Setembro amarelo: é possível ter saúde
mental em um planeta doente?
Imagine que, em poucas
horas, uma enxurrada arrasta tudo ao seu redor: seu carro, casa, os móveis
talvez nem quitados, o cachorro, familiares. Tudo some, de repente. Imagine
também que nada disso aconteça com você, mas tal história é repetida na TV, mês
sim, mês não, semana sim, semana não. A angústia que você deve ter sentido ao
imaginar tais cenários pode ser chamada de “ecoansiedade” ou “ansiedade
climática”.
Com o aumento de
eventos climáticos extremos, o termo tem se popularizado para descrever o
efeito das tragédias ambientais sobre a saúde mental. A ecoansiedade já consta
em dicionários e foi incorporada como conceito pela Associação Americana de
Psicologia em 2007, que aponta que 25% a 50% das pessoas expostas a um desastre
climático têm risco de desenvolver problemas de saúde mental.
O aumento da
temperatura é apenas uma dimensão da crise climática. Outros efeitos causam
disrupturas no equilíbrio ecológico, como elevação do nível do mar, chuvas e
secas mais fortes e prolongadas, furacões e incêndios florestais. Essas
alterações podem gerar insegurança hídrica e alimentar, desintegração
comunitária e conflito, destaca artigo da Nature.
Vivenciar os efeitos
das mudanças climáticas, ou até mesmo a conscientização sobre sua existência e
ameaça, pode levar a um quadro de medo crônico, transtorno de estresse
pós-traumático, ansiedade, depressão, abuso de substâncias, insônia, entre
outras patologias.
Um estudo de 2018
sobre suicídio nos Estados Unidos e México avaliou dados ao longo de duas
décadas e mostrou que as taxas aumentaram 0,7% nos Estados Unidos e 2,1% no
México com o aumento de 1ºC na temperatura mensal. Já uma dissertação de
mestrado da FGV (Fundação Getúlio Vargas) verificou que o adicional de um dia
excepcionalmente quente por mês aumenta a frequência de tiroteios relacionados
à polícia em 7,75% na cidade do Rio de Janeiro.
Uma pesquisa publicada
pela revista científica The Lancet, em 2021, entrevistou 10 mil pessoas de 16 a
25 anos em 10 países, incluindo o Brasil, e concluiu que a maioria (60%) dos
jovens estão muito preocupados com a crise climática e que 45% sentem que tal
sentimento afeta suas vidas diárias.
Em 2022, um estudo
identificou ecoansiedade em estudantes das áreas de biologia de seis
universidades brasileiras: as universidades federais de Santa Catarina (UFSC),
de São Carlos (UFSCar), Pernambuco (UFPE), Juiz de Fora (UFJF), Piauí (UFPI) e
a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF).
“A maioria dos
entrevistados considerou sua saúde mental recente como ruim, e afirmou que os
problemas ambientais a afetam em algum grau. A maioria dos entrevistados disse
que estudar e entender os problemas ambientais piorou sua saúde mental. No
entanto, apesar do pessimismo geral, muitos entrevistados ainda se sentiam
otimistas em trabalhar como biólogos e a maioria estava animada para buscar
soluções para os problemas ambientais”, conclui o estudo.
Com a tragédia das
fortes chuvas no Rio Grande do Sul em 2024, o tema da saúde mental foi destaque
não só para os atingidos, mas para profissionais e voluntários que ajudam as
vítimas. “O que está acontecendo agora vai repercutir em uma geração de jovens
que estão sendo submetidos a perdas traumáticas de entes queridos, à perda de
bens e ao dano ecológico”, afirmou o psiquiatra Jorge Jaber à Agência Brasil.
Para viver plenamente
sua saúde, é necessário segurança ambiental. Ainda de acordo com o psiquiatra,
estima-se que, em um evento como o vivenciado no Sul do país, a população
demore de cinco a dez anos para começar a se estabilizar, do ponto de vista da saúde
mental.
• Existe saída para a ecoansiedade?
Como tratar um mal
estar que acomete as pessoas emocionalmente, mas provém de uma situação global?
É possível tratar os sintomas da ecoansiedade, mas não exatamente sua causa.
Tendo em consideração tais desafios, os profissionais da saúde têm buscado saídas,
por exemplo, criando um curso para acolhimento em saúde mental às vítimas das
enchentes.
Pesquisadores também
estão tentando desenvolver indicadores globais de saúde mental que podem ser
vinculados a dados meteorológicos e climáticos, informa a Nature. A
subnotificação em países subdesenvolvidos também preocupa a categoria, tendo em
vista que o atendimento à saúde mental na maioria dos países é chocantemente
insuficiente – metade da população global vive em nações com uma média de um
psiquiatra para cada 200 mil pessoas.
Como a pesquisadora e
ativista climática Jennifer Uchendu pontua, “a mudança climática exacerba
situações econômicas já existentes, onde são as pessoas mais pobres que estão
se sentindo ainda pior”.
Já sabemos o que
precisa ser feito. Em suma: ações coletivas e governamentais para chegar ao
desmatamento zero, acelerar a transição energética, descarbonizar
setores-chaves da economia, demarcar territórios tradicionais indígenas e
quilombolas, reestruturar os órgãos e leis ambientais, fortalecer fiscalização
e punição de crimes ambientais. Todas essas ações são cabíveis ao governo
brasileiro, como indica a proposta de NDC (Contribuição Nacionalmente
Determinada, sigla em Inglês) do Observatório do Clima.
O auxílio de
profissionais, assim como a participação em coletivos sociais e de Justiça
Climática, podem reduzir os efeitos da ecoansiedade. Mas é importante lembrar:
ela não é considerada uma doença mental e sim um problema coletivo. E, como
tal, sua solução reside no enfrentamento às mudanças climáticas.
Fonte: ClimaInfo
Nenhum comentário:
Postar um comentário