Motim na Rússia: a
reação de mercenários do grupo Wagner a acordo com Putin
Yevgeny
Prigozhin se gaba de ter a lealdade de todos os 25 mil membros de seu exército
mercenário. Mas há sinais de que essa lealdade pode ter mudado tão subitamente
quanto o breve motim do grupo Wagner.
Em
mensagens na internet analisadas pela BBC, soldados do grupo Wagner se
enfureceram contra a decisão de Prigozhin de interromper sua dramática marcha
sobre Moscou e se retirar da cidade capturada de Rostov.
"O
desperdício de espaço destruiu Wagner PMC (sigla em inglês para "empresa
militar privada") com suas próprias mãos. E ferrou todos que pôde",
escreveu um homem que afirma ser soldado do Wagner em um canal do Telegram com
200 mil seguidores.
"Foi
outra revolta sem sentido", disse ele.
O
Telegram é a plataforma de mídia social preferida dos soldados do Wagner e dos
círculos pró-guerra na Rússia, permitindo a comunicação muitas vezes anônima
com milhares de seguidores ao mesmo tempo.
Foi
no Telegram que Prigozhin anunciou sua chamada "Marcha da
Justiça" contra o regime russo no fim de semana.
Mas
agora a plataforma se tornou o lugar onde muitos se voltaram contra ele.
Mark
Krutov, jornalista do Serviço Russo do jornal RFE/RL, tem acesso aos grupos de
chat do Telegram usados por parentes dos soldados do Wagner. Ele compartilhou
algumas das mensagens dos grupos com a BBC.
"Eles
foram simplesmente traídos", escreveu uma mulher. "Eu confiei em
Prigozhin, mas o que ele fez é desonroso."
"Ele
não deveria ter feito isso. Isso é pura traição", concordou outro usuário.
Prigozhin
foi por muito tempo apoiado por uma rede de influenciadores pró-Wagner. Durante
meses, eles defenderam suas ações e atacaram seus oponentes no Ministério da
Defesa — particularmente seu inimigo declarado, o ministro da Defesa da Rússia,
Sergei Shoigu.
Mas
quando o motim de Wagner estava se desenvolvendo, a reação dos influenciadores
foi surpreendentemente silenciosa.
Dois
dos maiores grupos, Gray Zone e Reverse Side of the
Medal — com quase 900 mil seguidores entre eles — não endossaram as
ações de Prigozhin. Em vez disso, os usuários no grupo buscaram um meio-termo razoavelmente
neutro ao culpar o ministro da Defesa da Rússia e seus partidários pelo
derramamento de sangue.
Outros
defenderam teorias da conspiração.
O Wagner
PMC Briefs é um canal que Prigozhin confirmou como sendo oficial do
Wagner e é dirigido por seus soldados. Ele observou que quando o presidente
russo, Vladimir Putin, denunciou o motim, ele não mencionou o nome de ninguém.
"[Putin]
não deu nome aos 'amotinados e traidores'. Talvez tenha sido para deixar
Prigozhin restaurar a justiça e punir os culpados de traição real que resultou
no fracasso [da invasão da Ucrânia pela Rússia]?"
A
teoria de que Putin e Prigozhin conspiraram para encenar uma tentativa de golpe
a fim de "testar a lealdade das elites russas" rapidamente ganhou
força nas redes sociais.
"Meninas,
pensei que talvez isso tudo tivesse sido orquestrado para remover Shoigu, mas
através de Prigozhin, para que Putin não precisasse ele mesmo fazer
isso?", escreveu uma mulher no chat dos familiares de soldados do Wagner.
Volodymyr
Fesenko, chefe do Centro Penta de Pesquisa Política Aplicada em Kiev, discorda.
"Se
isso tudo foi encenado, foi para quê? Para que todos pudessem ver o quão fraco
Putin é?", disse. "O que aconteceu foi uma humilhação pública de
Putin. E Prigozhin? Ele perdeu parcialmente sua reputação: costumava demonstrar
poder e simplesmente recuou."
Mas
o último comentário público de Prigozhin no dia do motim, filmado depois que
ele concordou em recuar, continua fomentando especulações online.
"Tivemos
um bom resultado hoje", disse ele. "Deixou todo mundo animado."
·
Rússia
diz que retirou acusações contra Grupo Wagner por tentativa de insurreição
armada
O
Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB, na sigla em inglês) disse nesta
terça-feira (27) que desistiu do caso contra o grupo paramilitar Wagner, depois que seus
combatentes realizaram uma tentativa de
rebelião que
ameaçou o controle do presidente Vladimir Putin no poder no
último sábado.
“O
caso da insurreição armada foi arquivado em 27 de junho, disse o FSB”, informou
a mídia estatal RIA Novosti.
“Durante a investigação do caso da rebelião,
foi apurado que seus participantes cessaram suas ações com o objetivo direto de
cometer um crime, o caso foi arquivado”, disse a assessoria de imprensa do FSB
em comunicado nesta terça-feira.
A
declaração não mencionou o nome do líder do Grupo Wagner, Yevgeny
Prigozhin.
Wagner
também entregará seu equipamento militar pesado para unidades ativas das forças
armadas russas, disse o Ministério da Defesa da Rússia nesta terça-feira, de
acordo com a RIA Novosti.
Na
segunda-feira, o líder do Wagner, Yevgeny Prigozhin, afirmou que o grupo mercenário
deveria deixar suas posições em 30 de junho e entregar equipamentos ao Distrito
Militar do Sul em Rostov, na Rússia.
No
entanto, ele afirmou que as tropas de Moscou atacaram as forças
de Wagner na
sexta-feira, dias antes da entrega.
Ø
Quais
os possíveis impactos do motim do Grupo Wagner na guerra entre Rússia e Ucrânia
Um
duro episódio que se tornou o pior dia para Vladimir Putin na presidência e que
beneficiou a Ucrânia, define o pesquisador James Nixey sobre o conflito entre
autoridades russas e o grupo mercenário Wagner.
Desde
o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, o Grupo Wagner teve papel
fundamental para os russos. Trata-se de um exército privado de mercenários que,
acredita-se, tenha defendido os interesses russos na Síria e na Líbia, assim
como no Sudão ou na República Centro-africana.
Mas
o conflito dos últimos dias colocou em xeque a aliança entre as tropas russas e
o grupo de mercenários.
Putin
classificou a ação dos últimos dias como uma "fuga criminosa" e um
"motim armado". Já Yevgeny Prigozhin, líder do grupo Wagner, definiu
o ato contra autoridades russas como uma "marcha da Justiça".
Independentemente
da forma como for chamado, o fato é que o chefe do grupo Wagner fez tudo para
tentar derrubar a liderança militar da Rússia.
A
ação vinha se desenhando há algum tempo. Durante meses, houve disputas internas
muito públicas entre o grupo Wagner e o ministério da defesa da Rússia sobre
como a guerra na Ucrânia foi travada.
Prigozhin
repetidamente acusou o ministério de não fornecer munição suficiente ao grupo
mercenário (e de fazer isso de propósito).
Prigozhin
afirma que o ministério da defesa realizou um ataque com mísseis na sexta-feira
em um acampamento base do grupo Wagner. As autoridades russas negam e chamam
essa história de "uma provocação de informação".
Em
meio ao conflito interno, as tropas mercenárias tomaram o controle da cidade
russa de Rostov e seguiam em direção a Moscou. Mas neste sábado (24/06) houve
um acordo intermediado pelo presidente bielorrusso, Alexander Lukashenko, e o
grupo Wagner suspendeu as ações contra a Rússia.
Mas
ainda que o conflito tenha sido amenizado, há dúvidas sobre a consequência que
terá na guerra entre Rússia e Ucrânia.
·
Os impactos na guerra
Na
manhã deste sábado, após o início do conflito com os mercenários, Putin fez um
discurso repleto de referências à "traição" e à Rússia ter sido
"esfaqueada pelas costas".
Ele
prometeu uma "resposta dura". E quase certamente contou com o apoio
de comandantes russos de alto escalão – alguns condenaram publicamente as ações
do grupo de mercenários.
Volodymyr
Zelensky, presidente da Ucrânia, se manifestou na manhã de sábado sobre o caso.
Ele afirmou que “a fraqueza da Rússia é óbvia” e disse que "quanto mais
Moscou mantiver suas tropas e mercenários na Ucrânia, mais caos atrairá para
casa."
"E
quanto mais a Rússia mantiver suas tropas e mercenários em nossa terra, mais
caos, dor e problemas ela terá para si mesma mais tarde", escreveu
Zelensky.
Na
noite deste sábado, após o recuo do Wagner, o Kremlin afirmou que a rebelião do
grupo de mercenários não afetará a ofensiva militar da Rússia na Ucrânia.
Dmitry
Peskov, secretário de imprensa do presidente Putin, disse que está "fora
de questão" que a rebelião do grupo mercenário impactará a campanha da
Rússia contra Kiev.
Mas
especialistas avaliam que a revolta deve impactar negativamente a Rússia e
beneficiar a Ucrânia.
Chefe
do programa Rússia-Eurásia do Chatham House, um instituto de políticas públicas
do Reino Unido, James Nixey afirma que a Ucrânia deve lucrar com o conflito
entre Rússia e os mercenários.
Nixey
disse à BBC que a Ucrânia provavelmente continuará a “alfinetar a Rússia” para
tentar criar outras implosões dentro do país.
Nixey
afirmou que este sábado se tornou o pior dia para Vladimir Putin em todos os
seus anos de presidência.
"Ele
está perdendo essa guerra [na Ucrânia]", disse o especialista.
"Isso
não quer dizer que a Ucrânia está achando muito fácil vencer... mas isso não é
o que Vladimir Putin esperava até agora em sua presidência”, acrescentou.
De
acordo com a mídia estatal russa, o líder do Wagner deixou a Rússia e seguiu
para Belarus. E todas as acusações contra ele e seu grupo serão retiradas pelas
autoridades para evitar "derramamento de sangue".
Para
tentar amenizar a situação, autoridades russas ofereceram cargos militares a
combatentes do Wagner.
·
O futuro do grupo mercenário
Correspondente
de segurança da BBC News, Frank Gardner acredita que Prigozhin ouviu afirmações
como “você está sozinho e ninguém veio apoiá-lo e se continuar nisso, é claro,
muito sangue vai ser derramado”, antes de recuar em Moscou.
Mas
o que acontece com o Wagner após os últimos dias?
“Eles
têm sido uma ferramenta útil para o Kremlin nos últimos oito anos, promovendo
seus interesses do Mali à Ucrânia com pouca consideração pelos direitos
humanos”, pontuou Gardner.
Não
é possível cravar uma resposta sobre como será o cenário da guerra sem o Wagner
ao lado da Rússia, mas Gardner frisa que é difícil que Putin possa confiar
novamente em seu ex-protegido Prigozhin.
“Ele
(Putin) o acusou de traição e as forças de segurança do FSB o consideram um
criminoso”, disse Gardner.
“Portanto,
espere expurgos e possivelmente alguma reorganização no ministério da defesa.
E, enquanto isso, a guerra na Ucrânia provavelmente continuará inabalável. Para
as tropas ucranianas pressionadas na linha de frente, o intervalo acabou”,
acrescentou o especialista em segurança.
O
pesquisador Andrew D'Anieri, do centro de estudos americano Atlantic Council,
pontuou que a mudança de Prigozhin para Belarus e os combatentes do grupo
Wagner sendo absorvidos pelas forças armadas russas podem significar o fim da
notória unidade de mercenários.
Mas
ele também pontuou que a retirada do Wagner não representa que todas as
empresas militares privadas na Rússia que estão atuando na guerra também irão
acabar.
"Embora
sejam tecnicamente ilegais na Rússia, vimos uma proliferação delas nos últimos
12 meses”, apontou D'Anieri.
Ele
considera que a revolta do grupo de mercenários deixou claro “como é pequeno o
círculo de tomada de decisões em Moscou” e como a autoridade de Putin é frágil.
E
D'Anieri avalia que é difícil traçar exatamente um possível cenário que a guerra
terá a partir de agora, em razão da natureza pouco clara das informações vindas
da Rússia.
Ø
EUA mantinham
informações sobre plano de rebelião do Grupo Wagner, mas mantiveram segredo,
dizem fontes
Funcionários
da inteligência dos EUA conseguiram reunir uma imagem
extremamente detalhada e precisa dos planos do chefe do Grupo Wagner, Yevgeny Prigozhin, que levaram à sua
rebelião de curta duração, incluindo onde e como Wagner planejava avançar,
disseram fontes familiarizadas com o assunto à CNN.
Mas
a inteligência era tão confidencial que era compartilhada apenas com aliados
selecionados, incluindo altos funcionários britânicos, e não no nível mais
amplo da Otan, disseram fontes
à CNN.
Não
ficou claro exatamente quando Prigozhin agiria, segundo as informações. Mas ele
parece ter decidido seguir em frente com seu plano após uma declaração de 10 de
junho do Ministério da Defesa da Rússia de que todas as empresas militares privadas,
incluindo Wagner, seriam forçadas a assinar contratos com as forças armadas da
Rússia a partir de julho e essencialmente absorvidas.
A
inteligência era tão secreta que, dentro dos Estados Unidos, foi informada
apenas aos funcionários mais escalados do governo, bem como aos membros da
“Gangue dos Oito” do Congresso, que têm acesso aos assuntos de inteligência
mais sensíveis.
O
sigilo em torno da inteligência foi o motivo pelo qual alguns altos
funcionários europeus e até altos funcionários do governo dos EUA foram pegos
de surpresa pelo ataque de Prigozhin na sexta-feira
(23) e
pela velocidade com que as forças de Wagner marcharam para Rostov-on-Don e
subiram em direção a Moscou na manhã de sábado, disseram as
fontes.
Alguns
funcionários da Otan expressaram frustração pelo fato de a inteligência não ter
sido compartilhada. Mas fazer isso arriscaria comprometer fontes e métodos
extremamente sensíveis, explicaram as fontes.
As
autoridades ucranianas também não foram informadas sobre a inteligência com
antecedência, disseram as autoridades, principalmente devido ao temor de que as
conversas entre autoridades americanas e ucranianas pudessem ser interceptadas
por adversários.
Joe
Biden passou os dias após o fracasso da rebelião conversando com aliados,
incluindo os líderes da França, Alemanha, Reino Unido e Canadá, bem como o
presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.
Durante
essas conversas, ele compartilhou as informações que os EUA tinham sobre a
rebelião, segundo as autoridades, a fim de garantir que os líderes tivessem uma
melhor compreensão do que era conhecido pela inteligência dos EUA
Fonte:
BBC News Brasil/CNN Brasil
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