Parceiros mas não aliados. Como a vitória
de Trump afeta o Brasil?
Proteção
à democracia, defesa do meio ambiente, relação com
a China e posicionamento sobre as guerras na Ucrânia e no Oriente
Médio são alguns dos temas que podem impactar a relação Brasil-Estados Unidos com
a vitória de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos.
Para analisar
as perspectivas para as relações diplomáticas entre os dois países, que,
neste ano, completaram 200 anos, o g1 conversou com Tanguy
Baghdadi, professor de relações internacionais e fundador do podcast Petit
Journal, e com Hussein Kalout, cientista político e ex-secretário de Ações
Estratégicas do governo de Michel Temer.
Levando em
consideração o último mandato de Donald
Trump, Tanguy Baghdadi entende que o estilo de
fazer política externa do ex-presidente americano é o de se aproximar de
países e líderes que "aceitem sua liderança", mesmo que não sejam da
mesma ala política.
"Não há uma
garantia de que a relação seria ruim, até porque, o Lula também, em diversos
momentos, já buscou a aproximação com líderes que não eram exatamente de
esquerda. Então, há uma certa facilidade dos dois em promover esse
diálogo", analisa.
Para Baghdadi, a
comunicação entre o atual presidente Lula e Trump seria de uma forma mais
protocolar, mantendo acordos existentes entre os dois países, o que ele
descreve como "uma certa manutenção de um relacionamento bilateral
respeitoso". O professor prevê ainda que, inicialmente, a relação seja de
certa "desconfiança" e "frieza".
🗳️ Apoio político
Tanto Tanguy Baghdadi
quanto Husseim Kalout entendem que a próxima eleição presidencial no Brasil
pode ser desafiadora para uma eventual chapa petista, considerando que Trump
apoiou o então presidente Jair Bolsonaro em 2022 — ambos falam com o mesmo
eleitorado de direita e têm discursos parecidos, diz Baghdadi.
"Se, em uma
eleição futura no Brasil, nós tivermos questionamentos no processo eleitoral e
uma inflexão na nossa ordem democrática, o comportamento do Trump não será
igual ao comportamento do Biden ou da Kamala. Ele vai tomar um lado, né? E,
provavelmente, será o lado, digamos, do bolsonarismo", comenta Kalout.
Além disso, Trump e
Bolsonaro carregam outro ponto em comum: ambos são investigados pela
participação em uma tentativa de golpe contra a democracia em seus respectivos
países.
Em 6 de janeiro de
2021, milhares de apoiadores do republicano invadiram o Capitólio em Washington,
sede do Legislativo americano, na
tentativa de impedir a realização da sessão que formalizaria a vitória de Joe Biden em 2020.
Dois anos depois, em 8
de janeiro de 2023, bolsonaristas invadiram a sede dos Três Poderes com o objetivo
de tentar dar um golpe de estado contra o governo recém-eleito de Lula.
❌ Visões opostas: meio ambiente, China e Venezuela
Com Donald Trump
presidindo os EUA, o Brasil pode ter que lidar com uma mudança drástica em
alguns segmentos, avaliam os especialistas. Apesar de o eixo comercial de
investimentos ser mantido, o que diz respeito ao meio ambiente pode colapsar,
entende Kalout.
O ex-secretário de
Ações Estratégicas do governo Temer também acredita que o Brasil pode ser
"empurrado a buscar um alinhamento quase que automático com a China, o que
seria um fato inédito na política externa brasileira".
O governo Biden tem
tido prudência para lidar com a rivalidade entre Estados Unidos e China, ele
sabe que pode ter consequências graves. O Trump é muito mais agressivo. (...)
Isso tende a ter impactos diretos nas escolhas do Brasil entre China e Estados Unidos.
— Hussein Kalout, cientista político
Outro ponto sensível
nesta relação seria a Venezuela. Husseim Kalout explica que, por mais que o
governo brasileiro cobre as atas das eleições venezuelanas de 2024 e ainda não
tenha reconhecido o resultado do pleito, Trump, por sua vez, é muito mais enfático
que Joe Biden e Kamala
Harris ao criticar o governo de Nicolás Maduro.
🌎 Posicionamento internacional
Husseim Kalout
ressalta que Brasil e Estados Unidos são considerados países parceiros, mas não
aliados.
Isso porque, embora os
EUA sejam o segundo maior parceiro comercial do Brasil, no entendimento
americano, são aliadas as nações que se apoiam militarmente — o que não é o
caso, explica o cientista político.
Os dois países têm
perfis muito diferentes no que diz respeito à política externa, comenta Tanguy.
Com isso, posicionamentos quanto à guerra na Ucrânia e em Israel e outros
países do Oriente Médio podem ser bastante distintos. A postura do Brasil,
segundo o professor, é de maior proximidade com países parecidos com o contexto
brasileiro.
"Eu não espero
que nenhum dos dois governos, seja um governo de Trump, seja um governo da
Kamala, vá ter o Brasil como grande prioridade. Eu acho que atualmente é uma
relação de distância e ela vai continuar sendo assim", conclui Tanguy
Baghdadi.
¨ O que significa para economia do Brasil, com a vitória de Trump
A agenda que Donald Trump prometeu colocar
em prática em seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos,
com deportação em massa de
imigrantes sem documentos, tarifaço de importados e aumento de subsídios, deve elevar a dívida pública americana, alimentar inflação e
reduzir a corrente de comércio global, dizem analistas ouvidos pela BBC News
Brasil.
Uma combinação que
terá efeitos negativos no curto prazo para a economia do Brasil, que deve se preparar para enfrentar um
ciclo de dólar mais alto e possível redução das exportações para seu segundo
maior parceiro comercial.
Entre as propostas de
Trump que suscitam maior preocupação entre especialistas está o aumento
generalizado das tarifas de importação praticadas pelos EUA, de 10% a 20% para
todos os seus parceiros comerciais, de 60% para produtos da China, tratada como inimiga na retórica
trumpista, e sobretaxas de mais de 100% em circunstâncias específicas.
O republicano
argumentou durante a campanha que o tarifaço incentivaria as empresas a
produzirem mais nos Estados Unidos e a criar empregos no país.
A maioria dos
especialistas discorda. Em uma consulta realizada pelo jornal americano The
Wall Street Journal com 39 economistas, todos desaprovaram a medida, a única
posição unânime diante de uma lista de propostas polêmicas das candidaturas tanto do
republicano quanto de sua adversária derrotada, a democrata Kamala Harris.
O protecionismo
tarifário, como é chamado no jargão econômico, "ou vira inflação ou vira
redução de demanda", pontua o professor aposentado da Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP)
e economista-chefe do Banco Fator José Francisco de Lima Gonçalves.
Ele explica com um
exemplo ilustrativo da China. Os americanos ou não fabricam ou têm capacidade
reduzida para produzir o que importam do país asiático.
Se de uma hora para
outra esses importados forem sobretaxados, o consumidor americano ou vai topar
pagar mais caro para ter acesso ao produto de qualquer forma (o que os
economistas chamam de demanda pouco elástica), ou vai deixar de comprar porque
acha que ele ficou caro demais, com impacto na redução do consumo.
Nesse último caso, a
consequência para os parceiros comerciais, como o Brasil, é direta: diminuição
do volume de exportações.
Para os produtos cuja
demanda é menos elástica, o aumento na tarifa tende a ser repassado para os
preços, o que tende a alimentar a inflação.
A alta nos índices de
preços, por sua vez, costuma ser seguida por aumentos nas taxas de juros pelo
Federal Reserve (FED), o banco central americano, movimento que fortalece o
dólar.
"Os EUA
provavelmente vão ter uma inflação bem pior e, portanto, os juros vão ficar lá
em cima por mais tempo, o dólar vai ficar mais forte por mais tempo. Essa eu
acho que vai ser a grande dificuldade para o Brasil", opina o
economista-chefe do Banco Fator.
Steven Kamin,
pesquisador sênior do centro de pesquisa American Enterprise Institute, reflete
sobre um cenário alternativo: a imposição de tarifas elevadas também pode levar
a um grande aumento da incerteza e criar disrupções que podem esfriar a
atividade econômica americana e levar o FED a reduzir juros, em vez de
aumentar.
"Esse não é o
cenário mais provável agora, mas foi o que aconteceu em 2019", ele
ressalta, referindo-se ao primeiro governo Trump.
Fazia um ano que o
republicano havia dado início a uma guerra comercial com a China, e o temor de
que o aumento de tarifas pudesse prejudicar a atividade levou o banco central
americano a cortar juros em três ocasiões na segunda metade do ano.
"Mas esse cenário
alternativo tampouco seria positivo para a América Latina", ressalva o
especialista. "Porque significaria uma desaceleração da economia dos EUA e
talvez até da economia global", completa.
Nesse sentido, o
professor titular aposentado da PUC-RJ e economista-chefe da Genial
Investimentos. José Márcio Camargo, chama atenção para uma possível
desaceleração econômica também da China, o maior parceiro comercial do Brasil.
Os EUA são um dos
principais destinos das exportações chinesas. Uma redução da corrente de
comércio entre os dois países poderia, por exemplo, diminuir a demanda chinesa
por commodities - que são, por sua vez, a principal categoria das exportações
brasileiras para o país asiático.
A queda nos preços de
commodities é, aliás, o cenário-base com o qual o economista-sênior para
América Latina Tim Hunter trabalha.
Uma possível
consequência positiva para o Brasil de uma guerra comercial em larga escala
entre China e Estados Unidos seria uma diminuição das compras chinesas de soja
dos Estados Unidos (atrás apenas do Brasil em volumes de exportação do produto)
o que abriria oportunidades para aumento de vendas brasileiras.
Logicamente, o maior
volume das exportações poderia não ser suficiente para compensar uma brusca
queda de preços da commodity.
Em relatório enviado a
clientes pouco antes da eleição, ele destacou que caso o governo Trump
materialize de fato uma guerra comercial, os preços de itens como carvão,
cobre, alumínio, ferro e soja tenderiam a cair.
Para além do tarifaço,
a proposta de deportação de milhões de imigrantes sem documentos também é
destacada pelos economistas ouvidos pela BBC News Brasil como tendo potencial
para prejudicar a economia americana e impactar negativamente outros países.
Essa mão de obra,
argumenta Steven Kamin, é hoje a base de setores como a construção e diversos
segmentos de serviços, especialmente os que pagam menores salários.
A redução dessa força
de trabalho, além de criar um problema para essas indústrias no curto prazo,
alimentaria mais inflação - o que, em última instância, pode significar dólar
mais caro para o Brasil.
Os especialistas
ressaltam que a dimensão do impacto da agenda Trump vai depender do que o
presidente eleito colocar de fato em prática e como os países afetados vão
reagir.
Quantos milhões de
migrantes seriam de fato deportados? Vai haver aumento generalizado de tarifas,
com uma alíquota semelhante para todos os setores, ou alguns segmentos vão ser
mais taxados do que outros? Como a China vai responder?
¨ Planalto vê Trump com mais poder que em 1º mandato e espera
pressão de Congresso Republicano sobre a democracia no Brasil
Passadas as primeiras
horas desde a oficialização da vitória de Donald
Trump na disputa pela presidência dos
Estados Unidos, a chancelaria de Luiz Inácio Lula da Silva faz
cálculos sobre os impactos desta nova gestão para o Brasil e o mundo.
Trump volta à Casa
Branca com mais poder e mais musculatura, admite um conselheiro do presidente
brasileiro. "Ao contrário de 2016, ele agora teve também a maioria do voto
popular. Deve fazer a maioria na Câmara, já tem a do Senado e, mesmo antes de
sair, tinha moldado uma suprema corte conservadora."
O que isso significa?
Para os especialistas que Trump encontrará, em seu segundo mandato, um sistema
de freios e contrapesos muito menos equipado para freá-lo, com pouca
resistência a seus arroubos.
O presidente eleito
fez campanha avisando que promoveria uma revanche contra adversários políticos
e que promoverá políticas de deportação em massa. "Algumas propostas
precisam de maioria absoluta no congresso americano, mas sem dúvida ele terá
mais espaço para manobra", avalia o conselheiro de Lula.
Uma maioria
republicana no congresso americano deve trazer implicações ao Brasil. A exemplo
do que ocorreu no primeiro semestre deste ano, comissões da Câmara e do Senado
podem ser usadas para dar holofotes a questionamentos à democracia brasileira,
à atuação do Supremo Tribunal Federal e à inelegibilidade de Jair Bolsonaro --
Eduardo, filho 03 do ex-presidente, acompanhou a apuração com Trump.
Para as duas maiores
crises globais, a chancelaria vê hoje uma Ucrânia mais isolada -- "Trump
deve tratar o caso como um problema dos europeus"-- e um Benjamin
Netanyahu mais empoderado.
O principal flanco de
oposição geopolítica no novo mandato deve mesmo ser a China, calculam os
aliados de Lula. Trump já avisou que dará vazão a políticas protecionistas,
afetando a economia global. "Nesse cenário, Brics e Mercosul precisam ser
analisados como mercados estratégicos para o Brasil", conclui o
analista de Lula.
¨ Lula parabeniza Trump e diz que "democracia deve ser sempre
respeitada"
O presidente Lula (PT)
publicou uma mensagem nas redes sociais nesta quarta-feira (6) parabenizando
Donald Trump pela vitória eleitoral sobre Kamala Harris. O líder brasileiro
pregou respeito à democracia e apelou pela "paz, desenvolvimento e prosperidade".
"Meus parabéns ao presidente Donald Trump pela vitória eleitoral e retorno
à presidência dos Estados Unidos. A democracia é a voz do povo e ela deve ser
sempre respeitada. O mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto para termos
mais paz, desenvolvimento e prosperidade. Desejo sorte e sucesso ao novo
governo".
O presidente Lula é um
crítico antigo de Trump, visto por ele como uma espécie de inspiração para Jair
Bolsonaro (PL) e seu modus operandi, baseado em fake news e
discurso de ódio visando a manutenção do poder. No último dia 1, Lula
reconheceu que estava torcendo pela vitória da candidata democrata Kamala
Harris: “eu acho que com Kamala Harris é muito mais seguro para a gente
fortalecer a democracia, é muito mais seguro. Nós vimos o que foi o presidente
Trump no final do seu mandato fazendo aquele ataque ao Capitólio”.
“Como eu sou amante da
democracia, acho a democracia a coisa mais sagrada que nós conseguimos
construir para bem governar os nossos países, eu, obviamente, fico torcendo
para a Kamala ganhar as eleições”, completou.
¨ Celso Amorim prevê relação “pragmática” com Trump e diz que Lula
estará aberto ao diálogo
O ex-chanceler e
assessor especial do presidente Lula (PT) para Assuntos Internacionais, Celso
Amorim, afirmou em entrevista ao jornal O Globo que o governo brasileiro terá uma relação “pragmática” com
o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Segundo Amorim, é comum
que candidatos falem muito durante as campanhas eleitorais, mas sejam mais
comedidos na hora de agir, o que pode ocorrer no novo mandato de Trump.
“É cedo para falar que
ele vai ter uma postura protecionista. Candidato fala muita coisa, depois tem
que pensar direitinho como vai fazer. Somos contra o protecionismo, somos a
favor da OMC (Organização Mundial do Comércio). A verdade é que o protecionismo
não foi restabelecido totalmente, nem parcialmente, nos últimos anos. É preciso
ter calma”, disse.
O ex-chanceler
comparou a situação atual com os primeiros mandatos de Lula como presidente,
quando George Bush era o presidente dos EUA. “Vamos manter o pragmatismo como
mantivemos com Bush. Ele (Lula) demonstrou simpatia à Kamala (Harris), mas
muito mais grave foram as críticas que o Brasil fez ao Bush no ataque ao
Iraque. Isso não nos impediu de ter boas relações. O Brasil fez críticas muito
fortes ao Bush, não aprovou a Alca, e o Bush veio aqui duas vezes, colocou o
capacete da Petrobras”, lembrou Amorim.
Celso Amorim afirmou
que Lula está aberto ao diálogo com Trump, mas ainda não sabe se haverão
encontros ou conversas entre os dois antes da posse. “Acabamos de ter a notícia
hoje, é cedo para falar se vamos dialogar antes da posse. Por enquanto, temos a
nota (de parabenização). Claro que se formos procurados, reagiremos
positivamente”, defendeu.
Sobre a relação de
Trump com Jair Bolsonaro (PL), Amorim minimizou um possível crescimento da
extrema direita influenciada pelas eleições americanas. “Acho que o
bolsonarismo não se fortalece, cada país é um país. A economia brasileira está
se fortalecendo. Lula está sabendo conduzir de modo a não radicalizar com os
adversários”.
Fonte: g1/BBC News
Brasil/Brasil 247
Nenhum comentário:
Postar um comentário