Coletivo
de jovens Munduruku vai a Brasília e entrevista sua liderança Maria Leusa:
“Nossa luta é grande”
No fim de abril, cerca de 60 indígenas Munduruku de
várias aldeias do Pará viajaram mais de 2.800 km para participar do 19o Acampamento
Terra Livre (ATL), o maior encontro de povos originários do Brasil, realizado
em Brasília.
Entre o grupo, estavam os jovens do Coletivo
Audiovisual Wakoborũn com suas câmeras, microfones e tripés. Além de documentar
o evento, tinham como missão produzir uma entrevista em vídeo com uma das
principais lideranças de seu povo, Maria Leusa Munduruku, coordenadora da
Associação das Mulheres Wakoborũn e também estudante de Direito na Universidade
Federal do Oeste do Pará (Ufopa). Tanto o coletivo quanto a associação levam o nome
de uma mulher: uma antiga guerreira Munduruku que resgatou a cabeça de seu
irmão, que era usada como troféu pelos oponentes.
O estúdio improvisado para a entrevista foi montado
em meio às barracas onde os indígenas se instalaram, rodeado de caixas de som
barulhentas, sob uma lona preta que amenizava o calor implacável do Cerrado e
na mira de olhares curiosos de integrantes de ONGs internacionais.
Sentada em um banquinho de madeira, durante pouco
mais de uma hora, Maria Leusa abriu uma folga na sua agenda lotada de
compromissos estratégicos e conversou com os jovens sobre luta indígena,
demarcação de território, a retomada de políticas indigenistas e a invasão do
garimpo ilegal. Falou também sobre um tema delicado, que evita lembrar: o
ataque que sofreu em 2021, quando garimpeiros invadiram e incendiaram sua casa.
No final do ATL, os indígenas testemunharam o
presidente Lula assinando a homologação
de seis Terras Indígenas no Brasil. Foi um alívio
depois do jejum forçado de quatro anos, quando o último governo interrompeu de
forma criminosa todos os processos de novas demarcações.
Na edição de 2023, a delegação Munduruku deixou o
ATL com esperanças reais: foram recebidos pela presidenta da Funai (Fundação
Nacional dos Povos Indígenas), Joenia Wapichana, pela ministra dos Povos
Indígenas, Sonia Guajajara, e por outras autoridades. Desta vez, ouviram
pessoalmente promessas de demarcação definitiva do seu território, que há anos
aguarda a homologação enquanto luta contra o avanço de hidrelétricas, garimpeiros e cultivo de
soja.
LEIA A ENTREVISTA:
·
Quais são os objetivos da delegação dos Munduruku no
Acampamento Terra Livre 2023?
Maria Leusa: Kabia, bom dia.
Primeiramente, agradeço ao nosso Deus Karosakaybu. Estamos aqui, junto com outros povos, no ano de 2023, mais uma vez
participando do Acampamento Terra Livre. A delegação Munduruku veio com gente
de várias aldeias do Rio Tapajós, Rio das Tropas, Cabitutu, Cururu, Teles Pires.
Nosso objetivo é exigir a demarcação do nosso território, principalmente Sawre
Muybu, que está no processo declaratório, além de Sawre Bapin e demais
territórios. Exigimos a fiscalização, que é obrigação do governo, garantir a
segurança, proteger os povos indígenas. Atualmente a situação no nosso
território é muito difícil, trazemos para o ATL a resistência e a voz do povo
Munduruku, compartilhando também experiências com os parentes de outros povos,
que estão sofrendo também a mesma situação difícil.
·
Qual a importância do ATL para os povos indígenas?
Maria Leusa: É um momento de encontrar, compartilhar
a energia do nosso povo com outros parentes que estão na mesma luta pelo
território, pela educação, pela saúde e tudo mais. A gente está aqui ouvindo várias
vozes e essa união nos fortalece. É um espaço de oportunidade, um momento muito
especial para a gente, estar aqui em Brasília ocupando, mostrando a resistência
de todos os povos indígenas. Para mostrar para o governo que nunca mais mais um
Brasil sem nós, pra mostrar que o indígena tem que ter seu espaço e lugar no
mundo.
·
Quais foram os momentos mais importantes do ATL para a
delegação Munduruku?
Maria Leusa: Foi muito emocionante quando fomos
recebidos pela presidenta Joenia [Wapichana], da Funai. A gente não acreditou
que mais de 60 Munduruku, crianças, mulheres e caciques, iam conseguir entrar,
porque várias vezes fomos barrados. Muitas vezes a gente vinha até Brasília e
era barrado na própria Funai tentando entrar para dialogar com o presidente. Dessa
vez, a presidenta nos recebeu no auditório da Funai. Ela escutou nossa demanda,
de que só faltava assinar uma declaração no processo da demarcação do
território Sawre Muybu. E assinou, ali na frente de todos.Foi um avanço com
grande resultado, foi uma vitória, uma conquista nossa.
Em outra agenda, nossa comitiva foi recebida no
Ministério dos Povos Indígenas pela ministra Sonia Guajajara. Ouvimos boas
notícias sobre nosso processo de demarcação. Eles estão dando sua palavra de
demarcar, proteger e fiscalizar o território. Sentimos diferença. Hoje a gente
está conseguindo dialogar com o governo.
·
Como você começou a atuar como liderança, e por
que fez isso?
Maria Leusa: Comecei a atuar durante o Ibaorebu
[projeto de ensino médio integrado em território Munduruku], onde a gente teve
uma formação durante oito anos. Hoje eu tenho orgulho de dizer que fui formada
com a troca de experiência e participação de sábios, pajés, cantores, pintores,
rezadeiros. A partir daí, coordenei o movimento Ipereg Ayu, que lutou contra a
construção de hidrelétricas na bacia dos rios Teles Pires e Tapajós. Depois que
construíram as hidréletricas e destruíram nossos locais sagrados, vimos que a
gente teria que colaborar, porque os homens não iam conseguir sozinhos.
Inspirada pela história da nossa guerreira Wakoborũn, percebi que as mulheres
tinham que participar da luta. Fizemos a organização da Associação das Mulheres
Wakoborũn e continuamos na luta. A gente já conseguiu barrar um empreendimento
de hidrelétrica em São Luiz do Tapajós, conseguimos o resgate das
nossas urnas funerárias e impedimos novas
entradas de garimpo na região do Rio Cururu. Nossa luta é grande.
·
Qual o papel de uma liderança indígena?
Maria Leusa: Nosso principal papel é cuidar e
defender nosso território. Ajudar o nosso cacique, né? Não sou só eu, tem
outras mulheres que estão na ali na luta, na base. Hoje nos tornamos mães,
então a gente está aqui para defender a vida dos nossos filhos. Para fazer
formação de futuras gerações, garantir a nossa autonomia, o nosso direito, que
está na Constituição.
·
Como conciliar o fato de ser mãe e avó com a luta de
uma liderança?
Maria Leusa: Hoje eu tenho cinco filhos, me dedicar
à luta não é fácil. Tive que deixar a casa, deixar a roça, deixar a família e
dividir os trabalhos com o meu marido. Eu falo para ele que é nossa obrigação
cuidar, então a gente divide esse trabalho de cuidar das crianças. Às vezes eu
levo meus bebês nos compromissos, carrego filho pequeno, como agora aqui no
ATL. Vitória, minha filha de 6 anos, veio me acompanhar. Ela sempre me
acompanha na luta internacional, na base, na fiscalização. Tenho que me dividir
e isso também me fortalece. Se a gente não lutar pelo nossos filhos e netos, se
a gente ficar calada, a gente não vai conseguir nada. Eu também tive que deixar
minha aldeia e ir para universidade, porque a gente precisa compartilhar e
fortalecer a luta dentro da universidade também.
·
Como é ser uma liderança feminina, sofreu preconceito?
Maria Leusa: Hoje somos muito respeitadas pelos
nossos caciques e autoridades, mas a gente sofreu muito preconceito. Antes os
homens achavam que a mulher só tinha interesse em sair, passear. Achavam que as
autoridades só atenderiam uma liderança homem. Hoje nós somos prioridade:
quando veem a mulher chegar com sua demanda, os homens têm muito respeito.
Ainda existe preconceito, mas é difícil os homens falarem na nossa cara, então
hoje eles falam escondido.
·
Você já sofreu ataques, sua casa foi incendiada por
garimpeiros, e até hoje sofre perseguição e violência. Como é ser
ameaçada de morte no seu território, isso te intimida?
Maria Leusa: A gente sempre sofreu isso junto, mas
não desistiu de lutar. Estamos defendendo o nosso território e não o que é
do pariwat [não indígena]. Quando me atacaram, a gente já
tinha sofrido a depredação da nossa organização em Jacareacanga. Sabemos que
não há segurança no município de Jacareacanga; o Estado nunca nunca pensou e eu
acho que nem pensa colocar uma questão na segurança. Até fizemos uma ação
contra a própria delegacia.
O ataque da minha aldeia foi logo depois da operação
da Polícia Federal [Operação Mundurukânia, feita em conjunto com a Polícia
Rodoviária Federal, o Ibama e a Força Nacional]. Eu até pensei que tinham
matado os meus pais. Ver aquela casa pegando fogo foi um momento desesperador
para mim, minha mãe, minha irmã. As pessoas [garimpeiros] estavam atirando nos
nossos pés, jogando combustível para pegar fogo, um terror. No momento do
ataque, eu estava cuidando da minha filha, que estava doente com malária. Eu
não consegui agir contra os parentes que atacavam [indígenas favoráveis à
mineração ilegal, cooptados pelo garimpo]. Eu só falei: “Se quiser me matar, me
mate, mas eu não vou sair da minha casa”. Estou na minha aldeia e eu não vou
sair. Segundo minha mãe relatou, foi ela que me tirou de casa quando estava
pegando fogo. Ela me falou que eu não podia morrer, que a nossa luta era muito
longa e o nosso povo precisava da gente. Ela, que é cacica, deixou o recado de
que não iria calar a boca.
Depois do ataque a gente teve que sair do
território, porque não tinha segurança. Tivemos que sair e buscar apoio em
outro município, exigir o direito, denunciar tudo que estava acontecendo com a
gente. Mesmo perdendo a casa a gente não desanimou. Agradecemos o nosso deus
Karosakaybu por não perder a vida ali. Tivemos muito apoio dos nosso guerreiros
e da mulherada, que ficaram juntos com a gente. Foi uma força muito grande para
a gente seguir nessa luta.
·
Qual o maior desafio dentro do território Munduruku?
Maria Leusa: É a questão do garimpo ilegal. As
doenças vêm aumentando com essas invasões.
Os Munduruku, os Kayapó, os Yanomami e outros povos
enfrentam essa situação triste, porque os invasores estão em todo lugar. No
território Munduruku, os garimpeiros não conseguiram mais avançar do lado onde
a gente não permite mais. Antes eles atacavam de todo jeito, de todos os lados.
Hoje a gente não tem isso porque eles viram que a resistência dos guerreiros e
guerreiras é forte.
Sobre a contaminação pelo garimpo, fomos
surpreendidos ao saber que recebemos um nível muito alto de mercúrio, depois
que a Fiocruz começou a fazer exames no povo Munduruku para medir a
contaminação. A gente não sabe como são os sintomas dessa contaminação de
mercúrio, mas hoje a gente sente. Tem várias crianças com deficiência, pessoas
perdendo movimento das pernas e dos braços. Principalmente as mulheres
grávidas, que sentem isso hoje no corpo. Ver os nossos filhos sofrerem é uma
coisa muito triste e revoltante. Pedimos que continuem a fazer esses exames e
achem uma solução, isso não pode acontecer. Que mostrem isso para o mundo, para
não se repetir contra os povos indígenas. A gente tem que começar a alertar
nossos parentes, mostrar que isso é real, que é verdade, que está acontecendo.
·
Qual a importância do Coletivo
Audiovisual Wakoborũn?
Maria Leusa: É um trabalho muito importante desses
jovens do coletivo. Foi uma vitória colocar os jovens aí, porque não é fácil
quando a gente está na fase de jovem. Falamos pra eles que a luta não é só
nossa, das mães, que é por eles que a gente luta, que continuem. A gente ajuda
muito orientando e acompanhando eles. Quando a gente vê um jovem, uma mulher
ali filmando, registrando, divulgando a luta, a gente fala para eles que isso é
uma arma para a gente. Então eles têm que aprender a usar isso. Com esse
trabalho, a consegue fortalecer a nossa luta.
Hoje o povo Munduruku tem três coletivos: Daje Kapap
Eypi, Da’uk e Wakoborũn. A gente precisa trazer mais
jovens para esses coletivos, tem que continuar fazendo formação, esse trabalho
é muito importante. Para mostrar para os pariwat [não
indígenas] que pensam que só eles podem fazer [documentação audiovisual], que
nós podemos fazer, sim. Hoje os jovens dos coletivos conseguem fazer,
registrar, filmar tudo e divulgar a luta.
·
Quer deixar uma última mensagem?
Maria Leusa: A coisa mais importante é que a gente
vai continuar lutando, mesmo depois de demarcar o território Sawre Muybu. E a
gente não vai permitir mais invasões. Vamos continuar falando para os parentes
não cairem nessa ganância, que isso é uma doença quando cai no povo. Vamos
continuar na nossa luta firmes, e com muita força. Por nossa terra, água,
educação e saúde. Essa mensagem é para as minhas amigas, mulheres, jovens e
caciques. A luta vai continuar. Existem vários territórios em processo de
demarcação, como Sawre Bapin e outros. Vamos continuar lutando pela demarcação,
proteção e autodemarcação do território. Continuar a fiscalização autônoma e
nossas lutas nas bases. Desde os nossos antepassados, nada foi de graça, sempre
foi luta para conseguir. Essas invasões e empreendimento não vão parar, por
isso a nossa resistência também continua.
Ø “Vou continuar lutando”, diz Alessandra Munduruku, ativista indígena e
vencedora do Prêmio Goldman
Quando Alessandra Korap Munduruku percebeu que
garimpeiros ilegais em busca de ouro estavam contaminando o território de sua
comunidade, coberto de floresta tropical, desencadeou-se uma intensa campanha
contra a mineração ilegal. Essa missão a levou de sua aldeia, no Pará, ao
cenário mundial, como ativista de direitos humanos. Oito anos depois, durante
os quais Alessandra também enfrentou a gigante da
mineração Anglo American, a líder indígena recebeu o
Prêmio Ambiental Goldman 2023, um reconhecimento a pessoas que se destacam no
ativismo ambiental de base.
“Esse prêmio reflete a importância do trabalho da
Alessandra enquanto liderança, por representar o povo de relevância altíssima
para a conservação da biodiversidade e por estar também sob um ataque feroz de
interesses privados na mineração”, disse à Mongabay, por telefone, Kenzo Jucá,
consultor socioambiental que trabalhou com legislação ambiental no Congresso
Nacional por mais de 20 anos.
Alessandra estava em São Francisco, nos Estados
Unidos, para receber o prêmio. De lá, conversou com a Mongabay por
videochamada, sobre uma série de temas: o que o prêmio significa para ela,
mudanças nas políticas ambientais do Brasil e dos povos indígenas, e os
desafios a ser enfrentados. Embora os holofotes estejam voltados para ela,
Alessandra usou o coletivo “nós” ao falar sobre suas campanhas, como forma de
reconhecer as outras pessoas e organizações que trabalham com ela: “A gente
sempre fala em coletivo, porque a gente está junto na luta”.
Ela diz que a conquista não lhe tirou o foco do
objetivo maior: “A gente nunca entrou na luta para ganhar prêmio. A gente
entrou na luta para expulsar os invasores que estão dentro do nosso
território”. Mas o prêmio é importante como indicação positiva de que seus
esforços estão no caminho certo. “O mundo inteiro vai reconhecer a nossa luta”,
disse ela. “Esse prêmio me veio dizer que em toda essa luta a gente é capaz de
expulsar qualquer empresa que quer negociar, que quer nossa morte.”
Sua eloquente campanha resultou no cancelamento
de 27
solicitações de licença para prospecção em Terras
Indígenas apresentadas pela Anglo American em 2021 – uma grande vitória para o
movimento indígena. No entanto, os problemas persistem dentro da Terra Indígena
Munduruku, uma área de 2,4 milhões de hectares de Floresta Amazônica na bacia
do Alto Tapajós. Com a terra invadida por garimpeiros ilegais desde a década de
1980, um estudo constatou que todos os Munduruku têm algum nível de
contaminação por mercúrio, que agora está afetando crianças nascidas com
defeitos que afetam suas vidas, de acordo com um novo
relatório da Repórter Brasil.
A reação de Alessandra a esses eventos em seu
território foi de ação e busca por responsabilização. “É a responsabilidade do
governo e das empresas que fornecem esse mercúrio”, disse ela. “A gente não vai
parar de lutar, até tirar esses invasores da terra e parar de ter o garimpo.”
Enquanto ela recebia o prêmio Goldman, em 24 de
abril, milhares de pessoas se manifestavam em Brasília pelos direitos
constitucionais e pela demarcação de terras indígenas, durante o Acampamento
Terra Livre 2023, indicando uma tendência crescente de líderes e ativistas
indígenas reivindicarem mudanças nas políticas. “Esse crescimento de processos
de resistência, na verdade, é um reflexo da crescente pressão de interesses
econômicos sobre esses territórios”, disse o assessor parlamentar Jucá. “Esse
tipo de denúncia é importantíssima, por um lado, para controlar os ataques no
território, e, por outro lado, para estruturar uma série de políticas
públicas.”
Protestar e conquistar reconhecimento por meio de
prêmios importantes também ajuda a conscientizar o mercado global de ouro sobre
os problemas internacionais, dizem os especialistas. “É muito importante que os
países consumidores desse ouro saibam a origem desse ouro”, disse à Mongabay,
por telefone, José Augusto Sampaio, antropólogo e membro da Associação Nacional
de Ação Indigenista (Anaí). “É ouro garimpado ilegalmente, comercializado
ilegalmente, exportado ilegalmente. Mas quando chega no exterior, vira ouro
legal.”
Sampaio disse que dar mais destaque ao trabalho de
Alessandra por meio desse prêmio pode ajudar a mantê-la a salvo dos riscos que
ela enfrenta em seu ativismo. “Ela tem sido vítima de ameaças de morte. Ela
precisa ser protegida”, afirmou. “Toda visibilidade que ela possa ter pode
também ajudar a protegê-la.”
·
Mudando as políticas ambientais do Brasil
Quando Alessandra falou pela
última vez com a Mongabay, em 2019, já haviam
transcorrido nove meses do governo de Jair Bolsonaro e começava uma longa série
de ações
destrutivas contra o meio ambiente. Na época, suas maiores
preocupações eram o agronegócio, a exploração madeireira e a construção de
infraestrutura, como portos, hidrelétricas e ferrovias, impulsionada pela
demanda mundial por commodities que poderiam ser extraídas da floresta
tropical. Três anos e meio depois, os mesmos problemas persistem.
“Todos eles são responsáveis”, disse Alessandra,
relacionando o atual desmatamento na Amazônia ao apetite que os países
desenvolvidos têm por soja, ouro e ferro. “Essa responsabilidade não é só
nossa, não só do governo brasileiro e todo mundo.”
Embora persistam os mesmos problemas, muita coisa
mudou no Brasil desde 2019, principalmente a posse de um novo governo no início
deste ano. “Eu fiz passo para derrotar o Bolsonaro. Com muito orgulho, disse
Alessandra. “Eu fiz parte, porque a gente não aguentava mais sofrer.” As
políticas ambientais hostis implementadas por Bolsonaro nos últimos quatro anos
fizeram com que nenhuma Terra Indígena fosse demarcada e o garimpo
ilegal em áreas protegidas atingisse níveis jamais
vistos. Alessandra enfrentou constantemente as políticas e a retórica de
Bolsonaro, falando em eventos internacionais e participando de protestos
locais.
Agora, com Luiz Inácio Lula da Silva no governo, ela
vê como um avanço a criação do Ministério dos Povos Indígenas e o aumento do
número de representantes indígenas no Congresso. No entanto, “não é
suficiente”, disse Alessandra. “A gente quer muito mais. A gente quer a
demarcação do nosso território. A gente quer que o governo nos consulte em toda
decisão que seja tomada que possa nos afetar.”
Isso é especialmente relevante dada a lista de
projetos de infraestrutura que parecem iminentes à medida que o Brasil aumenta
suas relações com a China, o que representa uma ameaça ao meio ambiente e às
comunidades tradicionais, diz Alessandra. “[Lula] já está negociando na
China, e eles têm interesse em infraestrutura de TI [tecnologia da informação]
e no agronegócio”, disse ela. “A gente fica preocupado, porque é o nosso
território que está em cima disso, e eles vão querer passar por cima da nossa
terra.”
Durante a visita de
Lula à China, em abril, os dois países incentivaram
investimentos recíprocos em infraestrutura, energia, mineração e agricultura.
Entre eles, estão os planos de construção de novas ferrovias e portos –
empreendimentos de infraestrutura que historicamente prejudicam o meio ambiente
e os habitantes da região, principalmente
as comunidades indígenas e ribeirinhas.
Para Alessandra, sua luta pelos direitos indígenas
rendeu várias conquistas nos últimos anos, mas ainda há trabalho por ser feito
e ela ainda não pretende parar. “Eu tenho muito orgulho de ter lutado, e vou
continuar lutando, contra qualquer genocídio que aconteça, e qualquer tentativa
de fazer decisões sem consultar os povos indígenas”, disse ela.
Fonte: Mongabay
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