Cientistas apontam reformas econômicas e
tecnológicas para evitar colapso socioambiental
Enchentes, secas,
incêndios, ondas de calor. O mundo tem vivenciado de forma mais intensa e
frequente esses e outros eventos climáticos extremos, muito em razão da ação do
ser humano. É um cenário preocupante, e uma nova pesquisa feita por mais de 60
cientistas naturais e sociais da Comissão da Terra e seus grupos de trabalho e
publicada no The Lancet Planetary Health, mostra que o planeta só conseguirá
sustentar as sociedades no futuro de forma segura, garantindo um padrão de vida
básico para todos, se os sistemas econômicos e as tecnologias forem
drasticamente transformados e os recursos essenciais à vida forem usados,
gerenciados e compartilhados de forma mais justa.
O estudo se baseia nos
Limites do Sistema Terrestre Seguro e Justo. Lançados em 2023, eles podem ser
vistos como o “teto” para a extração humana de recursos naturais e poluição,
dentro do qual os sistemas da Terra podem permanecer estáveis e resilientes, e
as pessoas podem estar seguras de danos.
Agora, os cientistas
adicionaram uma “base” aos limites, mostrando o que a população global precisa
do sistema terrestre para viver uma vida livre da pobreza – essa é a primeira
vez em que se quantificam a segurança (um planeta estável) e a justiça (pessoas
sendo protegidas de danos) nas mesmas unidades.
Essa base é definida
como dieta saudável de 2.500 calorias por dia, 100 litros de água por pessoa
por dia para beber, cozinhar e fazer a higiene, eletricidade para 16 h/dia,
incluindo um aparelho de alta potência, por exemplo, máquina de lavar roupa,
habitação com área útil de 15m² e transporte anual de até 4500 passageiros/km.
Os autores do trabalho
fizeram projeções para 2050 e descobriram que o “Espaço Seguro e Justo”
diminuirá com o tempo, a menos que transformações urgentes sejam feitas. Em
artigo publicado no We Forum, Joyeeta Gupta, ex-copresidente da Comissão da
Terra e professora de Meio Ambiente e Desenvolvimento no Sul Global na
Universidade de Amsterdã, da Holanda, e Johan Rockström, copresidente da
Comissão da Terra, diretor do Instituto de Pesquisa de Impacto Climático de
Potsdam e professor de Ciência do Sistema Terrestre na Universidade de Potsdam,
da Alemanha, detalharam algumas descobertas.
• Ainda temos tempo
“Atualmente, estamos
muito além do Espaço Seguro e Justo, mas não é tarde demais”, afirmaram os
especialistas. Especificamente para o clima, eles descobriram que, se mudanças
significativas não forem feitas agora, até 2050 não haverá mais o Espaço Seguro
e Justo.
Isso significa que,
mesmo que todos no planeta tivessem acesso apenas aos recursos necessários para
um padrão de vida básico nos próximos 26 anos, a Terra ainda estaria fora do
limite climático. Sendo assim, a menos que a energia, a alimentação e os sistemas
urbanos sejam transformados com urgência, os sistemas terrestres enfrentam o
risco de cruzar pontos de inflexão perigosos que causariam danos ainda mais
significativos às pessoas ao redor do mundo.
Segundo os
pesquisadores, com ações ousadas e imediatas é possível transformar a maneira
como a humanidade habita o planeta, garantindo que ele permaneça estável e
resiliente, ao mesmo tempo em que apoia o desenvolvimento humano equitativo.
“O tempo restante para
agir, no entanto, é extremamente limitado. O desafio agora está na velocidade e
na escala da transformação. Devemos mudar de uma abordagem incremental para uma
mudança transformacional e sistêmica que seja justa para todos.” — Comissão da
Terra
• Eles elencaram o que a verdadeira
transformação exige:
1- Passar de mudanças
graduais e lineares para mudanças não lineares (transformacionais) em todos os
sistemas;
2- Adotar uma
abordagem holística (não fragmentada) e que inclua todo o planeta e as pessoas
para a governança;
3- Garantir que as
considerações sobre segurança e justiça planetárias estejam incluídas em todas
as tomadas de decisão.
“Na prática, isso
requer um esforço intencional e bem coordenado entre formuladores de políticas,
empresas, sociedade civil e comunidades para pressionar por mudanças em como
administramos a economia. Só podemos gerenciar o que podemos medir, e é por isso
que há uma necessidade de monitoramento de alta resolução e em tempo real dos
riscos da Terra e da justiça humana (dano, acesso e agência), bem como metas
quantitativas baseadas em ciência para todos os limites seguros e justos”,
complementaram Gupta e Rockström.
• Transformações urgentes necessárias
O Espaço Seguro e
Justo é o único espaço restante rico em oportunidades – no qual as pessoas e o
planeta continuarão a ser capazes de prosperar. Para atingir esse espaço, metas
baseadas na ciência não são suficientes. O que se faz necessário, então, é o seguinte:
- Esforço intencional
e bem coordenado entre formuladores de políticas, empresas, sociedade civil e
comunidades. Isso pode impulsionar mudanças na forma como a economia é
administrada e encontrar novas políticas e mecanismos de financiamento que
possam abordar a desigualdade e, ao mesmo tempo, reduzir a pressão sobre a
natureza e o clima.
- Gestão, partilha e
utilização mais eficiente e eficaz dos recursos em todos os níveis da
sociedade, incluindo a abordagem do consumo excessivo de algumas comunidades.
- Investimento em
tecnologias sustentáveis e acessíveis. A medida é essencial para nos ajudar a
usar menos recursos e a reabrir o Espaço Seguro e Justo para todos –
especialmente onde há pouco ou nenhum espaço restante.
* Colaboração é
essencial
Atores da ciência,
negócios, políticas e sociedade civil precisarão estabelecer colaborações ainda
mais fortes para que os limites seguros e justos possam ser operacionalizados
em cidades e empresas, observam Gupta e Rockström.
A Global Commons
Alliance e outros já estão trabalhando em tais colaborações, mas para que os
resultados venham a tempo é preciso:
- Legislação que
protege os bens comuns globais, com base em uma redefinição dos bens comuns
globais para o Antropoceno;
- Eliminação de
monopólios sobre recursos comuns críticos;
- Regras de
compensação por danos causados às pessoas e à natureza;
- Cancelamento da
dívida para países de baixa renda, liberando-os para se concentrarem na
resiliência climática e no desenvolvimento sustentável.
“Também precisamos de
uma gestão mais eficiente e eficaz e de uma distribuição justa de recursos em
todos os níveis da sociedade. Lidar com os excessos de algumas comunidades
permitirá melhor acesso a recursos básicos para aqueles que mais precisam deles”,
enfatizaram os cientistas.
• Empresas e cidades têm papel crucial
Empresas e cidades em
particular têm um papel de liderança a desempenhar na redução da pressão sobre
o planeta. Ao operacionalizar os limites do sistema da Terra e usá-los como
base para metas baseadas na ciência, elas podem se tornar melhores administradores
dos recursos naturais da Terra.
“A instabilidade
geopolítica, uma grande preocupação para os CEOs de hoje, é menor em comparação
à perturbação que um sistema terrestre desequilibrado trará. Se não agirmos
agora, corremos o risco de tentar subsistir em um planeta desestabilizado,
gostemos ou não.” — Comissão da Terra
E eles complementaram:
“Os bens comuns globais – nosso planeta compartilhado e seus ecossistemas
interconectados – são nossa herança e responsabilidade coletiva. Salvaguardar
esses bens comuns movendo-se dentro do espaço seguro e justo estabilizará a economia
e permitirá uma nova e melhorada direção de desenvolvimento, também ajudará a
estabilizar nossas sociedades durante esses tempos de profunda mudança. O
espaço seguro e justo é rico em oportunidades. A hora de agir é agora”.
Fonte: Um só Planeta
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