Pais podem escolher os amigos dos filhos?
Entenda os riscos de interferir nas relações das crianças
Quando Pedro*, de 10
anos, estava começando uma amizade com Gabriel*, seu colega de classe, a
carioca Marcela*, mãe de Pedro, ficou preocupada com alguns comportamentos
exibidos pelo amigo. Depois de um tempo, ao concluir que o menino poderia ser
uma má-influência para o filho, ela decidiu interferir para a amizade entre
eles não avançar.
Eu falei para o Pedro
que eles poderiam ser amigos, mas ele não iria dormir na casa do Gabriel. Ele
seria convidado para as festas porque todos os colegas também seriam, mas não
iriam brincar lá em casa sozinhos. Tentei ser discreta, porque não queria excluir
o garoto do convívio, mas também não queria estimular uma aproximação.
— Marcela, mãe de
Pedro.
Marcela conta que que
tomou a decisão após notar que Gabriel era desrespeitoso com professores e
outros adultos, falava palavrões, e recebia um tipo de educação diferente da
que ela oferece para os próprios filhos.
Gabriel e Pedro
continuaram como colegas de escola, mas deixaram de conviver fora do horário
escolar, o que causou um afastamento entre eles. A mãe acha que tomou a decisão
acertada e diz que quer continuar a orientar os três filhos sobre o tipo de
pessoa que eles devem ter por perto — mas o tema é polêmico.
Segundo um estudo
publicado em julho no periódico internacional "Jornal de Psicologia e
Psiquiatria Infantil", a desaprovação materna de uma amizade pode ter um
efeito contrário, aumentando a rejeição da criança cuja mãe desaprova a amizade
entre os colegas, e piorando os problemas de comportamento da criança e dos
colegas. (Veja mais abaixo.)
Entretanto, uma
especialista ouvida pelo g1 diz que essas consequências podem ser evitadas.
Abaixo, veja a orientação da especialista sobre como os pais devem agir em
relação às amizades dos filhos, evitando prejuízos de relacionamento para a
criança.
<><> Os
pais devem interferir na amizade dos filhos?
Segundo a psicóloga
especializada em atendimentos familiares Joanna Carvalho, as amizades têm uma
grande influência no processo de formação de personalidade de crianças e
adolescentes.
Por isso, ela avalia
que os pais podem e devem interferir em relações que ofereçam riscos aos
filhos, desde que a decisão seja acompanhada de diálogos com a criança.
Não é que os pais
devam interferir em toda e qualquer amizade da criança, escolhendo quem pode e
quem não pode ser amigo do filho. Afinal, a criança precisa ter autonomia para
descobrir quem ele quer ter por perto. Mas se um dos amiguinhos é alguém que
grita com os pais, que não obedece e faz birra para conseguir o que quer, e
isso é algo que o pai e a mãe consideram preocupante, então vale aconselhar a
criança e estimular um afastamento.
— Joanna Carvalho,
especialista em psicologia da família.
Os pais preocupados
não devem excluir o colega, proibir a amizade ou forçar um afastamento. Em vez
disso, devem conversar com o filho e explicar suas preocupações de uma maneira
que a criança entenda.
“Não é para
simplesmente anunciar para a criança: ‘A partir de hoje, você não vai mais ser
amiga do Fulaninho.’ Em vez disso, explique que o Fulaninho teve um
comportamento inadequado, que a atitude dele não foi legal, e que, por isso,
eles não vão mais poder brincar na casa um do outro”, orienta Joanna Carvalho.
Também por isso, é
importante que a motivação dos pais seja válida para a criança, e não seja
apenas justificada como uma decisão com base na preferência dos adultos.
“Por natureza, as
crianças são questionadoras e observadoras. Se a mãe explica que o colega agiu
de uma maneira ruim, é provável que o filho vai ficar mais atento a isso no
futuro, o que pode causar um afastamento natural entre as crianças.”
Segundo Marcela, foi
exatamente isso que aconteceu entre Pedro e Gabriel.
“Em um primeiro
momento, o Pedro ficou chateado, achou injusto. Mas depois ele chegou a me
dizer que eu tinha razão, porque o colega foi desrespeitoso em uma situação.
Então, eles continuam amigos, mas teve um afastamento”, lembra ela.
<><> Como
conversar com os filhos sobre as amizades?
Ao decidir intervir em
uma amizade do filho, os pais devem propor uma conversa franca com a criança,
mas não a ponto de serem insensíveis ou sem considerar os dois lados daquela
amizade.
Se chegar ao ponto de
precisar conversar com seu filho sobre algum amiguinho, seja sincero com a
criança, mas não use termos pesados ou desnecessários. [O pai ou a mãe] Só
precisa fazer a criança entender que algo te incomoda naquela relação e que ela
não pode ser positiva.
— Joanna Carvalho,
especialista em psicologia da família.
Uma alternativa é
fazer a própria criança chegar a uma conclusão. A especialista sugere o
seguinte:
• Pergunte para seu filho o tipo de amigo
que ele quer ser e que quer ter para si. A partir das qualidades que ele
enumerar, pergunte se o amigo possui essas características.
• Ou ainda, pergunte para a criança o que
ela gosta e o que ela não gosta no amiguinho. A partir disso, proponha uma
reflexão sobre se essa amizade deve ou não continuar.
“É importante não
falar as coisas de uma maneira impensada, porque a criança pode reproduzir esse
discurso e causar uma situação de mal-estar. Apele para a racionalidade da
criança e estimule o pensamento crítico”, indica a especialista.
<><> Quais
os riscos e benefícios da interferência dos pais?
Assim como outras
intervenções dos pais na vida cotidiana dos filhos, a interferência nas
amizades traz riscos positivos e negativos.
No estudo que avaliou
o impacto negativo da interferência de mães na amizade dos filhos, a conclusão
é de que as crianças podem ser prejudicadas pela ação das mães. O estudo em
questão não considerou possíveis impactos positivos.
Brett Laursen,
professor de psicologia e diretor de pós-graduação na Florida Atlantic
University e um dos autores da pesquisa, explica que o objetivo não é culpar as
mães, mas estimular o reconhecimento dos problemas que a atitude pode causar.
Ele propõe a seguinte
reflexão:
• Imagine que um pai tem sucesso em acabar
com uma amizade do filho. O que vem a seguir?
• É provável que a criança fique chateada,
culpando os pais, o que prejudica os sentimentos de proximidade e apoio entre
os pais e a criança, ameaçando qualquer esperança que os pais tenham de
influenciar positivamente a criança (porque, como regra, as pessoas mais
influentes em nossas vidas são aqueles de quem estamos próximos).
• Agora a criança precisa de um novo
amigo.
• Quem quer ser amigo de alguém cujos pais
se intrometem nas amizades, que tem problemas de conduta e que não é querido
pelos outros membros do grupo?
• Resposta: Apenas colegas com problemas
semelhantes. Portanto, a criança não fez uma troca positiva e é provável que
tenha uma troca negativamente em termos de problemas apresentados pelos
colegas.
• Ou, pior ainda, a criança não consegue
encontrar um novo amigo. Não ter amigos no ensino médio é uma receita para
todos os tipos de infelicidade – ninguém deveria desejar isso para seus filhos.
Em contrapartida,
Joanna Carvalho diz que “outros estudos comportamentais indicam que a criança
cujos pais são mais atentos às amizades e referências dos filhos têm menor
propensão a sofrer com exclusão e problemas de socialização”.
“No final das contas,
trata-se de como e por quê a interferência acontece. Porque o filho não pode
ser tratado como um objeto de posse dos pais, e nem os amigos devem ser
tratados como acessórios removíveis. Mas assim como os adultos se afastam de
pessoas que consideram uma má influência por assim dizer, as crianças também
devem ser orientadas a identificar esses traços em outras crianças”, diz a
psicóloga.
“Como pais, temos o
dever de orientar, mas não podemos decidir [sobre as relações dos filhos]. Eu
não tenho a ilusão de que eu vou conseguir escolher os amigos [dos meus
filhos]. A decisão acaba sendo deles. Mas enquanto eu puder dar uma orientação
para eles, vou fazer isso", conclui Marcela.
*Os nomes das pessoas
envolvidas foram alterados para evitar a identificação.
Fonte: g1
Nenhum comentário:
Postar um comentário