sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Estudo sinaliza falta de vacinas em 65% dos municípios, problema que demanda novo modelo de distribuição

O Ministério da Saúde elencou a cobertura vacinal como uma de suas prioridades desde o início da atual gestão. E progressos significativos já foram feitos, retirando o Brasil da lista dos 20 países com mais crianças não vacinadas. Contudo, uma pesquisa da Confederação Nacional de Municípios (CNM), realizada entre 2 e 11 de setembro e que contou com a participação de 2.415 municípios, revelou que 64,7% (1.563) das cidades participantes relataram falta de vacinas, afetando principalmente a imunização infantil.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que mantém o envio regular de vacinas aos estados, que, por sua vez, são responsáveis por abastecer os municípios. “Não há falta generalizada de vacinas no Brasil. O levantamento da CNM traz questões pontuais para as quais o Ministério da Saúde adota estratégias para manter a vacinação em dia e a proteção da população”, diz a nota. A pasta também informou que essas ações são realizadas em diálogo constante com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).

Em agosto, a Coordenação-Geral de Gestão de Insumos e Rede de Frio, ligado ao Departamento do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, divulgou um informe sobre a distribuição de imunobiológicos. O boletim aponta os imunobiológicos atendidos 100%, atendidos parcialmente, com estoques críticos e aqueles com recomendações de substituição. Dentre os imunobiológicos com estoques críticos, o documento apontava desafios no abastecimento de algumas vacinas devido a fatores não previsíveis, como atrasos nas entregas por parte dos fornecedores e dificuldade de aquisição. Dentre elas estava a vacina da varicela, DTP, febre amarela, DTPa acelular (Crie) e vacina antirrábica humana (Vero). A vacina contra a varicela, essencial para proteger crianças de quatro anos da catapora, está em falta em 1.210 municípios, com um desabastecimento médio superior a 90 dias, de acordo com levantamento da CNM. O reforço é administrado nessa faixa etária.

A Confederação declarou, também em nota, que o Ministério da Saúde é encarregado da aquisição e distribuição das vacinas do Calendário Nacional de Vacinação para os municípios, enquanto os estados são responsáveis por fornecer as seringas e agulhas necessárias para a execução das campanhas e que cabe à pasta esclarecer as causas do desabastecimento e adotar as medidas adequadas para resolver a situação. “A CNM tem monitorado a questão do desabastecimento de vacinas e cobra que o Ministério da Saúde disponibilize os imunizantes para vacinar as crianças e suas famílias o mais rapidamente possível. Porém, até o momento, não obtivemos resposta oficial”, diz o texto.

Sociedades médicas ouvidas pela reportagem apontam que o desabastecimento de vacinas não é uma novidade, atribuindo a situação a problemas de gestão, logística, transporte e até falhas nas indústrias produtoras. Elas alertam que a escassez de vacinas prejudica o aumento da cobertura vacinal e recomendam uma maior sustentabilidade do programa de imunização.

<><> Falta de vacinas não é novidade

De acordo com o estudo, os municípios se deparam com um cenário crítico, marcado pela escassez de vacinas e pela distribuição irregular de doses, o que compromete severamente a capacidade dos governos locais de atender à demanda. Alguns municípios relataram a falta de determinadas vacinas por mais de 30 dias, enquanto outros enfrentam um desabastecimento que ultrapassa os 90 dias.

“A questão do abastecimento de vacinas no país não é novidade nenhuma. Essa é uma dificuldade que não surgiu agora”, afirma Renato Kfouri, pediatra e infectologista e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Kfouri lembrou que em diversos momentos houve interrupções no fornecimento de vacinas, comprometendo a essencial recuperação das coberturas vacinal. O país ficou sem a vacina BCG por um longo período quando, em 2022, a fábrica da Fundação Ataulpho de Paiva (FAP), no Rio de Janeiro, foi interditada e a Anvisa exigiu mais dados e melhorias nas condições da planta de produção. Durante esse tempo, foi necessário importar a vacina russa. Além disso, houve descontinuidade na entrega da vacina pentavalente em 2018 e 2019. Segundo o infectologista, os obstáculos podem ser regulatórios e de mercado e que “não é uma conta fácil de fazer toda essa logística”.

Alberto Chebabo, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), destaca que interrupções na vacinação são comuns no país, e algumas frequentemente atribuídas a problemas locais. Ele enfatiza que a responsabilidade pela vacinação no SUS é compartilhada entre três níveis de governo: o federal, representado pelo Ministério da Saúde, as secretarias estaduais e, principalmente, as secretarias municipais, encarregadas de executar as campanhas de imunização.

“Muitas vezes o problema está no Federal que não compra a vacina e não distribui. No Estado que não fiscaliza, que é o papel dele, e não distribui corretamente, porque não tem a logística de distribuição. No município que, às vezes, não executa ou que não tem como guardar ou restringe muito os horários de vacinação”, disse.

O Ministério da Saúde afirmou que houve a distribuição de 65,9 milhões de doses das dez principais vacinas mencionadas no levantamento da CNM. Em relação à vacina contra a varicela, a pasta informou que, no final de 2023, adquiriu 2,7 milhões de doses por meio do Fundo Rotatório da OPAS/OMS, com 150 mil entregas previstas até setembro. A aquisição regular de vacinas para 2024 também está em andamento.

<><> Novo modelo para dar conta dos desafios

“Esse é um problema que o planeta precisa resolver. Muitos países estão incorporando novas vacinas em seus calendários, mas a produção global não tem acompanhado o crescimento do consumo mundial de vacinas, de forma geral. Não se trata de uma vacina específica”, alerta Kfouri.

Ele ressalta a importância de reunir todos os stakeholders – conselhos municipais, CONASS, CONASEMS, produtores de vacinas do Fundo Rotatório da OPAS e o Ministério da Saúde – para desenvolver um modelo sustentável que reduza desperdícios e amplie a acessibilidade. Segundo ele, a estratégia deve incorporar a vacinação domiciliar, adaptando abordagens para pequenos e grandes municípios.

Embora o Brasil se destaque por oferecer vacinas em mais de trinta mil salas de vacinação, há desafios, especialmente em cidades pequenas. A distribuição de frascos com até dez doses, que possuem prazos de validade curtos, resulta em descarte de vacinas não utilizadas, comprometendo a cobertura vacinal.

“São trinta mil salas de vacinas abertas jogando com desperdício de 30%, 40% das doses. Não há mais vacina para trabalhar nessa lógica”, avalia Kfouri. “Muitos municípios recebem poucas doses e já estipulam datas para aquele tipo de imunizante. Mas quem não sabe e vai procurar a vacina, não volta, o que diminui a cobertura vacinal.”

Chebabo sugere ainda que o Ministério da Saúde deveria implementar um processo eficaz de compra e distribuição de vacinas, garantindo que os estados e, especialmente, os municípios mais remotos, recebam o apoio necessário. “Perde-se o que chamamos de ‘oportunidade de vacinação’. Assim, quando uma pessoa se apresenta em uma unidade sem estar vacinada, é preciso aproveitar esse momento para administrar a vacina”, diz.

 

•        ANS admite débitos de R$ 16 milhões com fornecedores por cortes no orçamento, mas nega determinação de home office

Os cortes orçamentários promovidos pelo governo federal para equilibrar as contas públicas estão impactando a atuação das agências reguladoras. Em agosto, Paulo Rebello, diretor-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), disse ao Futuro da Saúde que a redução do orçamento prejudicaria as atividades da agência e, mesmo após o envio de diversos ofícios para diferentes áreas do governo – inclusive indicando a possibilidade de “fechar a sede da ANS e dos núcleos” -, nenhum sinal de recomposição foi dado. Notícias essa semana indicaram que a agência havia determinado a ida dos servidores ao trabalho remoto (home office), mas em nota enviada ao Futuro da Saúde, a agência negou e afirmou que “até o momento, sede e os núcleos da reguladora seguem em funcionamento”. Por outro lado, reconhece que os cortes orçamentários estão prejudicando as operações diárias, admite “débitos e atrasos de pagamentos de contratos que somam mais R$ 16 milhões” com fornecedores e tem feito esforços para negociar reduções nos custos mensais e assegurar a continuidade de serviços essenciais.

Dentre as atividades prejudicadas no dia a dia, o órgão cita projetos estratégicos e a fiscalização do mercado regulado, fato que tem inclusive abalado a confiança dos colaboradores e servidores. Apesar do cenário, a nota da ANS afirma que “ainda não está havendo atrasos em decisões”, mas alerta que “sem perspectivas e sem garantias das verbas necessárias, eventualmente a situação terá desfechos que comprometerão os serviços à sociedade.”

A nota também destaca que as restrições orçamentárias estão atrasando o desenvolvimento de soluções de TI essenciais, limitando o avanço de projetos regulatórios como o sistema de Portabilidade e a contratação de tecnologias, incluindo ferramentas de Inteligência Artificial.

Confira abaixo a nota na íntegra:

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informa, inicialmente, que, embora exista um agravamento cada vez maior da situação orçamentária e financeira, não determinou a ida dos servidores para o home office. É importante esclarecer que, desde o término da pandemia, a maioria dos servidores optou pelo trabalho remoto ou híbrido, o que já reduziu consideravelmente o número de pessoas circulando nas instalações da Agência. De toda forma, até o momento, sede e os núcleos da reguladora seguem em funcionamento. 

Quanto aos impactos dos cortes no orçamento, é possível afirmar que há prejuízo significativo em diversas atividades e contratos da Agência. A ANS tem débitos e atrasos de pagamentos de contratos que somam mais R$ 16 milhões, dentre os quais com agência de viagens (passagens aéreas), com as diárias dos servidores e gestores em viagens a serviço, com diversos contratos de serviços de tecnologia e segurança da informação, de mão de obra exclusiva (as terceirizações), de suporte e serviços contratados (gestão documental, por exemplo), bem como com os serviços de Correios (comunicação para eficácia dos atos administrativos) e com Empresa Brasileira de Comunicação – (EBC) – imprensa oficial/obrigatória. Neste momento, a Agência está negociando com os fornecedores de produtos e serviços cortes que totalizam mais de 50% de seus custos mensais. O foco nessas negociações é cortar, no máximo, 25% de cada contrato a fim de manter minimamente o fornecimento dos principais produtos e serviços.

Ou seja, a situação realmente está prejudicando ações cotidianas da Agência, projetos estratégicos da Agenda Regulatória; evoluções tecnológicas dos sistemas internos; cobranças do ressarcimento ao SUS; ações de fiscalização; e o monitoramento assistencial e econômico do mercado regulado entre outros. Tal insegurança sobre a liberação de recursos ainda acarreta insegurança aos colaboradores que, junto com os servidores da ANS, são motrizes para o bom desempenho da Agência.

Há impactos no desenvolvimento de soluções de TI que auxiliam as unidades da Agência no desenvolvimento de suas atividades, atrasando a evolução de ações regulatórias dependentes de sistemas, como, por exemplo, o projeto do sistema de Portabilidade, ou mesmo impactando de maneira a limitar a capacidade de contratação de soluções para análise de incorporação de tecnologias e de expandir a utilização de ferramentas de Inteligência Artificial que poderiam contribuir na dinamicidade da regulação. Por outro lado, a restrição orçamentária dificulta para a Agência participar de eventos do setor que são relevantes para o acompanhamento do mercado. 

Ainda não está havendo atrasos em decisões. Isso porque, apesar das dificuldades, a Diretoria Colegiada, os servidores e demais colaboradores da Agência têm feito todo o possível para manter o andamento dos processos e dos trabalhos, mas é certo que, sem perspectivas e sem garantias das verbas necessárias, eventualmente a situação terá desfechos que comprometerão os serviços à sociedade.

 

Fonte: Futuro da Saúde

 

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