Marlon de Souza:
‘Mercosul-Brasil-China - integração sine qua non para a superação do
subdesenvolvimento da região’
O presente artigo é
produto de nossa produção científica do OPEB e uma versão expandida do nosso
texto também em co-autoria publicado anteriormente sob o título
*Mercosul-China: integração sine qua non para a neoindustrialização da região*.
O pesquisador em
Relações Internacionais da UFABC também colaborou com este presente artigo.
Aqui neste trabalho
demonstramos que para o Brasil e a América Latina (AL) como um todo para
superar seu subdesenvolvimento econômico é crucial se neoindustrializar.
Para alcançar este
objetivo é determinante uma integração regional da AL entre si e com a
República Popular da China (RPC) fundamentada em uma integração produtiva
industrial.
A fim de forma
eficiente neoindustrializar a partir da integração Brasil-AL-RPC é fundamental
que nossa relação comercial internacional com a RPC seja distinta da conformada
até aqui foi a Norte-Sul - AL com os Estados Unidos (EUA) e a União Europeia
(UE) -, que foi desde o início da história do capitalismo até hoje de venda -
quase na totalidade, de matérias-primas e commodities.
Para alicerçar a força
de nossos argumentos discorremos na extensão deste artigo - em caráter de
exemplo e ao mesmo tempo como exercício de análise de política comparada -
sobre estratégia exitosa de desenvolvimento econômico da RPC que é dileneada
exatamente pela sua integração regional industrial com o Sudeste asiático com
os países-membros da Asean que é formado por Brunei, Camboja, Filipinas,
Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Singapura, Tailândia e Vietnã.
Diante da perspectiva
de cooperação entre a China e os países do Mercosul, é notável o destaque de
eventos como a VII Sessão Plenária da Comissão Sino- Brasileira de Alto Nível
de Concertação e Cooperação (Cosban), realizado em 6 de junho, a qual foi co-presidida
em Pequim pelo vice-presidente do Brasil Geraldo Alckmin e o vice-Presidente da
China Han Zheng. Na reunião da Cosban, acentuou-se a necessidade de ampliar os
acordos comerciais entre a China e o bloco do Mercosul (Brasil, Argentina,
Paraguai, Uruguai, e Bolívia - que já teve promulgado desde dezembro de 2023
seu protocolo de adesão como membro pleno e agora está no estágio de adaptação
da sua legislação à do bloco, principalmente seu regime tarifário). A Venezuela
foi suspensa enquanto Estado parte em 2017 - pelos presidentes de direita que
compunham o bloco -, o governo Lula tem atuado para que a Venezuela retorne a
ser membro pleno do Mercosul.
Na reunião da Cosban,
o lado chinês defendeu um acordo de livre comércio entre China e Mercosul. O
vice-presidente Geraldo Alckmin disse que o Brasil precisa ampliar seus acordos
comerciais, mas que no que se refere à área de livre comércio do Mercosul "não
é uma decisão do Brasil", terá de ser do bloco.
Essa relação
Mercosul-China, no contexto atual das cadeias mundiais de produção e da
dinâmica da liderança do mercado industrial, é indispensável para garantir o
desenvolvimento dos países da região. A integração para prosperar deve ter um
conteúdo para diminuir as assimetrias do nível de desenvolvimento econômico, o
que é um desafio considerando que políticos de direita e de extrema-direita
presidem hoje a Argentina, Uruguai e Paraguai
De acordo com o
cientista político Ruy Mauro Marini (2000[1973]) o programa político econômico
da direita e da extrema-direita, majoritariamente, é o de uma integração ao
capitalismo internacional através de comércio de matérias-primas e, relativo a
indústria manufatureira, subordinado e dependente aos EUA; em posição rebaixada
na divisão internacional do trabalho, das cadeias globais de produção,
condicionada a indústrias maquiladoras, de tecnologia desatualizadas. baseada
na extração da mais-valia através da superexploração dos trabalhadores para
compensar a transferência de parte deste do lucro obtido na AL, isto é, da
periferia para os países do centro do capitalismo.
Marini dispõe que
desta forma estas políticas da direita condicionam os países da AL a sócios
minoritários do capitalismo internacional e perpetuam a
América-Latinalatino-américa ao subdesenvolvimento. Isto quando não muito raro
a política industrial é extinta em beneficiamento do capital financeiro, do
rentismo, da agropecuária e do extrativismo primário exportador.
O governo Lula (de
esquerda) tem o desafio de tentar levar o Brasil e o Mercosul adiante dessa
posição subordinada, buscando demonstrar e convencer a adesão institucional
governamental dos membros do Mercosul à uma integração regional para além do
comércio de commodities, mas sim em uma integração produtiva industrial
intensificada com a China e enquanto política não de governo e sim de Estado
como fator imperativo para a neoindustrialização e para a superação do
subdesenvolvimento dos países da América do Sul.
Isto significa que o
atual governo brasileiro enquanto potência econômica regional deve conduzir o
processo para outra direção, tem agora que realizar uma articulação produtiva
industrial com os países sul-americanos que passa por planejarmos a integração
de cadeias produtivas industriais regionais e sua integração globalao
estabelecimento de cadeias globais de valor para tornar o continente
desenvolvido fundamentada em projetos.
Neste contexto, o
Brasil tem de cumprir uma função de dirigir um processamento para que o
Mercosul não seja um acordo basicamente de comércio internacional de
matérias-primas, mas de produtos manufaturados e fundamentado em projetos
estruturais de inovação tecnológica e logísticos. Para isso, acredita-se que a
China possa ter papel importante.
Dados do Trademap
demonstram que o Mercosul vem aumentando desde 2021, o valor das exportações
para a China, totalizando em 2023, U$111.786.157 bilhões, conforme mostra
gráfico abaixo. Essa integração também pode ser analisada no quesito regional,
diante da grande presença da China nos números de exportação do Brasil,
Argentina, Paraguai, Bolívia e Uruguai, no ano de 2023. (Banco Mundial)
Mesmo queApesar de os
índices de exportação extrativista e agroexportador serejam significativos, em
especial na pauta vendida aos chineses, o governo brasileiro tem buscado usar
as relações com a China para tentar avançar em uma política de neoindustrialização
visando o próprio Brasil, mas também o Cone-Sul. Entende-se que aa indústria no
processo de integração regional é fundamental, pois tem efeito multiplicador na
economia, exponencialmente maior do que os setores primários exportadores que
são concentradores de riqueza, ofertam salários mais reduzidos e tem baixa
empregabilidade.
Isto não significa
marginalizar o extrativismo e o agronegócio pela política econômica. Antes pelo
contrário, as políticas públicas ao agronegócio e ao setor primário exportador
devem ser até intensificadas para maximizar ainda mais o lucro deste segmento
porque são responsáveis hoje pelo superávit da balança comercial brasileira.
Mas o que se impõe para o Mercosul alcançar o status de países desenvolvidos é
de que a indústria de transformação supere o agronegócio e o extrativismo na
participação em termos percentuais em relação ao total do PIB destas nações.
Cabe sublinhar que o
atual governo Lula - de atuação soberanista ao imperialismo dos EUA (GRANATO,
BERRINGER, 2024) alterou a política econômica neoliberal e implementou uma
economia desenvolvimentista quetem promovido a promove a neoindustrialização a
partir de três programas governamentais; Nova Indústria Brasil, Novo PAC
(infraestrutura) e o Plano de Transformação Ecológica (energias renováveis).
O economista do IPEA
Pedro Silva Barros (2023) aponta que as exportações para América do Sul e da
América Latina são hoje de 80% a 90% de manufaturados. Exporta-se para Europa
33% de manufaturados, para os EUA 50% e para a China somente 3%.
Barros destaca que
para cada dólar que a região comercializa dentro da própria região gera muito
mais empregos do que cada dólar que comercializamos fora da região. Em outras
palavras, o preço médio da tonelada do comércio intrarregional é superior a U$ 1.000,
já o preço médio do que exportamos para Ásia-Pacífico (para a China em
particular) é de U$ 260. É uma diferença brutal. Ou seja, o preço médio por
tonelada dos produtos comercializados entre os países da AL é superior - e por
esta razão mais lucrativo - porque são produtos industrializados.
Para a
neoindustrialização do Mercosul, é fundamental exportar além de commodities,
mas e aumentar o volume da exportação de produtos manufaturados com maior valor
agregado para a China. Nesta perspectiva, a partir deste governo Lula 3, a
China tem apoiado a política industrial brasileira financeiramente, sobretudo
desde 2023, através de investimentos robustos para a internalização de cadeias
de produção industriais no Brasil e transferência de tecnologia de alto
impacto.
Esta disposição do
Estado chinês em priorizar seus investimentos e relações comerciais
internacionais com o Brasil e a América Latina, somente pode ser compreendidao
com precisão se for examinadao para além do pragmatismo aparente.
No último dia 13 de
junho - uma semana após a plenária da Cosban - o presidente da China Xi Jinping
(2024) reafirmou na reunião da comissão central para o aprofundamento da
reforma geral do 20.º Comité Central do Partido Comunista da China (PCCh) “os
esforços intensificados da China para construir um sistema de economia de
mercado socialista de alto nível”.
A partir da
compreensão de que a China é hoje uma economia de mercado socialista é possível
concluir com a aplicação da teoria da Economia Política Mundial do método
analítico marxista wallersteiniana que a China se insere na economia-mundo em
uma macrodinâmica internacional em direção contrária do poder global
monopolista do império mundial estadunidense (NOGUEIRA, 2008) e a qualquer novo
tipo de hegemonismo, de colonialismo, interferência em assuntos internos e
desrespeito a soberania, pois estes são princípios basilares de todo legítimo
sistema econômico socialista e por conseguinte das relações internacionais
chinesas (XI, 2024). A integração Mercosul-China oportuniza para a China
reafirmar e efetivar na prática sua política de relações internacionais,
sobretudo no que se refere a “de igualdade e benefício mútuo e de Construir uma
Comunidade com um Futuro Compartilhado para a Humanidade”.
Por esta razão, o
Mercosul deve prestar atenção na China e procurar compreender melhor como usar
as relações com o país para promove sua própria integração produtiva. Isso, ao
mesmo tempo em que mantem suas relações com parceiros tradicionais, como os tem
de ter a China como seu parceiro comercial prioritário em um padrão comercial
distinto do que foi até aqui a relação Norte-Sul, mas agora uma relação
Mercosul-China para a neoindustrialização e desencadeamento da comercialização
do Mercosul para o comércio global de produtos manufaturados. Ao mesmo tempo é
correto não romper ou encerrar a relação comercial com os EUA tampouco e com a
União Europeia, já que também são um mercado significativo para a economia do
Mercosul. Contudo, a soberania econômica somente será conquistada pelo primado
da política internacional de aliança Sul-Sul - de complementaridade entre o Sul
Global.
·
Integração planejada para a produção
industrial
Barros (2023) assinala
que o Brasil não conseguirá efetivar uma política de neoindustrialização
desconectado dos vizinhos. Qualquer nova empresa fundada na América do Sul,
Latina e Caribe terá dificuldade para se internacionalizar, de se inserir na
cadeia global de valor, porque a rivalidade tecnológica constitui óbices, por
isso a importância planejada da integração e do mercado regional tendo como
ponto de partida lógico a neoindustrialização estabelecendo cadeias industriais
de abastecimento regionais, divisão estruturada do trabalho de cooperação,
ganho qualificado e o desenvolvimento não a partir de indústrias maquiladoras,
mas de indústria 4.0, manufatureira moderna, atualizada e digitalizada.
Neste aspecto da
integração regional a estratégia de desenvolvimento da China de 1949 até hoje
também nos proporciona uma lição. Anterior a China, cabe destacar que o
continente asiático como um todo, serve de modelo de integração baseado em
produção e investimento cruzado. Inverso da maneira como o Mercosul nestes 33
anos de existência e mesmo a União Europeia que promoveram a integração baseada
em mecanismos interestatais voltados para o comércio, após se integrar no
modelo asiático na década de 80, a China realizou sua integração regional na
Ásia com uma estratégia de integração produtiva industrial, principalmente com
a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) que foi engendrada a partir
de mecanismos institucionais por meio de polos de manufatura nos países da
região.
·
Iniciativa Cinturão e Rota da Seda para a
integração física do Mercosul
A integração física do
Mercosul através de rodovias, expansão da malha ferroviária, aquisição de
equipamentos para o transporte das cargas, expansão de aeroportos e portos,
integração energética e de fibra ótica é pré-condição para sua
neoindustrialização. Nesse sentido, o Brasil ainda não optou pela adesão à
Iniciativa do Cinturão e Rota da China (Belt and Road Initiative – BRI), que
também traz essa proposta. Todavia, o assunto foi tratado nesta VII Sessão
Plenária da Cosban e a ata desta reunião registra que Brasil e China
“concordaram (...) nos esforços da integração sul-americana, e as políticas de
desenvolvimento e as iniciativas internacionais da China, inclusive a
"Iniciativa do Cinturão e da Rota". Nessa mesma linha, a Ministra do
Planejamento e Orçamento do Brasil, Simone Tebet afirmou à imprensa chinesa que
o Brasil busca maior sinergia entre a Iniciativa do Cinturão e Rota e o
Programa de Reindustrialização e Aceleração do Novo Crescimento do Brasil, uma
parceria em andamento com orçamento já previsto para 2025, 2026 e 2027 em
projetos de infraestrutura.
Pode-se assim entender
as reticências do Brasil em se somar à Iniciativa do Cinturão e Rota como uma
medida de cautela que leva em consideração o tamanho de sua economia, que
difere em muito da dos demais 21 países latino-americanos que já optaram pela adesão.
A iniciativa, que passa de um plano de integração da Ásia à Europa, torna-se um
projeto de desenvolvimento do Sul Global que tem a China, em sua centralidade,
com um projeto de desenvolvimento que se difere do modelo ocidental,
priorizando a conectividade e infraestrutura, segundo o professor titular da
Escola de Estudos Globais da Universidade de Boston Jorge Heine.
Entre os países que a
China mira o ingresso ao Cinturão e Rota na América Latina estão Brasil,
Argentina, Colômbia e México. Destes, apenas a Argentina já optou pela adesão,
ainda que em um momento de renegociação da dívida bilionária com o Fundo
Monetário Internacional (FMI), cuja força diretiva se concentra nos EUA. Para o
diretor do Centro de Estudos Argentina-China (CEACh), da Faculdade de Ciências
Sociais da Universidade de Buenos Aires Ignacio Villagrán “o que a China está
fazendo é contribuir com outras ferramentas produtivas e fiscais para pensar
uma saída, um sustento de médio e curto prazo para a situação da Argentina”.
Importante sublinhamos
ainda um dos projetos relacionados à Iniciativa do Cinturão e Rota mais
imponentes que prevê investimento da China para a integração de infra-estrutura
logística do Brasil com o Peru, da América do Sul com a Ásia que é a Ferrovia Transoceânica,
que ligaria o Porto de Açu no Rio de Janeiro a Cruzeiro do Sul no Acre na
fronteira com o Peru, conectando o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico,
cruzando o continente Sul-americano de Leste a Oeste. A ferrovia terá uma
extensão total estimada em 4.400 km no território brasileiro.
O Brasil enquanto
potência econômica regional também tem realizado sua parte, o presidente do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) Aloizio Mercadante
no último 2/7 anunciou a aprovação de R$ 3,2 bilhões para projetos da
iniciativa Rotas para a Integração durante a participação no “Foro
Internacional: Integración y Solidaridad Regional”, que ocorreu na sede do
Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF), em Montevideo, no
Uruguai.
O Rotas para a
Integração é o maior fundo construído para a integração da América do Sul e do
Mercosul. Foi assinado em dezembro de 2023 e prevê investimentos de até R$ 50
bilhões, com recursos do BNDES, do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), do CAF e do Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata
(Fonplata). A instituição brasileira tem participação de R$ 15 bilhões no fundo
para investimentos em empresas nacionais, dos quais já desembolsou R$ 2
bilhões.
É possível concluir
que a relação Mercosul com a China pode ser preferencial, mas desde não seja
baseada tão somente para a venda de commodities, mas em uma integração
produtiva industrial ao estabelecimento elevado de cadeias globais de valor
como sine qua non para tornar o sub-continente sul-americano desenvolvido. Como
foi examinado aqui a integração física da América do Sul em si e com a China é
decisiva para o abastecimento das cadeias de produção industrial regional e
para o escoamento e exportação da produção industrial porque reduz o custo
logístico com o transporte, combustível, manutenção de caminhões e por
conseguinte reduz o custo do produto industrial final e o torna mais
competitivo no mercado internacional.
Fonte:
Brasil 247
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