pela recente imposição de restrições tecnológicas sem precedentes dos EUA à China, como barreiras à exportação de semicondutores, Pequim ainda estava aberta ao diálogo, diz o correspondente.

A visita de Blinken em fevereiro deveria ser uma continuação lógica do trabalho no contexto dos acordos atingidos entre os líderes.

E então os Estados Unidos abatem o aeróstato chinês. Blinken cancela a visita. A China responde chamando a ação dos EUA de "reação exagerada" e cortando todos os canais de comunicação.

Foram necessários quase seis meses para que a situação se acalmasse e fossem novamente criadas as condições para a visita do secretário de Estado.

Finalmente, em junho, Blinken foi a Pequim. Seu principal objetivo era estabelecer canais de comunicação perdidos com a China onde fosse possível, a fim de evitar mal-entendidos e incidentes infelizes, que poderiam, no entanto, levar a uma escalada descontrolada nas relações.

Em geral, de acordo com Kovachich, a visita pode ser considerada um sucesso: Blinken será seguido à China por autoridades do bloco econômico: a chefe do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e a do Departamento de Comércio.

A única área em que ainda não houve progresso foi na comunicação militar entre os dois países. Por outro lado, Pequim estabeleceu condições bastante especificadas – primeiro os EUA devem suspender as sanções contra o ministro da Defesa chinês e, depois disso, será possível falar sobre comunicações.

Mas logo após a visita, Biden, falando em um evento de arrecadação de fundos para sua campanha eleitoral na Califórnia, chama Xi de "ditador". Parecia um deslize infeliz da língua.

Kovachich acredita que isso pode ser atribuido ao fato de que o presidente estadunidense estava falando para um público doméstico e precisava agradar a seus "patrocinadores". E, por si só, seria improvável que o incidente tivesse um impacto significativo nas relações entre os dois países.

O problema é que essas contradições na política de Washington em relação à China são constantes, afirma ele.

No ano passado, Biden e Xi tiveram uma conversa telefônica, e o presidente dos EUA garantiu ao líder chinês que os dois países deveriam cooperar onde fosse benéfico para ambos os lados.

Imediatamente após isso, os EUA impuseram restrições às exportações de produtos e tecnologia de semicondutores para a China, aprovaram a lei protecionista Chips Act, que proíbe as empresas de investir no setor de semicondutores chinês, e começaram a persuadir seus aliados a aderir às sanções contra a China.

Durante a última visita de Blinken à China, a mídia norte-americana começou a divulgar que a China estava supostamente estabelecendo bases militares secretas em Cuba, inclusive para coletar informações sobre os EUA.

Como resultado, a China vê que frequentemente as ações dos Estados Unidos contradizem suas declarações e que a política de Washington em relação à China é completamente imprevisível e contraditória.

Segundo o correspondente, a conclusão é simples: não pode haver confiança nos EUA. A China tem afirmado repetidamente: não se pode abraçar com uma mão e bater com a outra.

Em primeiro lugar, os Estados Unidos devem demonstrar na prática sua disposição para diminuir a escalada e normalizar as relações. E, pelo menos, dar alguns passos nesse sentido.

Contudo, tanto os EUA quanto a China estão igualmente cientes das perspectivas das relações bilaterais, ou seja, que um confronto entre as duas grandes potências é inevitável. A única questão é o dinamismo com que esse confronto se intensificará.

Kovachich diz que se seguir a lógica de que a China é uma superpotência em ascensão e os EUA é uma em declínio, fica claro que a China está interessada em adiar a escalada das tensões para mais tarde, a fim de acumular força.

Para os Estados Unidos, o tempo está jogando contra eles. E, no entanto, pelo menos no atual ciclo eleitoral, até 2024, Washington também não está interessado em aumentar as tensões.

Portanto, tanto os esforços de Blinken quanto as ações do governo Biden como um todo se encaixam no contexto de evitar uma escalada excessiva das tensões.

Por outro lado, a aproximação das eleições nos EUA dita certas regras do jogo: dado o raro consenso entre os partidos sobre a necessidade de confrontar a China, os políticos provavelmente ganharão seu capital competindo para ver quem tem uma retórica anti-China mais dura.

Nesse sentido, as palavras de Biden não foram obviamente apenas um deslize infeliz, diz o correspondente. Outra questão é que essa situação em si representa uma ameaça às relações bilaterais não inferior à falta de canais de comunicação entre as Forças Armadas dos EUA e as da China.

 

Ø  BRICS ou suicídio no interesse dos EUA: especialistas avaliam opções do mundo multipolar

 

A Sputnik pediu a opinião de especialistas sobre os atuais papéis do BRICS e do Ocidente, e suas prováveis trajetórias nos próximos anos.

O enorme interesse no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo (SPIEF, na sigla em inglês), apesar das sanções globais antirrussas, e a fila daqueles que querem se juntar ao BRICS, indica que estão acontecendo processos globais irreversíveis, acreditam especialistas entrevistados pela Sputnik.

O analista Branko Pavlovic explica que os países preferem se unir cada vez mais a associações diferentes em que "os EUA não estão presentes", e que esses grupos funcionam. Segundo ele, não há lugar para chantagem em tais alianças, e "as capacidades tecnológicas das economias da China, Rússia e Índia tornam o Ocidente praticamente inútil". Pavlovic acredita que, apesar de algumas vantagens tecnológicas ocidentais, os países do BRICS eliminarão essa lacuna em não mais que cinco anos.

O especialista cita como exemplo do sucesso do BRICS o Novo Banco de Desenvolvimento, que, de acordo com um relatório recente, concedeu mais de US$ 30 bilhões (R$ 143,61 bilhões) em empréstimos para vários projetos nos países fundadores, enquanto há alguns anos essa soma era de US$ 3 bilhões (R$ 14,36 bilhões).

"Quando as pessoas veem isso agora, elas dizem: se nos unirmos ainda mais, isso criará um potencial de desenvolvimento no modelo ganha-ganha. Os motivos para o interesse no BRICS podem ser diferentes, mas, de qualquer forma, eles devem ser vistos como uma grande derrota para a política dos EUA", observa Pavlovic.

O economista Mahmud Bushatlija, que também falou à Sputnik, destacou o processo de desdolarização, mencionado em negociações entre a Rússia, China e Índia. Ele acredita que os Estados Unidos permanecerão uma grande economia por um longo tempo, "mas nunca mais serão a primeira e a única".

Já sobre o "caminho europeu" proclamado por Aleksandar Vucic, presidente da Sérvia, que também admitiu que Bruxelas não quer que Belgrado seja um membro da comunidade, o especialista Branko Pavlovic sugere que se torne membro associado do BRICS, para evitar uma situação como a atual, em que dois terços do comércio estão vinculados à União Europeia.

"A questão não é que seja a UE, mas que se você estiver vinculado a uma entidade, você compartilha o destino de suas decisões. E quando ela decidir se suicidar no interesse dos Estados Unidos e entrar em recessão e crise nos próximos anos, as consequências afetarão você também", apontou Pavlovic.

"Não se deve hesitar. Se o presidente francês quis participar da cúpula do BRICS, por que não a Sérvia, que tem relações muito melhores com esses países e está comprometida com os princípios do não alinhamento? A ideia de coexistência pacífica encontra sua melhor expressão no BRICS", sugeriu.

Busatlija também acredita que o status de observadora da Sérvia no BRICS será suficiente.

"Nosso objetivo é cooperar com muitos países, porque agora somos uma colônia europeia. A Europa não precisa de nós na UE, porque isso pressupõe igualdade, e então não poderemos estabelecer condições e abusar de nós, como está acontecendo agora", sublinhou ele.

"Precisamos nos libertar disso e encontrar outros mercados. Mas somos um Estado pequeno e sempre seremos pequenos para o BRICS. É necessário focar no desenvolvimento de relações bilaterais. Podemos encontrar uma linguagem comum com todos os membros do BRICS, mas no BRICS como uma associação, o status de observador é o nosso máximo", concluiu o especialista.

 

Ø  Crise causada por Washington afeta agora todo o mundo, inclusive América Latina, diz MRE russo

 

Os países ocidentais agravaram a crise ucraniana ao ponto de ter obtido uma "escala global" e afetar agora todas as regiões do mundo, inclusive a América Latina, de acordo com um comunicado da chancelaria russa.

Em 26 de junho, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, presidiu uma reunião do Conselho do ministério sobre a "Reação a novos desafios e ameaças em um ambiente internacional alterado".

"O Conselho observou que as relações internacionais contemporâneas são caracterizadas por um alto nível de conflituosidade, centrado na guerra 'híbrida' travada pelo 'Ocidente coletivo' contra a Rússia", diz o comunicado divulgado no site da chancelaria russa após a reunião.

O Ministério das Relações Exteriores da Rússia afirma que os países ocidentais transformaram a Ucrânia em uma "nova célula terrorista", alimentando o "regime neonazista" em Kiev e usando-o como uma cabeça de ponte para combater a Rússia.

Segundo o comunicado, os países "anglo-saxões assumiram o papel de quartel-general e de fornecedores de armas, inteligência e indicações de alvos a Zelensky para ataques sistemáticos contra objetivos civis e cidadãos pacíficos em território da Rússia".

"Por meio dos esforços de Washington, Londres e seus satélites, a crise assumiu uma dimensão geopolítica global, manifestando-se não apenas na Europa e nos EUA, mas também em outras regiões, inclusive no Oriente Médio, na África, na América Latina e no Ártico."

O ministério também observou que o Ocidente coletivo está sacrificando as perspectivas de cooperação universal em vários campos em favor de suas ambições coloniais.

 

Ø  Macron: enfrentar problemas da humanidade vai ser 'impossível' sem a cooperação EUA-China

 

A comunidade internacional deve ajudar a diminuir as tensões entre Washington e Pequim, diz o presidente francês, Emmanuel Macron.

Encarar os principais problemas enfrentados pela humanidade vai ser "impossível" sem a cooperação entre os EUA e a China, disse o presidente francês Emmanuel Macron.

Em entrevista à CNN nesta segunda-feira (26), Macron enfatizou a necessidade de reduzir as tensões, para permitir que os países trabalhassem juntos em grandes desafios.

"Para mim, a principal prioridade da agenda global é tentar consertar as crises existentes, lutar contra a desigualdade e a pobreza e consertar as mudanças climáticas e a biodiversidade [...]. Eu acrescentaria a isso a construção de uma regulamentação comum sobre inteligência artificial [IA]", argumentou.

Esses são "os principais desafios das próximas décadas, mas especialmente nesta década", acrescentou o presidente francês.

"Para cumprir esta agenda, precisamos de cooperação e, principalmente, precisamos de cooperação entre a China e os EUA. Se não houver acordo entre a China e os EUA sobre todos esses tópicos, é impossível construir uma agenda global e corrigir esses problemas", concluiu Macron.

Ele observou que o Acordo de Paris sobre mudança climática foi assinado em 2015 "porque o presidente Xi [Jinping] e o presidente [Barack] Obama chegaram a um acordo alguns meses antes".

"Acho que para os elementos críticos onde você aumentará as divisões, a conflitualidade e as tensões entre a China e os EUA, devemos tentar moderá-los, encontrar uma maneira de [...] diminuir as tensões", argumentou o presidente francês.

Na semana passada, o secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, fez uma visita há muito adiada à China em uma tentativa de diminuir as tensões sobre o apoio norte-americano a Taiwan, o incidente do balão chinês em fevereiro e outras questões.

Blinken afirmou que durante sua viagem conseguiu "progresso" para colocar as relações dos EUA com a China de volta nos trilhos. Ele também prometeu que Washington "gerenciaria com responsabilidade" as diferenças e garantiria que sua competição com Pequim "não se transformasse em conflito".

No entanto, parte desse progresso parece ter sido desfeito pelo presidente dos EUA, Joe Biden, que rotulou seu colega chinês, Xi Jinping, de "ditador" apenas um dia após o retorno de Blinken de Pequim.

O Ministério das Relações Exteriores da China acusou o líder dos EUA de "uma provocação política aberta", dizendo que o comentário "extremamente absurdo" de Biden "violou seriamente a dignidade política da China". O embaixador dos EUA em Pequim, Nicholas Burns, também foi convocado e emitiu uma repreensão oficial.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

Nenhum comentário: