Climômetro: candidatos dizem que vão
priorizar clima, mas metade não tem propostas claras
No ano em que a
emergência climática deixou marcas profundas no Brasil – das enchentes
históricas no Rio Grande do Sul à maior seca que o país já enfrentou, com as
queimadas devastando nossos biomas –, candidatos às prefeituras das capitais
dizem que vão priorizar a pauta climática, mas planos de governo ainda não
refletem essa visão.
É o que aponta um
levantamento que cruza respostas enviadas pelos candidatos ao Climômetro – uma
iniciativa da Agência Pública que busca analisar o posicionamento deles em
relação às mudanças climáticas – com o que eles apresentam em suas propostas de
governo.
Em parceria com a
Universidade Anhembi Morumbi e as universidades federais de Maranhão, Mato
Grosso do Sul, Minas Gerais e Pernambuco, procuramos os cinco concorrentes com
maior intenção de voto nas 26 capitais com disputa eleitoral neste ano,
totalizando 127 candidatos – nem todas as cidades possuem cinco postulantes.
Até a publicação da
reportagem, 52 candidatos de 21 capitais haviam respondido a um formulário
composto por cinco perguntas que medem o compromisso com a pauta climática.
Nenhum candidato de Rio Branco (AC), Teresina (PI), Palmas (TO), Porto Velho
(RO) e Boa Vista (RR) respondeu até o momento. As respostas são de concorrentes
de 17 diferentes partidos, de diferentes campos ideológicos. Confira aqui a
página do Climômetro e veja as respostas de cada candidato.
A maioria (94%) diz
estar totalmente comprometida em priorizar ações de combate às mudanças
climáticas na gestão municipal e 92% concordam plenamente que o problema já
impacta a população das suas cidades. 79% concordam totalmente com a existência
das mudanças climáticas e sua causa humana, enquanto dez candidatos (19% do
total) concordam apenas parcialmente.
Dos 52 planos, seis
não abordam as mudanças climáticas e outros seis falam do tema
superficialmente, sem apresentar propostas ou medidas relacionadas ao meio
ambiente. Treze mencionam a emergência climática, mas sem trazer propostas ou
medidas com detalhamento. Seis dos candidatos apresentam propostas que incidem
no tema, ainda que sem relacioná-las com as mudanças climáticas diretamente. E
apenas 21 de fato falam da crise climática e propõem medidas detalhadas para
enfrentá-la.
<><> Por
que isso importa?
• O Climômetro é um levantamento inédito
que perguntou aos candidatos a prefeito das capitais se concordam ou não com
diversas afirmações sobre as mudanças climáticas e seus impactos nos municípios
que querem governar.
Especialistas em
política climática consultados pela Pública para comentar o levantamento
afirmam ver uma evolução dessa agenda entre os candidatos, mas ainda com pouca
concretude.
O fato de a maioria
dos participantes do levantamento ter dito que pretende priorizar ações para
combater as mudanças climáticas caso eleitos chamou atenção de Fabro Steibel,
diretor-executivo do Instituto de Tecnologia Social (ITS), organização que coordenou
nos últimos três anos pesquisas nacionais sobre a preocupação do brasileiro com
o meio ambiente e as mudanças climáticas.
“Isso mostra que os
negacionistas são minoria. Se os candidatos [responderam isso] porque não
querem ficar mal perante a opinião pública [não dá para saber]. Mas é um tema
que está na cabeça das pessoas”, diz. O resultado que apareceu no levantamento
da Pública é similar ao levantamento feito com a população. “Mas traduzir isso
em práticas eficientes talvez seja o próximo desafio”, pondera.
“É importante que as
medidas estejam especificadas, para avaliar se elas são abrangentes e se vão
enfrentar realmente a crise climática. Porque deixar exposto de maneira
abstrata e genérica não torna possível que os eleitores cobrem as promessas de
campanha”, complementa Rodrigo Iacovini, doutor em planejamento urbano e
diretor do Instituto Pólis. “Nomear propostas que estão no programa de governo
como medidas de enfrentamento à crise climática é uma questão de
sobrevivência”, avalia.
Para Iacovini, um dos
motivos que podem levar muitos candidatos a não aprofundar propostas climáticas
nos programas de governo é justamente a cobrança da população. “Muitas vezes,
os candidatos fazem promessas que ficam apenas na palavra, sendo que um dos
melhores métodos de verificação do que de fato os prefeitos podem ser cobrados
[durante os mandatos] é observar o que consta nos seus programas de governo.
Embora os candidatos tragam no seu discurso que vão tratar o enfrentamento da
crise climática como prioridade, muitos deles deixam de colocar em seu programa
ações efetivas e medidas concretas previstas, por receio de depois serem
cobrados por isso.”
Beatriz Pagy,
diretora-executiva do Clima de Eleição, organização de advocacy que vem
monitorando como políticos abordam a emergência climática desde as eleições de
2020, ressalta que o nível de reconhecimento das mudanças climáticas pelos
candidatos vem crescendo nos últimos anos, mas são poucos os que realmente
levam a pauta como uma bandeira de campanha.
Ela sugere que se
observe não apenas o que os concorrentes estão prometendo, mas também o
posicionamento do partido e o histórico de votações em pautas climáticas do
candidato e de sua legenda.
“Não basta a gente só
esperar que as pessoas eleitas vão ter essa proatividade [de executar políticas
climáticas]. Acho que tem que ter realmente uma transformação da forma em que
acontece a participação social. Que precisa se dar no dia a dia da política,
não só no momento de ir às urnas”, aponta.
O Clima de Eleição é
um dos responsáveis pela plataforma Vote pelo Clima, que reúne candidaturas
alinhadas à pauta climática, tanto para as prefeituras quanto para as câmaras
municipais.
Iacovini acrescenta
que o registro de propostas climáticas nos planos de governo não garante o
cumprimento das medidas. Segundo o diretor do Instituto Pólis, hoje, qualquer
compromisso político minimamente sério deve abordar o contexto das mudanças
climáticas e ações para enfrentá-las. “No entanto, o que a gente sempre vê em
campanhas eleitorais é que a promessa é muito maior do que o cobertor, os
candidatos geralmente prometem mais do que conseguem cumprir”, afirma.
“Existem algumas
abordagens [dos candidatos] que são superficiais e que tratam o enfrentamento
da mudança climática como algo que medidas isoladas darão conta. O problema é
muito mais complexo do que vários dos candidatos colocam”, avalia Iacovini.
• Candidatos do Novo são os que menos
falam de mudanças climáticas
Entre os 52 planos de
governo analisados pela Pública, os dos candidatos do Partido Novo são os que
menos abordam a questão das mudanças climáticas. Dos quatro representantes do
partido que responderam ao questionário, apenas um fala superficialmente sobre
a questão climática em seu programa de governo; os outros três nem sequer
mencionam o tema.
É o caso do senador
Eduardo Girão, que concorre à prefeitura de Fortaleza (CE). Girão defende
“expandir e incentivar o uso de energias renováveis” – setor que vem crescendo
no Nordeste, em especial no Ceará – e “desenvolver um plano de reciclagem de
resíduos sólidos e de educação ambiental”, mas não relaciona nenhuma das duas
propostas com a crise climática.
Em resposta ao
questionário enviado pela Pública, Girão afirmou concordar em parte que as
mudanças climáticas são reais e provocadas pela ação humana. Para o senador,
elas “sempre ocorreram ao longo da história da humanidade, independentemente da
ação do ser humano”, mas “têm se agravado nas últimas décadas” pela ação
humana. Girão respondeu que concorda totalmente com as outras perguntas
enviadas pela reportagem.
Também responderam ao
levantamento da Pública Sharon Braga, que concorre em Macapá (AP), Wellington
do Curso, em São Luís (MA), e Beto Figueiró, candidato em Campo Grande (MS).
Braga não traz nenhuma
menção às mudanças climáticas em seu plano e afirmou concordar apenas
parcialmente com a afirmação sobre as mudanças climáticas serem reais e
provocadas pela ação humana. Ele também concordou parcialmente com a pergunta
sobre a população de sua cidade estar preocupada com o assunto.
Wellington do Curso é
o único candidato do Novo que afirmou concordar totalmente com a primeira
pergunta do questionário da Pública. A despeito disso, ele trata as mudanças
climáticas apenas superficialmente e de maneira indireta em seu programa de
governo, com algumas propostas correlatas ao tema.
Beto Figueiró também
disse concordar apenas parcialmente que as mudanças climáticas são reais e
provocadas pelo homem. Deu a mesma resposta quando questionado se a crise
climática já afeta seu município e se pretende priorizar ações dessa temática
em um eventual governo.
As respostas vão ao
encontro de seu plano de governo, que não apenas não trata de mudanças
climáticas como traz posicionamentos contrários ao meio ambiente. O candidato,
por exemplo, diz que a concentração das áreas urbanas em uma parcela pequena do
território nacional “inviabiliza a justiça social”, “resultando em prejuízo
para a qualidade de vida em detrimento da preservação de pequenos nichos
‘verdes’ que pouco contribuem para a manutenção do equilíbrio ambiental”. Campo
Grande foi uma das cidades que ficaram com a qualidade do ar péssima neste mês
por causa das queimadas.
Além de Figueiró,
outros dois pleiteantes ao cargo de prefeito por outros partidos disseram
concordar apenas parcialmente que pretendem priorizar ações para combater as
mudanças climáticas em suas gestões. O plano de governo de ambos vai ao
encontro da declaração de que a crise climática não será prioridade absoluta.
Um deles é Pedrão
(PP), que tenta ser prefeito de Florianópolis (SC). O candidato também disse
concordar em parte com as afirmações sobre as mudanças climáticas serem reais e
causadas pela ação humana e já impactarem seu município. Além disso, disse discordar
em parte que a população de Florianópolis se preocupa com a crise climática.
Em seu sucinto plano
de governo, o político do PP nada fala sobre as mudanças climáticas. Como um
trecho do próprio documento diz tratar-se de um plano preliminar, que seria
atualizado até 15 de agosto, a reportagem entrou em contato com a assessoria do
candidato, que enviou um documento de quatro páginas, que também não aborda a
crise climática.
O outro candidato é
Dr. Yglésio, que concorre pelo PRTB em São Luís (MA). Ele tampouco menciona as
mudanças climáticas no plano, mesmo no ano em que o estado passou por fortes
chuvas que resultaram em alagamentos. Algumas propostas voltadas para a recuperação
de áreas degradadas e a gestão de áreas verdes podem ter efeitos positivos no
combate à crise climática, embora o candidato não faça essa relação.
• Sanfoneiro discorda parcialmente de que
mudanças climáticas são reais
Entre todos os
candidatos que responderam à Pública, apenas um afirmou discordar parcialmente
de que as mudanças climáticas são reais e causadas pela ação humana. Trata-se
de Gilson Machado (PL), candidato a prefeito de Recife (PE), ex-ministro do
Turismo de Jair Bolsonaro (PL) e conhecido nacionalmente por suas aparições
tocando sanfona em transmissões ao vivo do então presidente.
O plano de governo do
candidato bolsonarista não cita o termo “mudanças climáticas” nem outros
equivalentes em nenhum momento. A despeito disso, traz algumas propostas que se
relacionam com o tema, como obras de contenção e prevenção de deslizamentos, instalação
de fontes de captação de energia solar, conversão de lixo em energia elétrica e
descontos no IPTU para contribuintes que adotarem medidas de sustentabilidade.
A cidade pernambucana
é uma das capitais que sofreram com extremos climáticos no último ciclo
eleitoral. Na Grande Recife, que inclui a região metropolitana do município,
houve mais de uma centena de mortes por conta das fortes chuvas em 2022.
Além de Gilson
Machado, outros dois candidatos à prefeitura de Recife responderam à Pública: o
atual prefeito, João Campos (PSB), favorito a vencer o pleito no primeiro
turno, e Dani Portela (PSOL). Ambos afirmaram concordar totalmente com as cinco
perguntas do Climômetro.
O plano de governo da
candidata do PSOL aborda a crise climática diretamente, além de trazer uma
série de propostas detalhadas sobre o tema, incluindo a criação de um programa
de monitoramento das mudanças climáticas, de corredores verdes e de uma política
de comunicação de riscos, entre outras medidas.
Já o atual prefeito, a
despeito de falar sobre o tema, não especifica as medidas climáticas que
pretende adotar em uma eventual nova gestão, focando mais em ações já
realizadas em seu atual mandato, como o Programa de Requalificação e
Resiliência Urbana em Áreas de Vulnerabilidade Socioambiental (ProMorar).
Em Porto Alegre (RS),
que também sofreu com desastres relacionados às chuvas, três candidatas do
campo da esquerda responderam ao Climômetro: Maria do Rosário (PT), que aparece
na segunda colocação nas pesquisas, Juliana Brizola (PDT) e Fabiana Sanguiné (PSTU).
Apenas Sanguiné afirmou discordar parcialmente de uma das perguntas, a que
versa sobre a preocupação da população com as mudanças climáticas.
A atenção dada ao tema
nos programas de governo de todos os candidatos da capital gaúcha foi tema de
reportagem da Pública, que mostrou um maior grau de atenção à pauta climática,
mas com propostas limitadas.
Já em Belém (PA),
quatro dos cinco candidatos à prefeitura da cidade que sediará a COP30
concordaram totalmente com a existência de mudanças climáticas provocadas pela
ação humana. Igor Normando (MDB), atual primeiro colocado na disputa, foi o
único que concordou apenas em parte com a afirmação. Todos os candidatos
disseram que as mudanças climáticas já impactam os belenenses e se
comprometeram a priorizar a pauta climática caso vençam o pleito.
Porém, a maioria dos
concorrentes não especifica propostas voltadas ao tema no plano de governo.
Edmilson Rodrigues (PSOL), que tenta a reeleição, cita diretamente as mudanças
climáticas no plano, mas não traz propostas aprofundadas. O documento é mais
voltado para as medidas realizadas em sua gestão, como o Plano Climático
Popular, que já está em operação.
Éder Mauro (PL),
segundo colocado nas pesquisas de intenção de voto, tem propostas climáticas
nas áreas de transição energética, recursos hídricos, ilhas de calor e
transporte, mas não aprofunda as medidas. Já Igor Normando aborda
superficialmente o problema e tem propostas de urbanização e transporte com
potencial de reduzir as emissões de gases do efeito estufa, mas não relaciona
as medidas com a crise climática.
Rodrigo Iacovini
enxerga que a falta de uma rotulação clara de propostas de governo como
alinhadas ao combate à crise climática pode ser um sintoma de cautela dos
candidatos. “Alguns podem não ter nomeado por medo de enfrentar um eleitorado
que seja descrente da necessidade de enfrentamento à crise climática, ou às
vezes por conta da ideologia que domina o seu próprio partido. Mas não deveria
ser assim, porque colocar explicitamente no programa de governo é uma medida
educacional e uma importante sinalização de que, caso eleito, o governo estará
prestando atenção à crise climática.”
Fonte: Por Gabriel
Gama e Rafael Oliveira, da Agência Pública
Nenhum comentário:
Postar um comentário