quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Secas severas, inundações e queimadas: o “caos climático” é nosso novo normal?

Nos últimos anos, o mundo tem sofrido com eventos climáticos extremos como grandes secas, inundações catastróficas, ondas de calor, enormes incêndios florestais, maior número de tornados e furacões… Só em 2024, diversos países estão enfrentando grandes problemas em consequência da crescente mudança climática.

Em maio deste ano, o Brasil vivenciou uma das piores tragédias climáticas no estado do Rio Grande do Sul, que teve grande parte de suas cidades tomadas pelas águas de grandes enchentes, gerando destruição e desabrigados.

Em agosto e setembro, o país está vivendo uma situação oposta: de muita seca e incêndios florestais em quase todos os seus biomas, sendo que a seca extrema na Amazônia está fazendo os famosos rios da região (como o rio Madeira) registrarem recordes de baixo volume. Outros países sul-americanos também enfrentam a seca e as queimadas, como Paraguai e Bolívia.

Na Europa, os incêndios florestais na região central de Portugal já deixaram sete mortos. Já na Califórnia (Estados Unidos), o fogo dos incêndios florestais ameaça diversas cidades no norte do estado novamente, em uma situação que piora a cada ano.

Quando Kamie Loeser assumiu o cargo de diretora de conservação de água e recursos no Condado de Butte em outubro de 2021, no norte da Califórnia (Estados Unidos), ela foi imediatamente encarregada de lidar com uma enorme seca.

Porém, no final daquele mês, um “ciclone-bomba” despejou tanta água que o nível da superfície do Lake Oroville subiu 9 metros em uma semana. Partes do norte da Califórnia tiveram a maior precipitação em um único dia já registrada.

“O que vemos ano após ano na Califórnia é: reservatório vazio, reservatório transbordando, reservatório vazio, reservatório cheio, reservatório que está pegando fogo em suas margens, reservatório vazio”, disse Daniel Swain, cientista climático da Universidade da Califórnia Los Angeles e do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica que estuda condições climáticas extremas.

Neste verão californiano de 2024, o incêndio Park Fire irrompeu perto de Chico, a maior cidade do condado de Butte. Crescendo rapidamente para se tornar o quarto maior incêndio florestal da história do estado, o Park Fire queimou cerca de 174 milhões de hectares e reavivou as lembranças do Camp Fire de 2018, que destruiu quase toda a cidade de Paradise. Um incêndio separado, menor, também se acendeu ao longo das margens do Lago Oroville em julho de 2024, pouco depois que o reservatório atingiu sua capacidade total pelo segundo ano consecutivo.

Em menos de três anos no cargo, Loeser lidou com secas, inundações e incêndios em uma sucessão rápida e devastadora. É um padrão que se repete em toda a Califórnia e em todo o mundo, pois a mudança climática intensifica o clima extremo e, cada vez mais, impulsiona a rápida transição de um evento climático extremo para outro.

•        Como a Califórnia se tornou a terra dos extremos

Esse fenômeno, que os cientistas chamam de caos climático ou meteorológico, é desencadeado pelos gases de efeito estufa emitidos pela queima de combustíveis fósseis, que aquecem a atmosfera. O ar quente pode reter mais vapor de água do que o ar frio, de modo que a atmosfera fica mais sedenta no clima quente, sugando a umidade extra do solo.

A vegetação seca é deixada para trás, pronta para queimar se houver um incêndio florestal. Toda essa evaporação também significa que quando chove, chove muito, aumentando o risco de grandes enchentes e deslizamentos de terra mortais. Ao mesmo tempo, essas chuvas podem acelerar o crescimento das plantas, deixando mais combustível para queimar quando o calor extremo voltar a secar a paisagem.

“O pior clima para incêndios florestais não é aquele que fica perenemente mais seco”, disse Swain. “Se você alternar entre ficar mais úmido e mais seco, ao mesmo tempo em que fica mais quente, você terá água suficiente no sistema pelo menos a cada poucos anos para regenerar tudo e depois queimá-lo novamente.”

Os incêndios florestais recentes na Califórnia seguiram em grande parte esse padrão. Depois de anos recordes de incêndios em meio a uma seca intensa em 2020 e 2021, as condições úmidas trouxeram temporadas de incêndios amenas em 2022 e 2023. O Park Fire, juntamente com vários incêndios perto de Los Angeles, destruiu as esperanças de outro ano calmo em 2024.

Os incêndios florestais também aumentam o risco de deslizamentos de terra e inundações após sua passagem. A vegetação queimada tem uma capacidade reduzida de manter o solo no lugar ou absorver água, e as cinzas que cobrem uma zona queimada permitem que a água deslize ladeira abaixo sem afundar na terra.

“Não há árvores ou vegetação para diminuir o escoamento, e há um aumento de sedimentos”, afirma Loeser. “Como resultado, temos um aumento nas inundações após incêndios florestais.”

Esse “efeito ioiô” tem encharcado e ressecado a Califórnia repetidamente nos últimos anos. Chuvas torrenciais inundaram o estado em dezembro de 2021, seguidas imediatamente pelos meses mais secos em mais de 100 anos. O inverno seguinte trouxe fortes precipitações e, em abril de 2023, o volume de neve em todo o estado aumentou para 237% da média.

Essas rápidas transições entre eventos climáticos extremos não se limitam à Califórnia. O sudeste do Texas, também nos Estados Unidos, foi atingido neste verão pelo furacão Beryl, seguido imediatamente por uma forte onda de calor. Nove das 22 mortes atribuídas ao Beryl no Condado de Harris, que inclui Houston, estavam ligadas a uma forte onda de calor – os danos causados pela tempestade deixaram mais de um milhão de residentes sem eletricidade, de acordo com o Departamento de Saúde e Serviços Humanos local.

•        O clima extremo persiste em qualquer estação

Os cientistas esperam que as temperaturas mais altas façam com que mais precipitação de inverno caia como chuva em vez de neve. Frances Davenport, pesquisadora da Universidade Estadual do Colorado, que estuda precipitações extremas, disse que mais chuvas no inverno, a estação úmida da Califórnia, podem se traduzir em mais enchentes.

“A neve é como um reservatório anual que libera água durante o verão, quando há maior demanda de água, mas não estamos recebendo chuva”, disse Davenport, autora de um estudo de 2019 sobre a relação entre o tamanho da inundação e a neve ou chuva no oeste dos Estados Unidos.

Segundo ela, mais chuvas no inverno significam que não apenas o verão é mais seco devido à menor quantidade de neve, mas também que mais água fluirá diretamente para os córregos e rios, aumentando as chances de transbordar de suas margens.

O estado da Califórnia sempre foi uma terra de extremos, disse Diana Zamora-Reyes, cientista do U.S. Geological Survey que estuda a água e as mudanças climáticas na Califórnia. A diferença agora, segundo ela, é que o estado está oscilando “de clima extremo para mais extremo, e não há mais meio termo”.

Pesquisas descobriram que a precipitação média anual da Califórnia pode permanecer praticamente a mesma à medida que o planeta se aquece, mas que a mudança climática já está fazendo com que a precipitação caia em rajadas mais curtas e mais intensas, com períodos de seca mais longos.

A intensidade das chuvas recentes forçou um ajuste de contas entre as autoridades ambientais do estado.

“Nós nos acostumamos a pensar que precisamos nos preparar para o pior cenário possível em circunstâncias de seca”, afirmou Yana Garcia, secretária de proteção ambiental da Califórnia. “Esses eventos de inundação alteraram a forma como pensávamos sobre como seria nosso futuro.”

•        Uma ameaça múltipla

Há também consequências surpreendentes para a saúde pública do efeito “chicote climático” ou “iô-iô”. A febre do vale, uma doença fúngica potencialmente mortal que vive no solo e se espalha na poeira, prospera em meio a oscilações extremas de chuva e seca.

A doença, antes confinada ao Arizona e ao baixo Vale de San Joaquin, na Califórnia, tem se espalhado pelo oeste norte-americano, em grande parte devido, segundo os cientistas, às mudanças climáticas.

Jennifer Head, epidemiologista da Universidade de Michigan que estuda a febre do vale, disse que as transições cada vez mais dramáticas entre extremos úmidos e secos aumentam o risco de infecção.

“A concentração da precipitação em períodos específicos – invernos mais úmidos e verões mais secos – é a condição principal para a disseminação da febre do vale”, disse Head. “Dar a ela mais umidade durante o período de crescimento e mais secura durante o período de transmissão pode melhorar esses dois processos.”

A Califórnia registrou um recorde de 9280 casos de febre do vale em 2023, de acordo com o departamento de saúde do estado, um aumento de quase 300% em relação a 2014. E as autoridades relataram mais de 5 mil casos preliminares até o primeiro semestre deste ano, colocando o estado no caminho certo para outro recorde.

No Condado de Butte, Loeser precisa lidar com todas essas ameaças diariamente e, ao mesmo tempo, garantir que sempre haja água suficiente para beber, cultivar e se divertir. Em meio ao clima volátil de hoje, ela também está se preparando para um futuro em que os extremos de chuva e seca se tornem ainda mais intensos.

 

Fonte: National Geographic Brasil

 

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