Jeferson Miola: No Brasil, como nos EUA, o
povo não se alimenta de PIB nem de ajuste neoliberal
A vitória soberba de Donald Trump nos EUA desbancou muitas expectativas e verdades cristalizadas,
dentre elas a de que o bom estado da economia é fator grandemente determinante
para o sucesso eleitoral.
Caso este postulado
valesse como uma “lei do comportamento do eleitorado”, a candidata Kamala
Harris teria sido eleita para a presidência daquele país.
No atual governo
estadunidense, do qual a candidata do Partido Democrata é vice-presidente, o
PIB aumentou 2,9% no último ano, o desemprego está em 4,1% e os salários
cresceram 3,9%.
Entretanto, a despeito
desses indicadores, foi Donald Trump, e não Kamala Harris, quem conseguiu
capturar o voto descontente e incomodado, aquele que traduziu um mal-estar
econômico aparentemente invisível, mas vivido de modo implacável pelos
segmentos populares.
Na vitória do “homem
alaranjado”, a sensação econômica concreta das pessoas e o mal-estar com a
difícil condição material de vida falaram mais alto que o medo em relação às
aberrações que ele defendeu na campanha e que deverá concretizar no governo.
No Brasil de Lula 3 a
situação econômica não é muito diferente: o PIB cresce ao redor de 3%, o
desemprego está num dos níveis mais baixos das últimas décadas [6,4%], aumenta
a renda dos trabalhadores empobrecidos –formais, informais e por conta
própria–, e crescem os ganhos de aposentados, dos beneficiários do BPC e do
Bolsa Família.
Apesar disso, no
entanto, e do enorme empenho na reconstrução das políticas permanentes de
Estado, as pesquisas mostram a aprovação do governo empacada.
E, por outro lado, a
eleição municipal evidenciou que os eleitores lulistas, inclusive os
beneficiários do Bolsa Família, votaram massivamente em candidatos da direita e
da extrema-direita.
Isso que aparenta ser
um paradoxo sociológico pode, no entanto, encontrar explicação na frase da
economista Maria da Conceição Tavares, que anos atrás disse que “ninguém come
PIB, come alimentos”. Deve-se emendar: o povo também não se alimenta de ajuste neoliberal.
Do ponto de vista da
classe trabalhadora, em sua imensa maioria empobrecida, excluída e sujeitada a
empregos e salários precários, não importa só ver o PIB crescer, é preciso que
tal crescimento se materialize em capacidade de consumo e de oportunidade de
uma vida decente.
O custo de vida, a
carestia dos alimentos e dos produtos de primeira necessidade de consumo como
energia, gasolina, remédios, transporte, educação etc, neutralizam os efeitos
positivos da economia para a maioria pobre, porque são os ricos, os rentistas e
segmentos de maior renda que se apropriam dos frutos do crescimento do PIB.
Se tudo o que já está
sendo feito [e é muito] pelo governo Lula para aumentar a renda das maiorias
sociais tem sido insuficiente para conquistar apoio popular e gratidão
eleitoral, será um equívoco perigoso o governo adotar políticas austericidas e
de ajuste neoliberal que só diminuirão a conexão do governo e das esquerdas com
a maioria do povo brasileiro, e cujos efeitos serão sentidos na eleição de
2026.
A realidade indica,
portanto, que é necessário fazer mais do que está sendo feito, e não menos.
Isso significa
aumentar consideravelmente o poder de compra dos salários, em especial do
salário mínimo, e também ampliar a proteção social com uma renda mínima
compatível para a vida digna de milhões de trabalhadores expulsos pelo
neoliberalismo para sempre do mundo do trabalho e da produção.
Será um erro grave se
o governo sacrificar os orçamentos do SUS e da educação e atacar as
aposentadorias, o salário-desemprego, o salário mínimo, o BPC e programas
sociais em nome do equilíbrio fiscal.
Como o próprio
presidente Lula declarou, é inaceitável que cerca de R$ 640 bilhões sejam
drenados do orçamento para beneficiar empresários e grupos privados com
desonerações e isenções tributárias que aumentam a concentração de renda e
atrasam o desenvolvimento.
Outros R$ 800 bilhões
são saqueados do orçamento da União para alimentar a ganância de rentistas,
financistas e investidores que parasitam a renda nacional por meio dos juros e
serviços da dívida, enquanto são isentos de imposto sobre suas rendas e fortunas.
Ao invés de sacrificar
dezenas de milhões de trabalhadores brasileiros com o ajuste neoliberal, o
governo deveria propor à sociedade e ao Congresso a discussão sobre privilégios
indecentes das castas burocráticas incrustradas no Estado e que se apropriam de
parcelas significativos dos impostos pagos pela população.
O judiciário
brasileiro, por exemplo, consome 1,6% do PIB por ano, um dos custos mais altos
do mundo.
Idem para o
Legislativo, para o Ministério Público e outras carreiras nababescas do
Executivo que se locupletam com inventos criativos para aumentar o valor do
holerite.
No TCU, por
exemplo, mecanismos engenhosos permitem que ministros ganhem mais de R$
1,3 milhão por ano.
Só em pensões vitalícias para esposas e filhas de militares, a mais antiga dessas pensões paga desde o ano 1930 do século
passado, a União dispende mais de R$ 25 bilhões por ano.
Ao todo, não passam de
210 mil pensionistas, a maior parte delas [144 mil, dados de 2022] filhas de
militares, que consomem o equivalente a meio PAC por ano.
Como disse o
presidente Lula, “nós não podemos jogar, toda vez que tem que cortar alguma
coisa, em cima do ombro das pessoas mais necessitadas”.
Lula tem razão.
Existem outras alternativas para cobrar a conta de quem mais pode pagar.
¨
BC eleva os juros e
sabota a economia. Por Altamiro Borges, em seu blog
Em mais um ato de
sabotagem contra a economia brasileira, o Banco Central aprovou nesta
quarta-feira (6) uma nova alta da taxa básica de juros.
Desta vez, o aumento
foi ainda maior, de 0,5 ponto, fazendo com que a Selic atinja o índice obsceno
de 11,25% ao ano – o segundo maior do planeta.
A desculpa apresentada
agora foi o das incertezas resultantes das eleições nos EUA. Balela!
A única certeza é que
os abutres financeiros saíram novamente ganhando!
A decisão do Comitê de
Política Monetária (Copom) do BC se deu por unanimidade, o que significa que os
quatro integrantes nomeados pelo governo Lula – incluindo Gabriel Galípolo, já
aprovado pelo Senado para presidir o banco a partir de janeiro de 2025 – se
curvaram às pressões do “deus-mercado”.
Conforme registra
a Folha rentista, “a escolha pelo aumento mais agressivo da Selic
veio em linha com a expectativa consensual do mercado financeiro”.
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A chantagem do “deus-mercado”
“Levantamento feito
pela Bloomberg mostra que a alta de 0,5 ponto era a projeção unânime dos
economistas consultados. O ciclo de subida de juros teve início na última
reunião, em setembro, quando o Copom optou por um movimento mais gradual, de
elevação de 0,25 ponto percentual – primeiro aumento feito no terceiro mandato
do presidente Lula (PT). Com a segunda alta consecutiva, a Selic se iguala ao
nível em que se encontrava em março”.
Além das “incertezas”
externas, o Copom reafirmou seu doentio pavor com o crescimento da economia
nativa, com a geração de emprego e renda.
“O comitê voltou a
dizer que o cenário demanda uma política de juros mais contracionista. Isso
significa uma atuação que ajude a frear a força da atividade econômica de forma
a controlar o avanço da inflação. Como justificativa, citou a resiliência na atividade
econômica, as pressões no mercado de trabalho, o hiato do produto positivo
(indicação de que a economia está aquecida e operando acima do seu potencial,
sujeita a pressões inflacionárias)”, relata a Folha rentista.
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Reação tímida da sociedade
A decisão do Banco
Central, que ainda segue sob comando do bolsonarista Roberto Campos Neto – o
Bob Fields Neto –, foi eminentemente política. Ela visou pressionar o governo
Lula a tomar medidas duras de austericídio fiscal.
Em seu comunicado, o
comitê defendeu cortes nos gastos e chantageou: “Uma política fiscal crível e
comprometida com a sustentabilidade da dívida, com a apresentação e execução de
medidas estruturais para o orçamento fiscal, contribuirá para a ancoragem das
expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos
financeiros, consequentemente impactando a política monetária”.
A alta absurda da
Selic gerou imediata reação de vários setores da sociedade.
A presidenta nacional
do PT, Gleisi Hoffmann, protestou no X: “Copom mantém a sabotagem à economia e
eleva ainda mais os juros estratosféricos. Irresponsabilidade total com um país
que precisa e quer continuar crescendo”.
A Confederação
Nacional da Indústria (CNI) também manifestou sua “indignação”: “Para o setor
industrial, a decisão é extremamente conservadora e trará apenas prejuízos à
atividade econômica, com reflexos negativos no emprego e renda”.
Mas enquanto não
houver maior pressão da sociedade, os abutres financeiros continuarão impondo
taxas de juros pornográficas e o Brasil seguirá sendo o paraíso dos banqueiros.
¨ Ubiratan de Paula Santos: Às favas com a guilhotina do ajuste
fiscal
O neoliberalismo, que
alargou a desigualdade e retirou direitos de trabalhadores, aposentados,
cuidados com os idosos e impõe limitações e encarecimento na atenção à saúde,
desde o final dos anos 70, foi derrotado, como vem sendo na Europa Ocidental.
Só se mantém
prosperado no Brasil, Argentina, Chile.
Embora a economia
tenha dados positivos nos EUA, como aqui, o povo deve se perguntar positivo
para quem?
Quem se apropria da
maior fatia, o 1% mais rico ou os demais 99%, ou os 50% mais pobres?
Que entrega real tem
sido dada na saúde, na segurança, na educação?
Há insatisfação com os
partidos da Ordem, com o status quo, com os que caminham pisando em
brasas, sem nitidez, sem demonstrar de que lado estão, que não explicam ao
povo, que têm medo do confronto, não passam credibilidade de que estão lutando
pra valer pelos mais necessitados.
Quem mostra
intimidade, inclusive pública, com a Faria Lima e Wall Street são rejeitados.
Quem vem sinalizando
indignação com o status quo é a ultradireita. Trump lá, Milei
na Argentina e Marçal e Bozo aqui, com vários filhotes refletindo o apelo, como
o eleito em Cuiabá, os candidatos em Fortaleza, Curitiba e Rio de Janeiro.
Não se pode ser
neutro, centrista, levar governo para o centro como apregoam muitos ao lerem os
resultados das recentes eleições municipais no Brasil.
O centro (Simone
Tebet, tucanos, MDB, Kassab, etc.) não tem votos nacionais. Seus representantes
não tiveram candidatos competitivos a presidente nas duas últimas eleições e
tomaram quatro derrotas de Lula e Dilma entre 2002 e 2014.
Ganharam este ano as
eleições municipais, com vitória mais alargada do que antes, pela falta de
nitidez do campo de cá e do governo Lula 3.
O governo Lula 3 é
bom, mas morno, sem vida, vivacidade, sem demonstrar ser o brigador pelas
causas do povo.
Perde-se em temas como
atas das eleições na Venezuela. Manifesta apoio público a um candidato nas
eleições nos EUA.
Não põe em pé o
programa da reindustrialização.
Não melhora
efetivamente a saúde e agora ameaça retirar recursos do SUS, Educação e
Previdência.
Não amplia em padrão
chinês a agricultura para inundar o país de alimentos de qualidade para o povo.
Opta por mais de 400
bilhões no plano safra, 75% para os grandes agroexportadores, que não geram
emprego, retêm no exterior parte do dinheiro das exportações subsidiadas e
fazem oposição cerrada no Congresso.
Tudo pelo
aprisionamento ao centro, ao liberalismo que vem dominando a política
econômica, o que significa a dominar a Política de seu governo.
Ontem (5/11/2024),
Lula adiou decisão sobre cortes. Espero que as eleições nos EUA e as daqui
sirvam de alerta para evitar a sedução de seu ministério pela Faria Lima, pelos
consultados pelo Banco Central para a emissão do Relatório FOCUS para definir
sua política.
É preciso investir,
gastar para dar um salto perceptível na melhora dos serviços públicos, produzir
alimentos, turbinar a ciência e tecnologia, as universidades públicas,
enfrentar o problema da segurança pública na direção do programa apresentado
pelo Ministério da Justiça, que deve ser explicado ao povo dos 27 entes
federados.
Ou seja, às favas com
a guilhotina do pretendido ajuste fiscal.
Investir, gastar para
dar um salto perceptível na melhora dos serviços públicos, produzir alimentos,
turbinar a ciência e tecnologia, as universidades públicas, enfrentar o
problema da segurança pública na direção do programa apresentado pelo
Ministério da Justiça. que deve ser explicado ao povo dos 27 entes federados.
Ou seja, às favas com
a guilhotina do pretendido ajuste fiscal.
Fonte: Viomundo
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