sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Qual a relação entre o corte de gastos, emendas parlamentares e investimentos públicos

A aprovação de R$ 11,5 bilhões acima do esperado pelo governo para as emendas parlamentares, nesta semana, não tem relação com o corte dos gastos prestes a ser anunciado, e pouco dependia do governo federal.

Nesta semana, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto que estabelece regras para emendas parlamentares, após a judicialização do caso no Supremo Tribunal Federal (STF) e a exigência de que os recursos entregues aos deputados e senadores adotem um percurso mais transparente.

Mas, para serem aprovadas as exigências de transparência, o governo teve que chegar a acordos com o Congresso Nacional sobre as quantias que seriam enviadas. Ainda, enquanto a matéria estava tramitando na Justiça, os recursos ficaram congelados e os parlamentares não puderam utilizar as emendas.

Uma discussão foi travada entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), mais especificamente com o ministro Flávio Dino, relator, sobre a matéria. Enquanto isso, o governo pouco pode fazer, e decidiu adotar uma postura de distanciamento.

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Na Câmara, o deputado Rubens Pereira Júnior, do PT, assumiu a liderança de escrever um texto que atendesse às exigências do STF, mas ao mesmo tempo contasse com o apoio e demandas dos demais parlamentares, que alegavam que as emendas paralisadas, inclusive, serviam como investimentos indiretos do governo federal em políticas públicas de saúde e educação nos municípios brasileiros.

Para o consenso, o Congresso decidiu aumentar de R$ 39 bilhões para R$ 50,5 bilhões as quantias destinadas às emendas impositivas individuais e de bancada. No campo político, a decisão de aumentar os recursos dos parlamentares foi vista com críticas pela semana decisiva de anúncio de corte de gastos do governo.

A coincidência das datas foi suficiente para que a medida trabalhada há meses pela equipe econômica do governo federal fosse interpretada como uma saída do governo Lula para liberar espaço no Orçamento para os repasses aos parlamentares.

“O corte nas despesas do Executivo para abrir espaço à ampliação das emendas ocorre no momento em que a equipe econômica tenta convencer integrantes do próprio governo a apoiar um cardápio de medidas impopulares tidas como necessárias para conter a dinâmica das despesas no futuro”, noticiou a Folha.

Os cortes previstos pela equipe econômica, sob o comando de Fernando Haddad na Fazenda e Simone Tebet no Planejamento, não guardam relação com os repasses parlamentares, uma vez que a medida de ajustes miram, mais especificamente, a sustentabilidade da máquina pública, incluindo o custo do funcionalismo, a curto e médio prazo.

Dessa forma, não somente cortes pontuais seriam feitos, como estratégias para diminuir gastos futuros.

Ainda, os bilhões a mais destinados às emendas parlamentares também foram noticiados por diversos veículos, como a Folha de S.Paulo, como um corte que impactaria investimentos do governo federal, pelo Orçamento, em políticas públicas.

“Acordo sobre emendas obrigará Executivo a cortar R$ 11,5 bi do Orçamento de 2025”, manchetou o jornal.

Na prática, contudo, os repasses do governo federal aos parlamentares, por meio das emendas, são investimentos indiretos em políticas, em um formato de administração pública que foi estabelecido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, com o Orçamento Secreto.

À época, o chamado Orçamento Secreto deu abertura, desde então, para o aumento da autonomia de deputados e senadores sobre os investimentos públicos, permitindo a eles decidir aonde os recursos do governo serão aplicados.

Durante o recente conflito entravado no STF, os parlamentares contrários à paralisação das emendas alegaram justamente que a medida estava prejudicando municípios brasileiros que dependiam das emendas parlamentares para serviços de saúde e de educação.

Ainda no início do mandato, ao detalhar o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o ministro da Casa Civil, Rui Costa, expôs que parte dos recursos estabelecidos no programa destinado a infraestrutura e obras do país deveria partir das emendas dos parlamentares, cobrando deles a remessa correspondente para o andamento de tais investimentos.

Dessa forma, ainda que sob críticas sobre a forma de funcionamento das emendas parlamentares e a ampla autonomia cedida ao Legislativo, durante o governo de Jair Bolsonaro é que se ampliou o poder do Congresso nos investimentos públicos e o direcionamento destes atores políticos para os investimentos públicos.

Com a governabilidade amarrada em meio ao Orçamento Secreto, o governo Lula determinou como meta impedir, em um primeiro momento, a falta de transparência e possíveis desvios ou corrupção que estariam sendo aplicados nos repasses dos parlamentares.

É neste cenário que figura a judicialização das emendas parlamentares, com a atuação do ministro do STF, Flávio Dino, para exigir a transparência e a possibilidade de fiscalização desses investimentos.

Por outro lado, a negociação da quantia que será repassada às emendas não guarda relação com as impopulares propostas de corte da equipe econômica, que estão em debate e formam a principal atual crise do governo.

A casualidade das datas, contudo, chegou a tornar o corte dos gastos – elogiado pelos setores financeiros e transmitido em pressão pelos principais veículos de comunicação – desfecho de críticas destes mesmos atores por justamente coincidir com o aumento dos repasses ao Legislativo.

<><> Lupi ameaça deixar governo se Previdência sofrer corte de gastos

Os gastos com a Previdência Social são despesas obrigatórias, e o ministro da Previdência, Carlos Lupi, deixou claro que pode deixar o governo caso a proposta de corte de gastos em andamento corte despesas da pasta.

“Como vai pegar a Previdência? A média salarial das pessoas é R$ 1.860. Vou fazer o que com isso? Tirar direito adquirido? Não conte comigo. Vou baixar o salário? Não conte comigo. Vou deixar de ter ganho real (no salário mínimo)? Não conte comigo. Se isso acontecer, não tenho como ficar no governo. Acho que o governo não fará isso. Temos que cobrar os grandes devedores, a sonegação e as isenções indevidas”, afirmou Lupi em entrevista a Lauriberto Pompeu, do jornal O Globo.

Na ocasião, o ministro destacou a importância de se obter o equilíbrio fiscal, e como isso pode ser feito – e lembrou a proposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de taxar as grandes fortunas, ressaltando que “quem tem de doar algo nesse processo é quem tem muito, não quem não tem nada”.

Lupi também afirmou às jornalistas Victoria Azevedo e Ana Pompeu, do jornal Folha de São Paulo, que o pagamento dos aposentados, pensões, pensionistas e BPC (Benefício de Prestação Continuada) já estão previstos no Orçamento Federal.

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Na visão do ministro, o principal ponto a ser trabalhado é a eficiência na administração pública e dos recursos disponíveis, uma vez que não se sabe ao certo quantos serão os aposentados e pensionistas nos próximos anos.

O tema tem mexido com os humores dentro do governo Lula. Recentemente, a notícia de que o Ministério da Fazenda estuda a possibilidade de se alterar o seguro-desemprego e o FGTS levou o Ministério do Trabalho, sob o ministro Luiz Marinho, a soltar um comunicado oficial negando essas discussões dentro da pasta, destacando que ambos os direitos são constitucionais garantidos pelos trabalhadores.

 

¨      Crescimento do PIB: análise econômica ou viés político-ideológico? Por Fernando Ferrari Filho e Luiz Fernando de Paula

O crescimento de 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre de 2024, que acabou fazendo com que o Banco Central revisasse as estimativas do PIB para 3,2% para o corrente ano, “surpreendeu” os analistas de mercado e jornalistas econômicos que esperavam, na grande maioria, uma taxa de crescimento bem menor.

Por outro lado, no início deste mês, o mercado foi mais uma vez “surpreendido” pela elevação, por parte da agência de rating Moody’s, da nota de crédito do Brasil de Ba2 para Ba1, com perspectiva positiva. Segundo a Moody’s, a elevação da nota brasileira reflete a melhora significativa no crédito do país, incluindo um crescimento mais robusto do PIB e um histórico crescente de reformas econômicas e fiscais.

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Motivos para o bom resultado da atividade econômica não faltam: a taxa de desemprego caiu para 6,6% ao ano no trimestre junho-julho-agosto, a massa salarial cresceu, o salário-mínimo tem crescido em termos reais, os programas sociais do governo federal foram turbinados (incluindo o gasto com Bolsa Família) e o programa “Minha Casa, Minha Vida” voltou a estimular a construção civil.

Os principais componentes, tanto de demanda, quanto de produção, deste crescimento foram os seguintes. Pelo lado da demanda, a formação bruta de capital fixo (FBCF) cresceu 5,7% e o consumo das famílias teve expansão de 4,9%, na comparação com o mesmo trimestre do ano passado. No que diz respeito ao lado da produção, o incremento da indústria foi 3,9% e o setor de serviços cresceu 3,5%, comparativamente ao segundo trimestre de 2023.

Analisando-se mais detalhadamente os dados divulgados pelo IBGE, chama atenção o indicador FBCF/PIB, que se elevou para 16,8%, e o crescimento de 3,5% da construção civil, importante setor que sinaliza o desempenho da economia. É importante ressaltar que as expansões do investimento e da construção civil ocorreram mesmo em um contexto monetário adverso, em que as taxas de juros, nominal e real, esta deflacionada pelo IPCA, atingem 10,75% ao ano e 5,7% ao ano, respectivamente, sendo que a última é uma das maiores do mundo. Essas considerações são importantes, pois o investimento produtivo é a “causa causans” da capacidade de expansão de longo prazo da economia.

O ponto negativo ficou por conta do setor agropecuário que apresentou queda de 2,9% ao ano, frente ao segundo trimestre de 2023. Segundo o IBGE, as explicações para o recuo do setor estão associadas ao fato de que no ano passado o agronegócio teve um desempenho robusto e, portanto, a base de comparação fica comprometida, e porque houve intempéries climáticas, tais como secas no centro-oeste e enchentes do sul do país, que acabaram afetando o setor.

A despeito dos bons indicadores da economia real, os analistas de mercado e jornalistas econômicos não somente se mostraram surpresos com a atual dinâmica da economia brasileira, mas, de forma exagerada, argumentaram que a irresponsabilidade fiscal do governo e o desequilíbrio do setor público, bem como a ausência de uma agenda de reformas estruturais, tendem a acelerar a inflação e comprometer a trajetória de crescimento do PIB.

Em outras palavras, o Brasil estaria fadado a um baixo crescimento, uma vez que as estimativas do PIB potencial apontariam para um crescimento de 2,0 a 2,5% ao ano, como se o produto potencial fosse uma variável estática no curto e médio prazo, não sendo influenciado pelo crescimento da demanda no longo prazo. Nesse particular, cabe lembrar que há vários estudos empíricos que mostram haver uma relação robusta entre crescimento da demanda e crescimento do PIB no longo prazo, pois as empresas somente estão dispostas a investir, ampliando capacidade produtiva e incorporando progresso técnico, se tiverem uma perspectiva de aumento de suas vendas no longo prazo.

Ademais, existe de fato um problema de histerese (entendido como uma posição cíclica da economia afetando sua tendência de crescimento) no cálculo do produto potencial: o relativamente baixo desempenho da economia brasileira entre 2014 e 2023,  cujo PIB médio foi de 0,6% ao ano, ao contrário do forte crescimento médio anual de 3,9% no período 2004-2013, faz com que o cálculo do produto potencial – visto a partir de um espelho retrovisor – seja baixo. Isto porque sendo ele uma variável não observável, normalmente sua estimação é feita através de “média de métricas estatísticas”, incluindo extração de tendência linear, exponencial e quadrática e o Filtro Hodrick-Prescott (HP), com base em dados passados.

Essa discussão nos faz lembrar uma máxima do economista polonês Michal Kalecki: o longo prazo é uma sucessão de curto-prazos. Dado que não há nenhum descontrole inflacionário a vista, um crescimento moderado e sustentado da demanda deve ser visto como um fator positivo para o crescimento econômico de longo prazo, sem prejuízo de políticas industriais voltadas para estimular uma mudança estrutural na economia. Para tanto é fundamental que o governo – incluindo o Banco Central – consiga fazer um correto gerenciamento da demanda agregada da economia, utilizando um bom mix da política monetária, fiscal e cambial.

Concluindo, é oportuno lembrar que, como dizia a professora Maria da Conceição Tavares, recentemente falecida, análises econômicas devem ser feitas com base em argumentos lógicos e empíricos, e não com viés puramente político-ideológico. Acrescentaríamos, parafraseando e resgatando a passagem de uma carta escrita em 16 de julho de 1928 por John Maynard Keynes para seu amigo e discípulo Roy Harrod, na qual ele diz “[e]u também quero enfatizar com veemência a questão de a Economia ser uma ciência moral”, que princípios éticos e morais também são imprescindíveis para as análises econômicas.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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