Maconha e saúde mental: quando ajuda e
quando atrapalha?
O debate sobre a
maconha é caloroso. De um lado, temos aqueles que, movidos pelo preconceito,
não querem se aprofundar no tema, mesmo quando a ciência está ao nosso lado. Do
outro, há os apaixonados pela pauta, que não conseguem enxergar os possíveis
riscos ou os lados negativos do uso. No meio desse embate, precisamos construir
um debate temperado. Apenas assim conseguiremos trabalhar com a verdade e,
finalmente, reduzir danos.
No Brasil, a recente
descriminalização parece ser um passo à frente. Agora, os usuários com até seis
plantas ou 40 gramas de cannabis estão fora da esfera criminal. Porém, vale
destacar que descriminalizar não significa legalizar. Esses usuários não estão
livres para cultivar suas plantas em paz. A polícia ainda pode cortar seus
cultivos, e a insegurança persiste. Não há paz para quem cuida da sua
jardinagem.
Estudos recentes
mostram que, quando usada de forma adequada, a maconha pode ter um impacto
positivo em condições como depressão e ansiedade. Pesquisas publicadas na
Frontiers in Psychiatry indicam que a cannabis medicinal, especialmente com uma
combinação equilibrada de CBD e THC, pode aliviar os sintomas de ansiedade em
pacientes com transtornos de ansiedade generalizada. O CBD é amplamente
reconhecido por suas propriedades calmantes, enquanto o THC, em doses
moderadas, pode promover uma sensação de relaxamento.
A maconha também tem
sido considerada por seu potencial em ajudar pacientes com depressão. Um estudo
da Journal of Affective Disorders sugere que a cannabis pode proporcionar
alívio temporário para sintomas depressivos, criando uma sensação de bem-estar e
relaxamento. No entanto, é fundamental lembrar que esse alívio é temporário e
depende muito da dose e do contexto de uso.
Por outro lado, o uso
excessivo de THC pode agravar problemas de saúde mental. O National Institute
on Drug Abuse (NIDA) destaca que o consumo elevado de THC está associado ao
aumento de sintomas de ansiedade e, em alguns casos, à paranoia. Este é um ponto
crítico no debate sobre a maconha: o mesmo composto que pode trazer alívio,
quando mal utilizado, pode desencadear os problemas que deveria combater.
Sidarta Ribeiro,
neurocientista e uma das vozes mais influentes no campo da neurociência e da
cannabis, enfatiza a importância de um “debate temperado” sobre o tema. Ele
aponta que “quem ama não vê os danos, e quem odeia não vê os benefícios”. É
nesse equilíbrio que devemos focar, reconhecendo tanto o potencial terapêutico
quanto os riscos associados à planta.
• Proibicionismo e paranoia: um obstáculo
à saúde mental
A regulamentação
adequada da maconha está diretamente ligada à promoção de saúde mental,
enquanto o proibicionismo funciona como um obstáculo. No Brasil, a
descriminalização recente traz alívio para muitos usuários, mas ainda há um
longo caminho a percorrer. Como mencionado, o cultivo ainda é visto como
ilegal, e a insegurança continua a rondar aqueles que optam por cuidar de suas
plantas. A jardinagem, que poderia ser uma forma terapêutica de autocuidado e
promoção de saúde mental, é permeada por paranoia.
Essa paranoia não vem
apenas da planta em si, mas do medo constante de punições legais. Mesmo que o
uso recreativo ou medicinal seja descriminalizado, os cultivadores ainda vivem
com o receio de represálias. A descriminalização não oferece a tranquilidade
necessária para que os usuários cultivem suas plantas sem medo de intervenções
policiais ou administrativas.
Cultivar cannabis pode
ser uma poderosa ferramenta de redução de danos. A jardinagem promove o contato
com a natureza, o aprendizado sobre o ciclo de vida da planta, e oferece a
possibilidade de consumir de forma mais consciente e controlada. No entanto, a
falta de regulamentação impede que essa prática floresça. O medo constante de
ser pego em uma situação legalmente nebulosa acaba por agravar o quadro de
ansiedade, especialmente para aqueles que já utilizam a planta como ferramenta
de saúde mental.
• A jardinagem como redução de danos
Como alguém que vive
fora do Brasil, vejo isso de forma muito clara. Eu gostaria de ensinar as
pessoas a cultivar, a reduzir danos e a entender o uso consciente da maconha,
mas a realidade legal do Brasil me impede de fazer isso de forma segura. Viver
em um país onde o cultivo é visto como um crime, mesmo após a
descriminalização, não oferece a tranquilidade necessária para que a jardinagem
possa ser uma ferramenta de saúde mental eficaz.
A regulamentação da
maconha é, sem dúvida, um caminho mais eficaz para a cura. Ela oferece
segurança, permite o debate aberto e possibilita que os usuários busquem
informações seguras e responsáveis sobre o consumo da planta. No entanto,
enquanto o proibicionismo ainda existir, continuaremos a sufocar o potencial
terapêutico da cannabis, especialmente no que diz respeito à saúde mental.
O estigma em torno da
maconha perpetua o ciclo de ansiedade e isolamento entre os usuários. Apenas
por meio de um debate aberto e equilibrado poderemos reduzir esses danos. A
regulamentação é um passo fundamental nesse processo, permitindo que a sociedade
veja a maconha como o que ela realmente é: uma planta que, quando usada de
forma responsável e com conhecimento, pode ser uma poderosa aliada na promoção
da saúde mental.
Fonte: Por Alice Reis,
no Le Monde
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