“As pessoas que
moram na periferia que vão sofrer”, diz líder do MTST, sobre Plano Diretor de
SP
Após
diversas audiências públicas, mudanças no texto e adiamentos, o projeto de
revisão do Plano Diretor da cidade de São Paulo deve ser votado nesta
segunda-feira (26) na Câmara Municipal. Na primeira votação, no dia 31 de maio,
o PL (Projeto de Lei)
127/2023 recebeu
55 votos a favor e 12 contrários.
O
projeto vai definir um conjunto de regras para o desenvolvimento da cidade nos
próximos anos e pode facilitar, por exemplo, a concentração de prédios perto de
estações de metrô e terminais de ônibus. O texto que vai para votação foi
apresentado na última quarta-feira (21), pelo relator Rodrigo Goulart (PSD),
que fez mudanças após protestos de movimentos sociais e vereadores da oposição.
Para
movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), a nova
revisão vai dar carta branca para a construção de prédios cada vez mais altos
perto de estações, expandindo a verticalização da cidade sem discutir a
construção de moradias populares ou a possibilidade de financiamento justo para
os trabalhadores que desejam morar nesses espaços.
Um
outro ponto criticado são as mudanças no Fundo de Desenvolvimento Urbano
(Fundurb), que capta recursos da arrecadação da Outorga Onerosa e utiliza para
a construção de moradias populares e melhoria de transportes coletivos. Com as
mudanças, o dinheiro seria destinado para outras funções que já possuem órgãos
especializados, como o recapeamento de vias, por exemplo.
Em
entrevista para a Agência Pública,
Débora Lima, coordenadora estadual do MTST , critica que a proposta só
beneficia o setor imobiliário, responsável por
metade das doações de campanha a vereadores de São Paulo.
LEIA
A ENTREVISTA:
·
Quais são os principais pontos que a oposição
critica no plano que deve ser votado?
Na
nossa avaliação, de movimento social, o papel de um Plano Diretor é de combater
a desigualdade e planejar o crescimento da nossa cidade. Esse deveria ser o
papel principal de um Plano Diretor e na proposta de substitutivo apresentada,
a gente entende que isso não está acontecendo. Tiveram várias audiências
públicas, em que os movimentos sociais, a população e especialistas estiveram
presentes e apresentaram propostas, mas no texto que foi reapresentado, a gente
entende que só foi ouvido de fato apenas uma minoria desse segmento, o setor do
mercado imobiliário. A nossa avaliação não é que o mercado imobiliário não
tenha que colocar propostas, mas a que foi apresentada não foi democrática.
O
segundo ponto problemático é a exclusão dos pobres nas áreas bem localizadas. A
nova revisão autoriza as construtoras a fazerem prédios em regiões valorizadas,
onde tem transporte coletivo, mas elas não estabelecem ferramentas concretas
para que sejam construídas habitações populares nessas áreas. Na nossa
avaliação, na prática, o trabalhador vai continuar morando longe das melhores
regiões e do trabalho. E também o desvio da finalidade do Fundurb para
recapeamento. Eles voltaram atrás, mas para a gente é inadmissível, o Fundurb
tem o seu carimbo destinado. A prefeitura tem dinheiro, tem caixa específico
para fazer recapeamento na cidade, não tem porque pegar do Fundurb.
·
Como o substitutivo pode afetar as pessoas que moram
nas periferias da cidade? Um exemplo prático seria nessa questão do
deslocamento?
A
cidade de São Paulo tem um grande desafio, e um deles é o caos dos horários de
pico. As pessoas que moram na periferia, dependendo da região, passam mais
tempo no transporte público do que trabalhando. Isso já é uma problemática da
cidade. Uma vez que tenha prédios construídos nesses espaços, terá mais carros
e, dessa forma, vai fazer com que o trânsito piore.
Também,
grandes construções acabam refletindo em quem está na ponta. […] A gente
sabe que boa parte dessas construções talvez tenha que mexer com o meio
ambiente, cortar árvores. Tem sobrecarga no saneamento, então tudo isso acaba
respaldando no trabalhador e nas pessoas que moram nas pontas.
[…]
É o que colocamos como racismo ambiental. As pessoas que moram nesses espaços
não sofrem com desastres ambientais, e isso acaba vindo para os mais pobres.
Quem
vai sofrer não serão as pessoas que vão morar. Quem vai sofrer é a gente, a
classe trabalhadora, que, em primeiro lugar, não vai conseguir acessar esses
grandes empreendimentos, porque são empreendimentos do setor imobiliário, mas
que vão privilegiar quem tem dinheiro para pagar. A gente sabe que a maioria da
classe trabalhadora, que precisa também de moradias, são pessoas que não vão
conseguir acessar e morar nesses espaços perto desses eixos estruturantes. Isso
vai favorecer uma minoria de pessoas, que não necessariamente utilizam o
transporte público. Vão utilizar os seus carros, promovendo mais trânsito, e em
contrapartida as pessoas que moram na periferia é que vão sofrer.
·
Qual a justificativa que as construtoras usaram para
pedir permissão de prédios mais altos perto de estações de metrô e terminais de
ônibus? Por que isso seria algo negativo?
As
construtoras alegam que construir esses grandes empreendimentos perto desses
lugares vai fazer com que o trabalhador more mais perto do serviço. Mas quais
pessoas e com qual qualidade de vida?
Temos
visto que essas propostas estão caminhando para um grupo de pessoas mais
elitizadas, não para a classe trabalhadora de fato. [Os trabalhadores] não
acessam [os grandes empreendimentos], mesmo que haja uma taxa para pessoas de
baixa renda. O valor do imóvel é muito alto e o trabalhador não consegue pagar
a parcela, não consegue dar entrada.
Então
as pessoas que vão acabar morando nesses prédios serão aquelas que têm um
salário alto, pessoas que não vão se beneficiar do transporte público, porque
têm os seus carros. Não é que o trabalhador não queira morar no centro ou perto
desse espaço, é porque o mecanismo que essas grandes construtoras colocam de
acesso de financiamento é inviável dentro do bolso dos trabalhadores.
E
aí o que pode acontecer? Vai reduzir o verde na cidade, vai gerar caos no
trânsito, vai sobrecarregar a rede de esgoto – e aí pode gerar também
alagamentos. Então tem que ser algo pensado. A gente sabe que o trabalhador que
realmente anseia estar nesses espaços, pelo financiamento colocado pela construtora,
não vai conseguir acessar.
·
Na votação em primeira discussão, ficou definida a
permissão de prédios mais altos a até mil metros de estações de metrô e 450
metros de terminais de ônibus. No dia 21, os vereadores reduziram a área para
até 700 metros de distância de estações e 400 metros de terminais de ônibus.
Essa era a exigência dos movimentos sociais ou ainda querem reduzir mais?
A
nossa exigência era ficar da forma que estava.
No
formato que estava, já complicava a situação, mas a gente enxerga como um
benefício essa diminuição porque eles queriam propor ainda mais. Estavam
propondo 1 quilômetro, o que era surreal.
Só
que tem uma pegadinha, porque eles colocam 700 metros. Só que, por exemplo, se
nesses 700 metros onde a construtora quer fazer um grande empreendimento ela
não finalizar um quarteirão, dá o direito para que complemente até que finalize
um quarteirão. Então, dependendo da situação, vai acabar virando 1 quilômetro
O
que nós defendíamos era ficar do modo que estava, que já não é o ideal, mas,
tendo em vista a proposta colocada, seria melhor.
·
O que é o Fundurb e como ele é utilizado agora? Como
seria utilizado no novo Plano Diretor?
Foi
um ponto em que a gente conseguiu avanços nas nossas lutas. O Fundurb é um
recurso que vem da outorga onerosa, que tem como objetivo garantir moradia
popular, transporte coletivo, equipamento público e a preservação do meio
ambiente, fortalecendo a nossa cidade. Não é um recurso muito grande.
Dentro
disso que eu coloquei, a gente precisa desse dinheiro. E tá ruim. O que não
deveria ter e tem que sair é a questão dessa possibilidade também da utilização
desse dinheiro para recapeamento. Na cidade de São Paulo, o problema não é
dinheiro, e tem um caso específico da prefeitura que já prevê recapeamento.
Então não tem por que pegar um recurso que, em vista do desafio, já é pouco.
A
gente sabe que ano que vem é ano de eleição, e infelizmente a nossa cidade
criou uma lógica muito ruim de ficar abandonada por três anos e, no último ano,
o responsável pela cidade começar a fazer um monte de obras – o que também
acaba gerando um caos para a população – e pregar uma falsa imagem de que está
fazendo alguma coisa. Mas a gente sabe que fica abandonada por três anos e
deixa pra se fazer alguma coisa no último ano.
Enxergamos
essa manobra como eleitoreira da parte do Ricardo Nunes e sem finalidade,
porque a prefeitura tem um caixa para isso.
A
gente que mora na periferia sabe que em horários de pico é surreal, pessoas
ficam penduradas na porta [dos ônibus]. É uma loucura. A gente, na maior cidade
da América Latina, deveria também pensar em uma cidade preocupada com o meio
ambiente. São pontos importantes, onde esse recurso cumpre um papel.
·
Mesmo com a retirada do item que aprovava uma
mudança no Fundurb, você acha que ainda existe o risco de essa discussão voltar
à pauta?
Dessa
prefeitura e desses vereadores – a gente imagina os interesses que estão por
trás – pode ter alteração. Eles estão abrindo agora para convocações de
apresentação da proposta, e nós temos que ficar, como cidadãos, muito atentos
para que o que conseguimos não volte a retroceder. Pode acontecer, sim. Eles
podem apresentar emendas que alterem [o funcionamento do Fundurb], e o nosso
papel é ficar antenado a isso. E sem sombra de dúvidas nós vamos fazer esse
embate para não permitir.
·
Qual a posição dos movimentos sociais sobre o novo
trecho que permite a isenção de Imposto sobre Serviços (ISS) para quatro
estádios de futebol da cidade, dos clubes Palmeiras, São Paulo e Corinthians (Neo Química Arena e Parque São Jorge)?
Nós
estamos observando. Para a gente, seria benéfico que essa redução de imposto
refletisse para que as pessoas realmente pagassem entradas mais baixas nos
estádios, mas não se tem uma garantia disso.
Então
não adianta fazer essa redução de ISS e os ingressos continuam caros ou
aumentarem, porque isso vai fortalecer apenas um grupo específico, não vai
favorecer o torcedor. Por isso nós somos contrários.
·
Uma matéria recente da Folha de S.Paulo mostra
que metade das doações de campanha a vereadores de São Paulo veio do setor
imobiliário. O setor sempre teve muita influência em Planos Diretores
anteriores ou isso é algo que se reforçou nesta gestão? A aprovação do Plano
Diretor pode ser uma virada nesse quesito?
O
setor do mercado imobiliário sempre esteve presente, até mesmo no [mandato]
anterior, para eles sempre foi interessante que os vereadores, que as pessoas
que estão tanto no Executivo quanto no Legislativo tenham “rabo preso” com esse
segmento.
Essa
reportagem [sobre o] vereador que pediu contrapartida, falando que “estamos
fazendo tudo o que pediram e aí?”, só demonstra a lógica que está embutida
debaixo do tapete. Essa lógica de quem doa para campanha, do poder do dinheiro.
Só que a nossa cidade não pode ser pensada com o poder do dinheiro.
Nossa
cidade tem que ser pensada com o poder da população. E votar em proposta
visando apenas quem banca a campanha é fechar os olhos para a população, que
até mesmo vota nesses vereadores. Então é uma lógica muito ruim.
É
preciso pensar numa cidade que irá pensar na população, que irá pensar em
combater a desigualdade, não apenas em um setor economicamente poderoso.
Fonte:
Por Matheus Santino, da Agência Pública
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