quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Parceiros mas não aliados. Como a vitória de Trump afeta o Brasil?

Proteção à democracia, defesa do meio ambiente, relação com a China e posicionamento sobre as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio são alguns dos temas que podem impactar a relação Brasil-Estados Unidos com a vitória de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos.

Para analisar as perspectivas para as relações diplomáticas entre os dois países, que, neste ano, completaram 200 anos, o g1 conversou com Tanguy Baghdadi, professor de relações internacionais e fundador do podcast Petit Journal, e com Hussein Kalout, cientista político e ex-secretário de Ações Estratégicas do governo de Michel Temer.

Levando em consideração o último mandato de Donald Trump, Tanguy Baghdadi entende que o estilo de fazer política externa do ex-presidente americano é o de se aproximar de países e líderes que "aceitem sua liderança", mesmo que não sejam da mesma ala política.

"Não há uma garantia de que a relação seria ruim, até porque, o Lula também, em diversos momentos, já buscou a aproximação com líderes que não eram exatamente de esquerda. Então, há uma certa facilidade dos dois em promover esse diálogo", analisa.

Para Baghdadi, a comunicação entre o atual presidente Lula e Trump seria de uma forma mais protocolar, mantendo acordos existentes entre os dois países, o que ele descreve como "uma certa manutenção de um relacionamento bilateral respeitoso". O professor prevê ainda que, inicialmente, a relação seja de certa "desconfiança" e "frieza".

🗳️ Apoio político

Tanto Tanguy Baghdadi quanto Husseim Kalout entendem que a próxima eleição presidencial no Brasil pode ser desafiadora para uma eventual chapa petista, considerando que Trump apoiou o então presidente Jair Bolsonaro em 2022 — ambos falam com o mesmo eleitorado de direita e têm discursos parecidos, diz Baghdadi.

"Se, em uma eleição futura no Brasil, nós tivermos questionamentos no processo eleitoral e uma inflexão na nossa ordem democrática, o comportamento do Trump não será igual ao comportamento do Biden ou da Kamala. Ele vai tomar um lado, né? E, provavelmente, será o lado, digamos, do bolsonarismo", comenta Kalout.

Além disso, Trump e Bolsonaro carregam outro ponto em comum: ambos são investigados pela participação em uma tentativa de golpe contra a democracia em seus respectivos países.

Em 6 de janeiro de 2021, milhares de apoiadores do republicano invadiram o Capitólio em Washington, sede do Legislativo americano, na tentativa de impedir a realização da sessão que formalizaria a vitória de Joe Biden em 2020.

Dois anos depois, em 8 de janeiro de 2023, bolsonaristas invadiram a sede dos Três Poderes com o objetivo de tentar dar um golpe de estado contra o governo recém-eleito de Lula.

Visões opostas: meio ambiente, China e Venezuela

Com Donald Trump presidindo os EUA, o Brasil pode ter que lidar com uma mudança drástica em alguns segmentos, avaliam os especialistas. Apesar de o eixo comercial de investimentos ser mantido, o que diz respeito ao meio ambiente pode colapsar, entende Kalout.

O ex-secretário de Ações Estratégicas do governo Temer também acredita que o Brasil pode ser "empurrado a buscar um alinhamento quase que automático com a China, o que seria um fato inédito na política externa brasileira".

O governo Biden tem tido prudência para lidar com a rivalidade entre Estados Unidos e China, ele sabe que pode ter consequências graves. O Trump é muito mais agressivo. (...) Isso tende a ter impactos diretos nas escolhas do Brasil entre China e Estados Unidos. — Hussein Kalout, cientista político

Outro ponto sensível nesta relação seria a Venezuela. Husseim Kalout explica que, por mais que o governo brasileiro cobre as atas das eleições venezuelanas de 2024 e ainda não tenha reconhecido o resultado do pleito, Trump, por sua vez, é muito mais enfático que Joe Biden e Kamala Harris ao criticar o governo de Nicolás Maduro.

🌎 Posicionamento internacional

Husseim Kalout ressalta que Brasil e Estados Unidos são considerados países parceiros, mas não aliados.

Isso porque, embora os EUA sejam o segundo maior parceiro comercial do Brasil, no entendimento americano, são aliadas as nações que se apoiam militarmente — o que não é o caso, explica o cientista político.

Os dois países têm perfis muito diferentes no que diz respeito à política externa, comenta Tanguy. Com isso, posicionamentos quanto à guerra na Ucrânia e em Israel e outros países do Oriente Médio podem ser bastante distintos. A postura do Brasil, segundo o professor, é de maior proximidade com países parecidos com o contexto brasileiro.

"Eu não espero que nenhum dos dois governos, seja um governo de Trump, seja um governo da Kamala, vá ter o Brasil como grande prioridade. Eu acho que atualmente é uma relação de distância e ela vai continuar sendo assim", conclui Tanguy Baghdadi.

¨      O que significa para economia do Brasil, com a vitória de Trump

A agenda que Donald Trump prometeu colocar em prática em seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, com deportação em massa de imigrantes sem documentos, tarifaço de importados e aumento de subsídios, deve elevar a dívida pública americana, alimentar inflação e reduzir a corrente de comércio global, dizem analistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Uma combinação que terá efeitos negativos no curto prazo para a economia do Brasil, que deve se preparar para enfrentar um ciclo de dólar mais alto e possível redução das exportações para seu segundo maior parceiro comercial.

Entre as propostas de Trump que suscitam maior preocupação entre especialistas está o aumento generalizado das tarifas de importação praticadas pelos EUA, de 10% a 20% para todos os seus parceiros comerciais, de 60% para produtos da China, tratada como inimiga na retórica trumpista, e sobretaxas de mais de 100% em circunstâncias específicas.

O republicano argumentou durante a campanha que o tarifaço incentivaria as empresas a produzirem mais nos Estados Unidos e a criar empregos no país.

A maioria dos especialistas discorda. Em uma consulta realizada pelo jornal americano The Wall Street Journal com 39 economistas, todos desaprovaram a medida, a única posição unânime diante de uma lista de propostas polêmicas das candidaturas tanto do republicano quanto de sua adversária derrotada, a democrata Kamala Harris.

O protecionismo tarifário, como é chamado no jargão econômico, "ou vira inflação ou vira redução de demanda", pontua o professor aposentado da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e economista-chefe do Banco Fator José Francisco de Lima Gonçalves.

Ele explica com um exemplo ilustrativo da China. Os americanos ou não fabricam ou têm capacidade reduzida para produzir o que importam do país asiático.

Se de uma hora para outra esses importados forem sobretaxados, o consumidor americano ou vai topar pagar mais caro para ter acesso ao produto de qualquer forma (o que os economistas chamam de demanda pouco elástica), ou vai deixar de comprar porque acha que ele ficou caro demais, com impacto na redução do consumo.

Nesse último caso, a consequência para os parceiros comerciais, como o Brasil, é direta: diminuição do volume de exportações.

Para os produtos cuja demanda é menos elástica, o aumento na tarifa tende a ser repassado para os preços, o que tende a alimentar a inflação.

A alta nos índices de preços, por sua vez, costuma ser seguida por aumentos nas taxas de juros pelo Federal Reserve (FED), o banco central americano, movimento que fortalece o dólar.

"Os EUA provavelmente vão ter uma inflação bem pior e, portanto, os juros vão ficar lá em cima por mais tempo, o dólar vai ficar mais forte por mais tempo. Essa eu acho que vai ser a grande dificuldade para o Brasil", opina o economista-chefe do Banco Fator.

Steven Kamin, pesquisador sênior do centro de pesquisa American Enterprise Institute, reflete sobre um cenário alternativo: a imposição de tarifas elevadas também pode levar a um grande aumento da incerteza e criar disrupções que podem esfriar a atividade econômica americana e levar o FED a reduzir juros, em vez de aumentar.

"Esse não é o cenário mais provável agora, mas foi o que aconteceu em 2019", ele ressalta, referindo-se ao primeiro governo Trump.

Fazia um ano que o republicano havia dado início a uma guerra comercial com a China, e o temor de que o aumento de tarifas pudesse prejudicar a atividade levou o banco central americano a cortar juros em três ocasiões na segunda metade do ano.

"Mas esse cenário alternativo tampouco seria positivo para a América Latina", ressalva o especialista. "Porque significaria uma desaceleração da economia dos EUA e talvez até da economia global", completa.

Nesse sentido, o professor titular aposentado da PUC-RJ e economista-chefe da Genial Investimentos. José Márcio Camargo, chama atenção para uma possível desaceleração econômica também da China, o maior parceiro comercial do Brasil.

Os EUA são um dos principais destinos das exportações chinesas. Uma redução da corrente de comércio entre os dois países poderia, por exemplo, diminuir a demanda chinesa por commodities - que são, por sua vez, a principal categoria das exportações brasileiras para o país asiático.

A queda nos preços de commodities é, aliás, o cenário-base com o qual o economista-sênior para América Latina Tim Hunter trabalha.

Uma possível consequência positiva para o Brasil de uma guerra comercial em larga escala entre China e Estados Unidos seria uma diminuição das compras chinesas de soja dos Estados Unidos (atrás apenas do Brasil em volumes de exportação do produto) o que abriria oportunidades para aumento de vendas brasileiras.

Logicamente, o maior volume das exportações poderia não ser suficiente para compensar uma brusca queda de preços da commodity.

Em relatório enviado a clientes pouco antes da eleição, ele destacou que caso o governo Trump materialize de fato uma guerra comercial, os preços de itens como carvão, cobre, alumínio, ferro e soja tenderiam a cair.

Para além do tarifaço, a proposta de deportação de milhões de imigrantes sem documentos também é destacada pelos economistas ouvidos pela BBC News Brasil como tendo potencial para prejudicar a economia americana e impactar negativamente outros países.

Essa mão de obra, argumenta Steven Kamin, é hoje a base de setores como a construção e diversos segmentos de serviços, especialmente os que pagam menores salários.

A redução dessa força de trabalho, além de criar um problema para essas indústrias no curto prazo, alimentaria mais inflação - o que, em última instância, pode significar dólar mais caro para o Brasil.

Os especialistas ressaltam que a dimensão do impacto da agenda Trump vai depender do que o presidente eleito colocar de fato em prática e como os países afetados vão reagir.

Quantos milhões de migrantes seriam de fato deportados? Vai haver aumento generalizado de tarifas, com uma alíquota semelhante para todos os setores, ou alguns segmentos vão ser mais taxados do que outros? Como a China vai responder?

 

¨      Planalto vê Trump com mais poder que em 1º mandato e espera pressão de Congresso Republicano sobre a democracia no Brasil

Passadas as primeiras horas desde a oficialização da vitória de Donald Trump na disputa pela presidência dos Estados Unidos, a chancelaria de Luiz Inácio Lula da Silva faz cálculos sobre os impactos desta nova gestão para o Brasil e o mundo.

Trump volta à Casa Branca com mais poder e mais musculatura, admite um conselheiro do presidente brasileiro. "Ao contrário de 2016, ele agora teve também a maioria do voto popular. Deve fazer a maioria na Câmara, já tem a do Senado e, mesmo antes de sair, tinha moldado uma suprema corte conservadora."

O que isso significa? Para os especialistas que Trump encontrará, em seu segundo mandato, um sistema de freios e contrapesos muito menos equipado para freá-lo, com pouca resistência a seus arroubos.

O presidente eleito fez campanha avisando que promoveria uma revanche contra adversários políticos e que promoverá políticas de deportação em massa. "Algumas propostas precisam de maioria absoluta no congresso americano, mas sem dúvida ele terá mais espaço para manobra", avalia o conselheiro de Lula.

Uma maioria republicana no congresso americano deve trazer implicações ao Brasil. A exemplo do que ocorreu no primeiro semestre deste ano, comissões da Câmara e do Senado podem ser usadas para dar holofotes a questionamentos à democracia brasileira, à atuação do Supremo Tribunal Federal e à inelegibilidade de Jair Bolsonaro -- Eduardo, filho 03 do ex-presidente, acompanhou a apuração com Trump.

Para as duas maiores crises globais, a chancelaria vê hoje uma Ucrânia mais isolada -- "Trump deve tratar o caso como um problema dos europeus"-- e um Benjamin Netanyahu mais empoderado.

O principal flanco de oposição geopolítica no novo mandato deve mesmo ser a China, calculam os aliados de Lula. Trump já avisou que dará vazão a políticas protecionistas, afetando a economia global. "Nesse cenário, Brics e Mercosul precisam ser analisados como mercados estratégicos para o Brasil", conclui o analista de Lula.

 

¨      Lula parabeniza Trump e diz que "democracia deve ser sempre respeitada"

O presidente Lula (PT) publicou uma mensagem nas redes sociais nesta quarta-feira (6) parabenizando Donald Trump pela vitória eleitoral sobre Kamala Harris. O líder brasileiro pregou respeito à democracia e apelou pela "paz, desenvolvimento e prosperidade". "Meus parabéns ao presidente Donald Trump pela vitória eleitoral e retorno à presidência dos Estados Unidos. A democracia é a voz do povo e ela deve ser sempre respeitada. O mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto para termos mais paz, desenvolvimento e prosperidade. Desejo sorte e sucesso ao novo governo".

O presidente Lula é um crítico antigo de Trump, visto por ele como uma espécie de inspiração para Jair Bolsonaro (PL) e seu modus operandi, baseado em fake news e discurso de ódio visando a manutenção do poder. No último dia 1, Lula reconheceu que estava torcendo pela vitória da candidata democrata Kamala Harris: “eu acho que com Kamala Harris é muito mais seguro para a gente fortalecer a democracia, é muito mais seguro. Nós vimos o que foi o presidente Trump no final do seu mandato fazendo aquele ataque ao Capitólio”.

“Como eu sou amante da democracia, acho a democracia a coisa mais sagrada que nós conseguimos construir para bem governar os nossos países, eu, obviamente, fico torcendo para a Kamala ganhar as eleições”, completou.

¨      Celso Amorim prevê relação “pragmática” com Trump e diz que Lula estará aberto ao diálogo

O ex-chanceler e assessor especial do presidente Lula (PT) para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, afirmou em entrevista ao jornal O Globo que o governo brasileiro terá uma relação “pragmática” com o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Segundo Amorim, é comum que candidatos falem muito durante as campanhas eleitorais, mas sejam mais comedidos na hora de agir, o que pode ocorrer no novo mandato de Trump.

“É cedo para falar que ele vai ter uma postura protecionista. Candidato fala muita coisa, depois tem que pensar direitinho como vai fazer. Somos contra o protecionismo, somos a favor da OMC (Organização Mundial do Comércio). A verdade é que o protecionismo não foi restabelecido totalmente, nem parcialmente, nos últimos anos. É preciso ter calma”, disse.

O ex-chanceler comparou a situação atual com os primeiros mandatos de Lula como presidente, quando George Bush era o presidente dos EUA. “Vamos manter o pragmatismo como mantivemos com Bush. Ele (Lula) demonstrou simpatia à Kamala (Harris), mas muito mais grave foram as críticas que o Brasil fez ao Bush no ataque ao Iraque. Isso não nos impediu de ter boas relações. O Brasil fez críticas muito fortes ao Bush, não aprovou a Alca, e o Bush veio aqui duas vezes, colocou o capacete da Petrobras”, lembrou Amorim.

Celso Amorim afirmou que Lula está aberto ao diálogo com Trump, mas ainda não sabe se haverão encontros ou conversas entre os dois antes da posse. “Acabamos de ter a notícia hoje, é cedo para falar se vamos dialogar antes da posse. Por enquanto, temos a nota (de parabenização). Claro que se formos procurados, reagiremos positivamente”, defendeu.

Sobre a relação de Trump com Jair Bolsonaro (PL), Amorim minimizou um possível crescimento da extrema direita influenciada pelas eleições americanas. “Acho que o bolsonarismo não se fortalece, cada país é um país. A economia brasileira está se fortalecendo. Lula está sabendo conduzir de modo a não radicalizar com os adversários”.

 

Fonte: g1/BBC News Brasil/Brasil 247

 

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