Estudo sinaliza falta de vacinas em 65% dos
municípios, problema que demanda novo modelo de distribuição
O Ministério da Saúde
elencou a cobertura vacinal como uma de suas prioridades desde o início da
atual gestão. E progressos significativos já foram feitos, retirando o Brasil
da lista dos 20 países com mais crianças não vacinadas. Contudo, uma pesquisa da
Confederação Nacional de Municípios (CNM), realizada entre 2 e 11 de setembro e
que contou com a participação de 2.415 municípios, revelou que 64,7% (1.563)
das cidades participantes relataram falta de vacinas, afetando principalmente a
imunização infantil.
Em nota, o Ministério
da Saúde afirmou que mantém o envio regular de vacinas aos estados, que, por
sua vez, são responsáveis por abastecer os municípios. “Não há falta
generalizada de vacinas no Brasil. O levantamento da CNM traz questões pontuais
para as quais o Ministério da Saúde adota estratégias para manter a vacinação
em dia e a proteção da população”, diz a nota. A pasta também informou que
essas ações são realizadas em diálogo constante com o Conselho Nacional de
Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais
de Saúde (Conasems).
Em agosto, a
Coordenação-Geral de Gestão de Insumos e Rede de Frio, ligado ao Departamento
do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, divulgou um informe
sobre a distribuição de imunobiológicos. O boletim aponta os imunobiológicos
atendidos 100%, atendidos parcialmente, com estoques críticos e aqueles com
recomendações de substituição. Dentre os imunobiológicos com estoques críticos,
o documento apontava desafios no abastecimento de algumas vacinas devido a
fatores não previsíveis, como atrasos nas entregas por parte dos fornecedores e
dificuldade de aquisição. Dentre elas estava a vacina da varicela, DTP, febre
amarela, DTPa acelular (Crie) e vacina antirrábica humana (Vero). A vacina
contra a varicela, essencial para proteger crianças de quatro anos da catapora,
está em falta em 1.210 municípios, com um desabastecimento médio superior a 90
dias, de acordo com levantamento da CNM. O reforço é administrado nessa faixa
etária.
A Confederação
declarou, também em nota, que o Ministério da Saúde é encarregado da aquisição
e distribuição das vacinas do Calendário Nacional de Vacinação para os
municípios, enquanto os estados são responsáveis por fornecer as seringas e
agulhas necessárias para a execução das campanhas e que cabe à pasta esclarecer
as causas do desabastecimento e adotar as medidas adequadas para resolver a
situação. “A CNM tem monitorado a questão do desabastecimento de vacinas e
cobra que o Ministério da Saúde disponibilize os imunizantes para vacinar as
crianças e suas famílias o mais rapidamente possível. Porém, até o momento, não
obtivemos resposta oficial”, diz o texto.
Sociedades médicas
ouvidas pela reportagem apontam que o desabastecimento de vacinas não é uma
novidade, atribuindo a situação a problemas de gestão, logística, transporte e
até falhas nas indústrias produtoras. Elas alertam que a escassez de vacinas
prejudica o aumento da cobertura vacinal e recomendam uma maior
sustentabilidade do programa de imunização.
<><> Falta
de vacinas não é novidade
De acordo com o
estudo, os municípios se deparam com um cenário crítico, marcado pela escassez
de vacinas e pela distribuição irregular de doses, o que compromete severamente
a capacidade dos governos locais de atender à demanda. Alguns municípios
relataram a falta de determinadas vacinas por mais de 30 dias, enquanto outros
enfrentam um desabastecimento que ultrapassa os 90 dias.
“A questão do
abastecimento de vacinas no país não é novidade nenhuma. Essa é uma dificuldade
que não surgiu agora”, afirma Renato Kfouri, pediatra e infectologista e
vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Kfouri lembrou
que em diversos momentos houve interrupções no fornecimento de vacinas,
comprometendo a essencial recuperação das coberturas vacinal. O país ficou sem
a vacina BCG por um longo período quando, em 2022, a fábrica da Fundação
Ataulpho de Paiva (FAP), no Rio de Janeiro, foi interditada e a Anvisa exigiu
mais dados e melhorias nas condições da planta de produção. Durante esse tempo,
foi necessário importar a vacina russa. Além disso, houve descontinuidade na
entrega da vacina pentavalente em 2018 e 2019. Segundo o infectologista, os
obstáculos podem ser regulatórios e de mercado e que “não é uma conta fácil de
fazer toda essa logística”.
Alberto Chebabo,
presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), destaca que
interrupções na vacinação são comuns no país, e algumas frequentemente
atribuídas a problemas locais. Ele enfatiza que a responsabilidade pela
vacinação no SUS é compartilhada entre três níveis de governo: o federal,
representado pelo Ministério da Saúde, as secretarias estaduais e,
principalmente, as secretarias municipais, encarregadas de executar as
campanhas de imunização.
“Muitas vezes o
problema está no Federal que não compra a vacina e não distribui. No Estado que
não fiscaliza, que é o papel dele, e não distribui corretamente, porque não tem
a logística de distribuição. No município que, às vezes, não executa ou que não
tem como guardar ou restringe muito os horários de vacinação”, disse.
O Ministério da Saúde
afirmou que houve a distribuição de 65,9 milhões de doses das dez principais
vacinas mencionadas no levantamento da CNM. Em relação à vacina contra a
varicela, a pasta informou que, no final de 2023, adquiriu 2,7 milhões de doses
por meio do Fundo Rotatório da OPAS/OMS, com 150 mil entregas previstas até
setembro. A aquisição regular de vacinas para 2024 também está em andamento.
<><> Novo
modelo para dar conta dos desafios
“Esse é um problema
que o planeta precisa resolver. Muitos países estão incorporando novas vacinas
em seus calendários, mas a produção global não tem acompanhado o crescimento do
consumo mundial de vacinas, de forma geral. Não se trata de uma vacina específica”,
alerta Kfouri.
Ele ressalta a
importância de reunir todos os stakeholders – conselhos municipais, CONASS,
CONASEMS, produtores de vacinas do Fundo Rotatório da OPAS e o Ministério da
Saúde – para desenvolver um modelo sustentável que reduza desperdícios e amplie
a acessibilidade. Segundo ele, a estratégia deve incorporar a vacinação
domiciliar, adaptando abordagens para pequenos e grandes municípios.
Embora o Brasil se
destaque por oferecer vacinas em mais de trinta mil salas de vacinação, há
desafios, especialmente em cidades pequenas. A distribuição de frascos com até
dez doses, que possuem prazos de validade curtos, resulta em descarte de
vacinas não utilizadas, comprometendo a cobertura vacinal.
“São trinta mil salas
de vacinas abertas jogando com desperdício de 30%, 40% das doses. Não há mais
vacina para trabalhar nessa lógica”, avalia Kfouri. “Muitos municípios recebem
poucas doses e já estipulam datas para aquele tipo de imunizante. Mas quem não
sabe e vai procurar a vacina, não volta, o que diminui a cobertura vacinal.”
Chebabo sugere ainda
que o Ministério da Saúde deveria implementar um processo eficaz de compra e
distribuição de vacinas, garantindo que os estados e, especialmente, os
municípios mais remotos, recebam o apoio necessário. “Perde-se o que chamamos
de ‘oportunidade de vacinação’. Assim, quando uma pessoa se apresenta em uma
unidade sem estar vacinada, é preciso aproveitar esse momento para administrar
a vacina”, diz.
• ANS admite débitos de R$ 16 milhões com
fornecedores por cortes no orçamento, mas nega determinação de home office
Os cortes
orçamentários promovidos pelo governo federal para equilibrar as contas
públicas estão impactando a atuação das agências reguladoras. Em agosto, Paulo
Rebello, diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS),
disse ao Futuro da Saúde que a redução do orçamento prejudicaria as atividades
da agência e, mesmo após o envio de diversos ofícios para diferentes áreas do
governo – inclusive indicando a possibilidade de “fechar a sede da ANS e dos
núcleos” -, nenhum sinal de recomposição foi dado. Notícias essa semana
indicaram que a agência havia determinado a ida dos servidores ao trabalho
remoto (home office), mas em nota enviada ao Futuro da Saúde, a agência negou e
afirmou que “até o momento, sede e os núcleos da reguladora seguem em
funcionamento”. Por outro lado, reconhece que os cortes orçamentários estão
prejudicando as operações diárias, admite “débitos e atrasos de pagamentos de
contratos que somam mais R$ 16 milhões” com fornecedores e tem feito esforços
para negociar reduções nos custos mensais e assegurar a continuidade de
serviços essenciais.
Dentre as atividades
prejudicadas no dia a dia, o órgão cita projetos estratégicos e a fiscalização
do mercado regulado, fato que tem inclusive abalado a confiança dos
colaboradores e servidores. Apesar do cenário, a nota da ANS afirma que “ainda
não está havendo atrasos em decisões”, mas alerta que “sem perspectivas e sem
garantias das verbas necessárias, eventualmente a situação terá desfechos que
comprometerão os serviços à sociedade.”
A nota também destaca
que as restrições orçamentárias estão atrasando o desenvolvimento de soluções
de TI essenciais, limitando o avanço de projetos regulatórios como o sistema de
Portabilidade e a contratação de tecnologias, incluindo ferramentas de Inteligência
Artificial.
Confira abaixo a nota
na íntegra:
A Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS) informa, inicialmente, que, embora exista um
agravamento cada vez maior da situação orçamentária e financeira, não
determinou a ida dos servidores para o home office. É importante esclarecer
que, desde o término da pandemia, a maioria dos servidores optou pelo trabalho
remoto ou híbrido, o que já reduziu consideravelmente o número de pessoas
circulando nas instalações da Agência. De toda forma, até o momento, sede e os
núcleos da reguladora seguem em funcionamento.
Quanto aos impactos
dos cortes no orçamento, é possível afirmar que há prejuízo significativo em
diversas atividades e contratos da Agência. A ANS tem débitos e atrasos de
pagamentos de contratos que somam mais R$ 16 milhões, dentre os quais com
agência de viagens (passagens aéreas), com as diárias dos servidores e gestores
em viagens a serviço, com diversos contratos de serviços de tecnologia e
segurança da informação, de mão de obra exclusiva (as terceirizações), de
suporte e serviços contratados (gestão documental, por exemplo), bem como com
os serviços de Correios (comunicação para eficácia dos atos administrativos) e
com Empresa Brasileira de Comunicação – (EBC) – imprensa oficial/obrigatória.
Neste momento, a Agência está negociando com os fornecedores de produtos e
serviços cortes que totalizam mais de 50% de seus custos mensais. O foco nessas
negociações é cortar, no máximo, 25% de cada contrato a fim de manter
minimamente o fornecimento dos principais produtos e serviços.
Ou seja, a situação
realmente está prejudicando ações cotidianas da Agência, projetos estratégicos
da Agenda Regulatória; evoluções tecnológicas dos sistemas internos; cobranças
do ressarcimento ao SUS; ações de fiscalização; e o monitoramento assistencial
e econômico do mercado regulado entre outros. Tal insegurança sobre a liberação
de recursos ainda acarreta insegurança aos colaboradores que, junto com os
servidores da ANS, são motrizes para o bom desempenho da Agência.
Há impactos no
desenvolvimento de soluções de TI que auxiliam as unidades da Agência no
desenvolvimento de suas atividades, atrasando a evolução de ações regulatórias
dependentes de sistemas, como, por exemplo, o projeto do sistema de
Portabilidade, ou mesmo impactando de maneira a limitar a capacidade de
contratação de soluções para análise de incorporação de tecnologias e de
expandir a utilização de ferramentas de Inteligência Artificial que poderiam
contribuir na dinamicidade da regulação. Por outro lado, a restrição
orçamentária dificulta para a Agência participar de eventos do setor que são
relevantes para o acompanhamento do mercado.
Ainda não está havendo
atrasos em decisões. Isso porque, apesar das dificuldades, a Diretoria
Colegiada, os servidores e demais colaboradores da Agência têm feito todo o
possível para manter o andamento dos processos e dos trabalhos, mas é certo
que, sem perspectivas e sem garantias das verbas necessárias, eventualmente a
situação terá desfechos que comprometerão os serviços à sociedade.
Fonte: Futuro da Saúde
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