sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Marco Piva: ‘Eleição em São Paulo vira lamaçal’

O surgimento das redes sociais criou um novo tipo de comportamento na sociedade. Como diria Norberto Bobbio, é a chance para uma legião de idiotas se manifestar e vomitar todos os seus traumas e preconceitos sem o mínimo compromisso com a responsabilidade. Daí a necessidade, mais do que urgente, de haver uma regulamentação para esse verdadeiro ataque cibernético que semeia ódio e atrai o que é de pior do ser humano. Países europeus já se movimentam para dar um basta a esse modo de promoção da barbárie. O presidente Lula, em discurso de abertura da Assembleia Anual da ONU, chamou a atenção para essa necessidade, obtendo o apoio inclusive de Bill Gates.

O resultado da incivilidade digital mostra toda as suas garras na atual campanha eleitoral para a prefeitura de São Paulo. Ao entrar na corrida sem tempo algum de rádio e TV, o candidato Pablo Marçal lançou mão daquilo que lhe rendeu dinheiro na vida profissional: enganar otários.

Mas, não poderia fazer isso sem usar estrategicamente o sentimento que vigora em boa parte da população: se apresentar como um combatente do sistema que está aí. E a qual sistema ele se refere exatamente? A uma indignação difusa de que tudo que vem da política está manchado de sujeira. A isso ele agrega uma verborragia ilimitada de insultos e agressões contra tudo e contra todos. Não é à toa que boa parte do eleitorado que admira Jair Bolsonaro vê em Marçal o “Mito 2.0”, um robocop avançado da mediocridade.

A cadeirada de José Luiz Datena em Pablo Marçal foi consequência natural de uma trama pensada, assim como o soco de um assessor do “M” no marqueteiro de Ricardo Nunes. A ideia é essa mesma: aproveita-se o sentimento de indignação contra o sistema político – validado pelos próprios eleitores, registre-se – para expor de forma grosseira e torpe uma suposta alternativa para “arrumar a casa”.

Ora, uma eleição exige dois bons ingredientes: candidato e programa. Se haverá cumprimento ou não das promessas do vencedor, é outra história que, aliás, contribui para aumentar a desconfiança na política. Porém, o que Pablo Marçal apresenta é apenas um amontoado de frases construídas para saciar o apetite do mais baixo senso comum.

Diante disso, os demais candidatos demoraram a perceber como enfrentar a voz dissonante da disputa. E que ninguém se engane. O objetivo era “chacraniano”, ou seja, “eu não vim para explicar, eu vim para confundir”.

Ao fazer isso e deixar os demais candidatos atônitos, Marçal surfou na onda do sucesso, aproveitando, inclusive, para vender mais de seus produtos. O problema é que não ficou somente nisso. Ao baixar o nível do debate de forma intencional, acabou levando a eleição para o ringue e até mesmo para a esfera criminal produzindo a sensação de que “todos os candidatos são iguais”.

Agora, na eleição, caberá ao cidadão saber distinguir entre a farsa e a verdade. De qualquer maneira, o estrago está feito.

 

•        Do Macunaíma, Pedro Malasartes ao Coach: A malandragem que se reinventa. Por Josué de Souza

Escrevo esta crônica a pouco menos de duas semanas do pleito municipal de 2024. Desde o início da pré-campanha, porém, o assunto nas editorias de política não tem sido outro: o "surgimento e ascensão" do coach Pablo Marçal em São Paulo. Independentemente do resultado das urnas, a eleição já carrega consigo um tema central: o "fenômeno Marçal".

Seu sucesso não se deve apenas aos bons números que sua candidatura para prefeito da maior cidade da América Latina exibe nas pesquisas. Ele também é alimentado por métodos pouco ortodoxos, que flertam com a ilegalidade, a violência e a quebra das regras sociais estabelecidas. A própria fortuna pessoal declarada por Marçal se tornou uma fonte constante de questionamentos sobre sua origem, gerando inquietação na imprensa e entre adversários políticos.

No alarido dos especialistas, que se apressam em tentar explicar o fenômeno, disputam-se conceitos e nomenclaturas que tentam dar conta do inexplicável. Como em um supermercado, há teorias para todos os gostos: “infoproduto”, "marçalização da política", "política do tiktoker", "política de cortes", "neobolsonarismo", “voto ideológico de direita”, entre outras.

Nesta algazarra de explicações, destacam-se dois grupos: os “tecnólatras”, que demonstram uma intensa admiração, ou dependência, da tecnologia. Para eles, o coach, ou ex-coach, inaugurou uma nova forma de fazer política, agora restrita ao meio digital. De outro lado, estão os "ludistas", que defendem a regulação dos meios digitais e atribuem o aparente sucesso de Marçal ao uso indiscriminado dessas tecnologias e ao mundo sem regras em que ele se movimenta.

Contribuindo para o falatório, vou propor aqui mais uma explicação. Sem pretensões definitórias ou convicções ortodoxas, mas apenas como quem observa o cenário com curiosidade. Marçal é, simplesmente, ou quem sabe também, mais um Pedro Malasartes. Aquele típico personagem da cultura popular que, com astúcia e lábia, percorre os caminhos da vida enganando uns, seduzindo outros, sempre escapando das armadilhas que ele próprio parece criar.

No Brasil, a figura do malandro é um arquétipo recorrente tanto na literatura quanto na sociologia. A começar por Macunaíma, o "herói sem nenhum caráter" de Mário de Andrade, que transita entre a esperteza e a preguiça, adaptando-se aos percalços do mundo com criatividade e descompromisso. Temos também Leonardo, de Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, o malandro carioca que sobrevive às avessas da sociedade do Império, sempre se esquivando das normas.

Roberto DaMatta aponta que Pedro Malasartes é o paradigma do malandro, “frequentemente vestido com sua camisa listrada, anel com esfinge de São Jorge e sapato de duas cores, em sua caracterização urbana” (DaMatta, 1997). Malasartes, na interpretação do antropólogo brasileiro, é o arquétipo do indivíduo que, resignado com sua posição na estrutura social, utiliza as regras, ou a falta delas, para ascensão social e vingança contra aqueles que o desprezam.

Marçal é o malandro contemporâneo. Mesmo que seus crimes e deslizes sejam escancarados pela imprensa e pelos adversários, seu eleitor se identifica com ele e sua trajetória. Percebeu que, por aqui, as regras não valem para todos. É o "homem cordial", com traços ambíguos, que, com simpatia e astúcia, sobrevive nos bastidores das relações sociais. Todos, em maior ou menor grau, são expressões dessa malandragem.

Ele encontra maneiras de navegar pelas complexidades do nosso tempo, reinventando o jogo à medida que avança. Não usa camisa listrada; veste roupa de operador da Faria Lima, com linguajar de pastor neopentecostal, exibindo elementos da sociedade de consumo e do mundo fitness. No caminho, enrola incautos e manés.

 

•        Marçal fez sinal para capanga atacar. Por Eduardo Guimarães

A sede de audiência da mídia e a sonolência da Justiça Eleitoral pós-Alexandre de Moraes deram a Pablo Marçal estatura que jamais teria se as redes de TV e o TSE, mais do que o TRE-SP, tivessem tido um mínimo de capacidade de detectar riscos inaceitáveis.

A eleição paulistana envergonha os munícipes de uma cidade cujo cosmopolitismo chegou a iluminar o Brasil um dia e que, hoje, a coloca abaixo do nível de civilidade e de responsabilidade política dos mais longinquos grotões.

Amigo nordestino ponderou comigo, com propriedade, que se algo como a cadeirada, os sopros de farinha e a agressão covarde de um capanga ocorresse no Nodeste, a região estaria sendo chamada inteirinha de "selvagem" e "atrasada".

Na terça-feira, finalmente a Justiça Eleitoral deu sinal de vida e a nova presidente do mesmo Tribunal que, em 2022, cassou celeremente a elegibilidade de Jair Bolsonaro, mandou a Polícia Federal se mexer.

Que falta nos faz o Xandão...

Todavia, há assuntos mais prementes a  requerer nossa atenção. Assuntos que podem fazer a eleição municipal de 2024 terminar em tragédia histórica.

A ministr Cármen Lúcia só pediu que as autoridades judiciárias e policiais tomem providências contra as violências retóricas e físicas marsalescas e datenescas após se tornar previsível que, nesssa toada, debates acabarão terminando em tiroteios entre os exércitos de "seguranças" dos candidatos. Estamos à beira do abismo.

Falando em seguranças e/ou capangas, vale notar que o vídeo da agressão covarde contra o ex-marqueteiro de Bolsonaro Duda Lima, hoje trabalhando para o prefeito, revela que tudo que aconteceu no Clube Sírio Libanês, durante o debate do Grupo Flow, foi arquitetado.

Marçal chegou agressivo ao local do debate, bateu boca com Nunes já na entrada, fez ataques e ameaças aos concorrentes no "esquenta" do evento, portou-se tranquilamente ao longo de 99% do tempo e, ao fim, faltando segundos para concluir suas considerações finais, passou a desrespeitar as regras acordadas e a debochar do mediador, Carlos Tramontina.

Após ser expulso do debate, enquanto deixava o púlpito fez um sinal com a cabeça tão evidente que a pessoa que filmou a agressão que se seguiria desviou o foco da câmera desde o gesto de Marçal até o do capanga enquanto este desferia golpe tão violênto que produziu um baque surdo.

Agora, a pergunta que não quer calar: se Pablo Marçal foi capaz de organizar o que poderira ter terminado em um confronto generalizado entre os seus capangas e os de Ricardo Nunes, o que esse energúmeno não está arquitetando para pôr em prática no dia da eleição?

Após deixar o debate, Marçal fez uma live incitando a população a cometer atos de violência "no primeiro turno". Será que a sonolenta Justiça Eleitoral e a Polícia vão esperar isso acontecer para colocarem o ex-coach em prisão preventiva até o fim da eleição?

 

•        Fascista quer sempre ganhar na porrada. Por Alex Solnik

Estamos vivendo um lamentável momento histórico, nasce um fascista nas nossas barbas, sem que a maioria dos políticos e dos jornalistas de política perceba, sem que os veículos de comunicação, sempre zelosos defensores da democracia, impeçam que ele ocupe espaços nos quais invariavelmente achincalha os valores democráticos e o mais impressionante é que ele não esconde seus métodos, usa e abusa da sordidez, da calúnia, da injúria, do baixo calão, do desrespeito às regras, da mentira, sem provocar o repúdio e a aversão que merece.

A campanha hostil contra todos os demais candidatos, explícita desde o início e cada vez mais truculenta, nos remete imediatamente às cenas de violência dos integralistas nas ruas do Rio de Janeiro nos anos 30, inspiradas nos fascistas de Mussolini dos anos 20, e é fato que Marçal já tem uma milícia digital nas redes sociais, que reproduz para milhões de pessoas as aleivosias que ele lança contra todos, e, como vimos no último debate, tem uma robusta equipe de seguranças própria, treinada para provocar tumulto, outra marca fascista, com a intenção de desestabilizar ou tirar os candidatos da disputa, assustar, ganhar na porrada, seja o debate, seja a pesquisa, seja a eleição.

Convidar para debate propositivo alguém que não quer debater e sim impor as suas ideias, goela abaixo, na porrada, não é homenagear o estado democrático de direito e sim aviltá-lo, é transformar o momento do voto, que diferencia uma democracia de uma ditadura num espetáculo deprimente e repulsivo. “Se a democracia é esse lixo, melhor a ditadura” poderão pensar alguns.

Alguns pontos que o caracterizam como fascista:

1. ele não respeita partidos, pretende governar sem eles, o que lembra o Estado Novo de Getúlio Vargas;

2. atua apoiado por um bando de seguidores que reproduzem seus ataques nas redes sociais e nas ruas, já tem milícias de fanáticos e prega, em seus cursos, que o homem tem que ser violento;

3. despreza a imprensa;

4. o dia da eleição, para ele, não é o dia da democracia, mas o dia da vingança;

5. seu ídolo político é Bukele, o ditador sanguinário de El Salvador.

Marçal não é apenas bolsonarista, como pensam alguns, ele está quilômetros à direita de Bolsonaro, São Paulo é um trampolim para Brasília e, se chegar lá, é para ficar não pelo tempo regulamentar (ele respeita alguma regra?) e sim até exterminar o “consórcio comunista” de que tanto fala.

Na base da porrada.

Quem faz campanha na base da porrada, governa na base da porrada.

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil 247

 

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