quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Vitória de Trump é uma ‘bomba na diplomacia’, diz The Jerusalem Post

A vitória do republicano Donald Trump nas eleições norte-americanas enfraquece os esforços diplomáticos para acabar com as guerras em torno de Israel no curto prazo, e também coloca em xeque o apoio de longo prazo às campanhas militares contra o Irã e seus representantes.

Segundo o jornal The Jerusalem Posta volta de Trump ao poder “é o equivalente a uma bomba diplomática, cujos efeitos assustadores serão sentidos quase imediatamente e que já parecem congelar tais esforços de cessar-fogo”.

A publicação lembra que as políticas de Trump ligadas a temas como Gaza, Líbano e Irã “serão diametralmente diferentes das de seu antecessor, o presidente dos EUA Joe Biden”, e só isso cria o caos em uma guerra onde os Estados Unidos assumiram a frente diplomática em torno do cessar-fogo e apoiaram Israel de forma diplomática, além de fornecer armamento e suprimentos em defesa do território.

Entre as medidas tomadas em seu primeiro mandato, o republicano mudou a embaixada norte-americana para Jerusalém, apoiou a legalidade dos assentamentos na Cisjordânia e a possibilidade de soberania de 30% desse território, além de sair do acordo com o Irã ao qual Israel se opôs e interrompeu os pagamentos à agência da ONU que ajuda os palestinos.

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Embora não se saiba ao certo qual seria o papel de Trump em seu segundo mandato, os israelenses lembram as promessas de paz feitas pelo norte-americano, destacando em seu discurso de vitória que o país deseja “um exército forte e poderoso” e que, em tempos ideais, não seja necessário usá-lo.

Diante de uma eventual relutância com envolvimento militar norte-americano, os israelenses não sabem ao certo se o segundo mandato de Trump será favorável para Israel.

Segundo a publicação, espera-se que o político pressione Israel a acabar com as guerras contra o Hezbollah e em Gaza, ao mesmo tempo em que apoia metas de cessar-fogo que sejam favoráveis a Israel, enquanto a democrata Kamala Harris teria insistido entre o cessar-fogo e a criação de dois estados, além da volta da Autoridade Palestina a Gaza, o que Trump provavelmente se opõe.

¨      Americanos fizeram de Trump um ‘super homem’, diz NYT

O republicano Donald Trump deixou claro ao longo da campanha o que pretendia fazer no governo dos Estados Unidos, e o eleitorado deu em suas mãos um poder nunca antes visto em 248 anos de história da democracia norte-americana.

“Após derrota a vice-presidente Kamala Harris, que se tornaria a primeira mulher presidente dos EUA, Trump trará seus próprios primeiros históricos para a Casa Branca”, diz a jornalista Lisa Lerer, correspondente política do jornal The New York Times.

Em sua análise, Lisa Leres lembra que Trump é “o único presidente condenado por dezenas de crimes, acusado de dezenas de outros e duas vezes acusado de impeachment”. Porém, ao contrário da vitória surpreendente vista em 2016 (quando venceu entre os delegados, mas perdeu no voto popular para Hillary Clinton), o republicano agora será capaz de reivindicar um amplo mandato.

A analista afirma que Donald Trump começará seu segundo mandato vinculado a poucas normas políticas, depois de uma campanha onde pareceu desafiar todas elas: ele venceu em pelo menos cinco dos sete “battleground states”, e estava próximo de vencer também o voto popular, sendo o primeiro republicano a conseguir tal façanha desde George W. Bush em 2004.

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Além disso, seu partido tomou o controle do Senado, estava próximo de manter o controle da Câmara dos Representantes e, em estados tradicionalmente democratas, ele obteve parte importante do eleitorado.

“A América nos deu um mandato poderoso e sem precedentes”, disse Trump aos seus apoiadores na Florida. “Vou governar por um lema simples: promessas feitas, promessas cumpridas”.

Lisa lembra que, entre as promessas feitas por Trump ao longo da campanha, está a demissão de servidores públicos de carreira; deportar milhões de imigrantes em operações militares; esmagar a independência do Departamento de Justiça; uso do governo para promover conspirações de saúde pública e o abandono de aliados dos EUA no exterior.

“Ele transformaria o governo em uma ferramenta de suas próprias queixas, uma maneira de punir seus críticos e recompensar ricamente seus apoiadores”, lembra Lisa.

“Ele seria um ‘ditador’ – mesmo que apenas no primeiro dia. E, quando solicitado a dar a ele o poder de fazer tudo isso, os eleitores disseram sim. Esta foi uma conquista da nação não pela força, mas com uma autorização. Agora, a América está à beira de um estilo autoritário de governança nunca antes visto em seus 248 anos de história”, pontuou a articulista.

 

¨      O fim da democracia liberal, por Luis Felipe Miguel

Evito fazer projeções bombásticas, mas é difícil resistir no calor no momento: a nova eleição Donald Trump bateu, não digo o último, mas um dos últimos pregos no caixão da democracia liberal tal como ela foi edificada ao longo do século XX.

A vitória de Trump não é exatamente inesperada. O velho farsante alaranjado nunca perdeu o apoio de sua base original – operários e rednecks empobrecidos, os que se sentem cada vez mais excluídos e sem perspectivas nos Estados Unidos de hoje. E cresceu tanto junto ao dinheiro grosso quando ao eleitorado negro e latino.

Dos bilionários antes simpáticos aos democratas, Trump ganhou o apoio declarado, a simpatia discreta ou no mínimo a neutralidade. Já entre negros e latinos há um crescente descrédito com o discurso do “neoliberalismo progressista” que é oferecido a eles pelo Partido Democrata.

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De fato, o Partido Democrata parece não saber o que apresentar ao eleitorado. Em 2020, Biden obteve uma vitória apertada – em um país mergulhado no caos da primeira gestão de Trump, incluindo uma gestão da pandemia tão criminosa quanto a de Jair Bolsonaro.

Na presidência, ele pareceu julgar que a volta à “normalidade” (isto é, à velha política de sempre) era o que o povo queria. Esforçou-se por melhorar os indicadores econômicos, sem perceber que o efeito eleitoral deles já não era o mesmo.

No começo do mandato, em gesto ousado, Biden apoiou a greve dos trabalhadores da Amazon, que reivindicavam o direito de se sindicalizar. Mas o saldo não foi angariar o apoio do vasto setor de precarizados (aqueles retratados no oscarizado Nomadland) e sim angariar a antipatia dos barões da “nova economia” – reforçado pelas tímidas tentativas de regular as big techs.

Não custa lembrar que Jeff Bezos, da Amazon, determinou que o Washington Post, o jornal do qual também é dono, rompesse a tradição de apoiar candidatos democratas e se declarasse neutro na eleição deste ano.

Quando a incapacidade física e mental de Biden para concorrer à reeleição se tornou evidente demais e – após um longo e desgastante processo – ele teve que ser substituído, a opção por sua vice parecia “natural”, mas nem por isso menos equivocada.

Ela parecia ser a solução mais rápida, capaz de unir o partido. Mas, afora isso, reconhecidamente uma política pouco hábil, má oradora e desprovida de carisma, seu único trunfo era ser uma mulher com ascendência africana e indiana.

Com o apelo identitário se mostrando cada vez mais contraproducente, afastando mais eleitores do que congregava, e tendo que ser colocado em segundo plano, Harris fez uma campanha errática.

Era a mesma velha política morna, de fazer acenos em múltiplas direções para, no final das contas, manter tudo como está.

Do mandato de Trump, pelos sinais apresentados até agora, se pode esperar uma tentativa de orbanização do sistema político estadunidense. Isto é: seguir os passos de Viktor Orbán, na Hungria, e suprimir todos os controles a seu poder pessoal.

Esse desfecho é o resultado da crise do modelo liberal democrático.

O segredo desse arranjo repousava na capacidade da classe trabalhadora de impor limites ao funcionamento da economia capitalista. Ou seja, as democracias históricas não se definem como um conjunto de regras do jogo abstratas, como frequentemente se apresenta na ciência política, mas como o resultado de uma determinada correlação de forças.

A acomodação da democracia liberal permite, por um lado, que os dominados tenham alguma voz no processo decisório e, por outro, que os dominantes saibam calibrar as concessões necessárias para garantir a reprodução de sua própria dominação.

Um componente necessário nessa equação é, obviamente, a capacidade regulatória do Estado. Outro é sua autonomia relativa em relação aos proprietários, a fim de que possam ser adotadas medidas que os contrariam no curto prazo.

A crise que ora se vê é marcada pela erosão de praticamente todos os pilares desse arranjo. O “populismo de direita” dá respostas a ela – ilusórias, mentirosas, mas ainda assim respostas. O centro e a esquerda eleitoral não chegam nem a isso. E, sem a retomada da capacidade de pressão de uma classe trabalhadora transformada, o modelo da democracia liberal fatalmente vai degringolar para uma oligarquia escancarada, com um frágil verniz eleitoral.

Estamos falando dos Estados Unidos. Mas, como disse Horácio (e Marx gostava de citar): de te fabula narratur.

 

¨      Cupins alados e a vitória de Trump, por Dora Incontri

Nesta noite, ninguém dormiu aqui em casa. Milhares de cupins alados tentavam entrar pelas janelas e lá fora aglomeravam-se em torno das luzes da garagem e do jardim. E ao mesmo tempo, líamos a notícia de que Trump havia vencido a eleição nos EUA. Uma coincidência simbólica significativa essa, da invasão dos cupins e da nova ascensão do fascista!

Não que a candidata democrata fosse tão melhor que o republicano. Pouca coisa. Mas a vitória de Trump é o suficiente para piorar muito o cenário do mundo, com o avanço estratégico e galopante da extrema direita, toda assentada em Fake News, negacionismo científico, misoginia, lgtbfobia, ódio aos imigrantes, fundamentalismo religioso e outras barbáries. Qualquer um dos dois candidatos, porém, seria obediente aos interesses da indústria bélica dos EUA, à manutenção do status imperialista norte-americano, à economia neoliberal… Kamala apenas teria um pouco mais de verniz democrático.

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O problema é que se fecha o cerco de uma direita internacional unida – sustentada por bilionários, como Elon Musk – que promete instalar com mais ódio e profundidade um estado de guerra permanente e global e ignorar solenemente a agenda climática do apocalipse. Em suma, a infelicidade geral do planeta, a ameaça de extinção dos seres vivos (no caso, nós, enquanto humanidade), a miséria, as secas, as enchentes, tudo sufocante e trágico.

A curto prazo, não sou otimista. A imagem dos cupins me assalta. São milhares que saem em voo desesperado, como são milhões os extremistas do planeta em atitudes de agressão, mentira e retrocesso. Nessa semana, tivemos a prisão de jovens nazistas na Alemanha, que planejavam um golpe; vimos extremistas espanhóis se valendo da tragédia de Valencia, para semear instabilidade no governo à esquerda. Os cupins alados são os reprodutores, que vão semear as colônias que depois destruirão jardins, plantas, gramados, prédios, que comerão livros e podem mesmo sobreviver à irradiação atômica. Uma praga!

Esse avanço está já muito concatenado e amarrado. Pouco provável que tenhamos um recuo proximamente. Também pelo fato de estarmos vivendo um momento de esquerda intimidada, acovardada, que flerta com o centro, com o neoliberalismo, sem se assumir nem mesmo como esquerda. Uma esquerda envergonhada, que se rende ao capital.

Precisamos, por isso, arregimentar forças, formarmos vínculos, comunidades, lideranças, assumirmos um discurso claro, de combate não só ao capital, mas a essa democracia liberal, que sempre acaba por desembocar no fascismo. Essa democracia elegeu Hitler, elegeu o nosso inominável, elegeu Trump por duas vezes. Manobrada pelos poderes econômicos e militares, essa democracia não é democracia de fato.

Como anarquista, também não me apetecem os autoritarismos de esquerda. Temos que avançar além dos limites da história que já se fez. O que estamos fazendo é repetindo o avanço do nazifascismo de 100 anos atrás. Sem a perspectiva de nenhuma revolução que se faça contrapeso à tomada das trevas.

Já a médio e longo prazo, tenho esperança. O sofrimento está superlativo. Mas será ainda pior. Então, haverá um despertar coletivo, de resistência, de força, de coragem. E conseguiremos atravessar os dias sombrios, para um novo amanhecer. Mas não fiquemos de mãos atadas e boca fechada, por enquanto. Façamos a cada dia nossa parte de militância, educação política e fortalecimento de nossos melhores afetos, de nossa melhor esperança. Até chegarmos na outra margem da história!

 

Fonte: Jornal GGN

 

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