Quem sustenta a Civilização do Plástico
Não há como negar que
os plásticos trouxeram benefícios imensos ao longo do último século,
impulsionando a inovação tecnológica, transformando os cuidados com a saúde e
alimentando o crescimento econômico global. Mas, como sabemos agora, esse
progresso teve um alto custo.
As consequências
adversas da nossa dependência excessiva de plásticos estão bem documentadas.
Desde a extração e o transporte dos combustíveis fósseis necessários para
produzi-los, passando pelo processo de fabricação, até seu uso e descarte
intensos, cada etapa do ciclo de vida dos plásticos implica poluição e
degradação ambiental.
A poluição plástica
põe em risco a vida selvagem, danifica ecossistemas e representa sérios riscos
à saúde humana. Microplásticos, junto com os produtos químicos tóxicos que
contêm, são encontrados no ar que respiramos, nos alimentos que ingerimos e
podem ser absorvidos pela pele. À medida que os resíduos plásticos se acumulam
em oceanos, rios e lagos, produtos químicos nocivos contaminam o solo,
prejudicando a vida vegetal. Embora as implicações completas dos nanoplásticos
para a saúde humana ainda estejam subpesquisadas, é claro que grupos
vulneráveis, como crianças, mulheres, comunidades empobrecidas e trabalhadores
na produção de plásticos, gestão de resíduos e reciclagem são os mais afetados
por esses perigos.
O debate atual,
especialmente sobre plásticos usados uma única vez, geralmente se concentra no
descarte, provocando apelos por soluções de “economia circular” como a
reciclagem. Mas não existem plásticos verdadeiramente “seguros”, e os rótulos
de produtos que afirmam o contrário são enganosos e obscurecem os danos
causados pela extração de petróleo e gás, que respondem por 99% dos plásticos
do mundo. As toxinas liberadas durante a extração de combustíveis fósseis são
conhecidas por prejudicar a pele, os olhos e os sistemas respiratório, nervoso
e gastrointestinal, além do fígado e do cérebro.
A produção de plástico
não é apenas uma ameaça direta à saúde humana, mas também um dos principais
impulsionadores das mudanças climáticas, representando cerca de 3 a 8% das
emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). No entanto, apesar dos
perigos existenciais impostos pela crise climática, a produção de plástico
continua a aumentar. Estimativas da OCDE sugerem que, se as tendências atuais
persistirem, o uso global de plásticos, e os resíduos que eles geram, poderão
quase triplicar até 2060. Espera-se que metade desses resíduos acabe em aterros
sanitários, com menos de 20% sendo reciclados.
Ainda mais alarmante é
a projeção de que os plásticos reciclados representem apenas 12% de todo o uso
de plástico em 2060, enquanto o vazamento de plástico no meio ambiente deve
dobrar, atingindo 44 milhões de toneladas anuais, com consequências devastadoras
para a saúde humana e os ecossistemas naturais. Se os planos de expansão da
indústria se concretizarem, a produção de plástico poderá consumir 31% do
orçamento de carbono restante do planeta para limitar o aquecimento global a
1,5°C.
Esse aumento na
fabricação está cada vez mais desalinhado com as projeções de demanda futura.
Um estudo sugere que a produção global de plásticos como o polipropileno
precisa diminuir em 18 milhões de toneladas anualmente até 2030, devido à
redução da demanda da China e de outros países. Na verdade, as empresas
petroquímicas já estão lidando com um excesso global de oferta, mais um exemplo
de como as forças do mercado não conseguem gerar resultados eficientes ou
sequer sensatos.
Com as corporações sob
crescente pressão para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, insistir
na produção de plásticos à base de combustíveis fósseis parece não apenas
imprudente, mas também economicamente míope. Ainda assim, um estudo recente do
Instituto de Economia Energética e Análise Financeira constatou que, mesmo
diante de possíveis rebaixamentos de crédito, as maiores empresas petroquímicas
do mundo estão “fazendo grandes investimentos na direção errada”.
Diante das apostas
envolvidas, fica claro que reduzir apenas o consumo de plástico não será
suficiente para proteger a saúde humana, o meio ambiente e o planeta. À medida
que o Comitê Intergovernamental de Negociação sobre a Poluição Plástica se
aproxima de sua reunião final em Busan (na Coreia do Sul), ainda este ano, os
esforços contínuos para concluir um tratado global para acabar com a poluição
plástica devem enfrentar a necessidade urgente de conter a produção.
Infelizmente, como em
muitas negociações internacionais, a resistência de interesses poderosos pode
bloquear a inclusão, no acordo final, de medidas essenciais. A reunião do
Comitê em abril, em Ottawa, foi um exemplo disso, revelando divisões profundas
sobre estratégias fundamentais. A questão mais polêmica foi a proposta de
limitar a produção global de plásticos, que enfrentou forte oposição de
fabricantes, seus países de origem e produtores de petróleo e gás. Esses grupos
de interesse preferiram uma abordagem mais restrita, focada na reciclagem.
Alguns países petrolíferos até argumentaram que o tratado deveria cobrir apenas
a gestão de resíduos.
Sem dúvida, a
reciclagem é essencial. Mas ela não pode proporcionar as reduções necessárias
na produção e no consumo de plástico, nem abordar os efeitos da poluição
plástica na saúde humana. Mesmo no melhor cenário, sem medidas mais amplas para
controlar a produção, a poluição continuará a aumentar, provocando crises
graves de saúde, exacerbando a degradação ambiental e acelerando o aquecimento
global.
Não
surpreendentemente, os lobbies da indústria estão pressionando por um tratado
internacional sobre plásticos que não seja vinculativo – ou seja, não tenha um
mandato legal claro e compromissos obrigatórios. Tratados assim estão fadados a
se tornarem pouco mais do que promessas vagas e a rapidamente se tornarem
irrelevantes.
Reduzir o uso e a
produção de plásticos é crucial para facilitar as mudanças comportamentais
necessárias para que a humanidade se adapte às novas realidades ecológicas. Se
os lobbies da indústria conseguirem enfraquecer o tratado sobre plásticos,
excluindo limites de produção ou tornando suas disposições não vinculativas,
eles sabotarão os esforços para combater as mudanças climáticas.
À medida que a crise
climática se agrava, reduzir a poluição plástica nunca foi tão urgente, e é por
isso que as negociações para um tratado global ganharam tanto impulso. Mas as
negociações merecem muito mais atenção e engajamento público. Para garantir um
futuro mais sustentável, devemos pressionar os governos a se comprometerem com
um acordo internacional vinculativo que limite – e em última instância reduza –
a produção e o uso de plásticos.
Fonte: Por Por Jayathi
Ghosh | Tradução: Antonio Martins, em Outras Palavras
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