Como o cérebro se comporta quando estamos
doentes
Se alguém nos diz que
vamos pegar uma gripe, a primeira coisa que pensamos são os sintomas físicos:
dores musculares, tosse e febre.
Porém, o que realmente
nos impacta numa infecção dessas é o cansaço extremo, a apatia, a
irritabilidade e aquele "nevoeiro mental" que parece ficar conosco
para sempre.
Esse conjunto de
sintomas é conhecido como "comportamento de doença" e, embora seja
desagradável, tem um propósito bastante importante.
• O comportamento de doença
Descobertas recentes
apontam que os sintomas comuns durante uma infecção viral ou bacteriana não são
simplesmente efeitos secundários da doença, mas têm uma função benéfica.
Eles permitem que
nosso corpo redirecione a energia para combater os agentes patogênicos que nos
invadiram. Em outras palavras, nos sentimos mal para nos sentirmos bem depois.
No entanto, esse
mecanismo também pode se tornar um efeito colateral indesejado em pacientes com
câncer ou doenças autoimunes.
Essas pessoas são
tratadas com medicamentos que atuam no sistema imunológico, conhecidas como
interferons.
Os tais interferons
são naturalmente produzidos e liberados pelas células do nosso sistema de
defesa quando sofremos uma infecção.
Porém, o uso
terapêutico deles pode desencadear esses sintomas desagradáveis típicos do
comportamento de doença.
• A barreira hematoencefálica
Mas como uma doença
afeta a função cerebral e nosso estado mental?
Para tentar responder
a essa questão, devemos primeiro conhecer a barreira hematoencefálica, uma
estrutura complexa cuja principal função é proteger as células cerebrais.
Essa barreira
hematoencefálica é um sistema protetor que impede a entrada da maioria dos
patógenos e moléculas imunológicas no cérebro.
Durante muito tempo,
acreditou-se que essa estrutura também bloqueava os sinais do sistema
imunológico.
No entanto, hoje
sabemos da existência de toda uma série de mecanismos que permitem que certos
mensageiros químicos de defesa atravessem a barreira e influenciem até o nosso
comportamento.
• O que os ratos revelam
Para esclarecer como
uma infecção pode levar ao comportamento da doença, um grupo de pesquisa alemão
realizou um estudo no qual expôs camundongos a um vírus que causa um quadro
mais leve.
Os especialistas então
avaliaram os efeitos do patógeno no comportamento dos animais. Para isso,
usaram um teste que detecta depressão nos roedores.
Essa ferramenta de
diagnóstico, conhecida como labirinto aquático de Morris, consiste em colocar
os animais em um recipiente com água. Eles devem nadar até encontrar uma
plataforma que os permita sair daquele ambiente.
Ratos saudáveis
geralmente lutam até conseguirem escapar. No entanto, animais com sintomas
depressivos desistem rapidamente e flutuam para longe do destino.
E aí vem o mais
interessante: os ratos de laboratório infectados com o vírus passaram quase o
dobro do tempo nesse estado de flutuação, o que sugere que o patógeno alterou o
comportamento deles.
Em outras palavras,
quando estavam doentes, os animais avaliados ficaram visivelmente deprimidos.
Neste estudo, foi
detectado que o vírus induziu os camundongos a produzir um tipo de interferon,
o interferon-β, uma molécula imunológica que, por sua vez, estimula receptores
que estão localizados em estruturas que fazem parte da barreira hematoencefálica.
• Genética e comportamento da doença
Para determinar se os
tais receptores localizados na barreira hematoencefálica desencadeiam o
comportamento de doença, os investigadores alemães compararam ratos normais com
animais geneticamente modificados, que não possuíam esses receptores.
Para isso, os
cientistas ativaram as mesmas respostas imunológicas causadas pelo vírus nos
dois grupos de ratos. Na sequência, todos foram submetidos ao teste de
flutuação.
Durante a prova, os
ratos com os genes modificados (que não possuíam os receptores) demoraram
aproximadamente 50% menos tempo para encontrar a plataforma quando comparados
aos ratos normais (que possuíam os receptores).
Isso indica que o
primeiro grupo é muito menos vulnerável à depressão, ao não carregar os
receptores.
• O papel do CXCL10 no cérebro
Como já mencionamos,
os pesquisadores conseguiram identificar as duas partes de um mecanismo que
transmite sinais imunológicos através da barreira hematoencefálica: o
interferon-β e os receptores que ele estimula.
Porém, ainda era
necessário determinar qual molécula, nessa cascata de sinalização, causava de
fato as alterações no cérebro.
Eles descobriram que,
em resposta ao interferon-β, as células dos vasos sanguíneos produzem outra
molécula: a CXCL10, que possui uma atividade inflamatória conhecida em quadros
de artrite reumatóide.
Quando os
especialistas mediram a atividade elétrica dos neurônios no hipocampo, uma
parte do cérebro que ajuda a formar memórias e também influencia as emoções,
eles observaram que o CXCL10 alterou as respostas dos neurônios de uma forma
que poderia reduzir a capacidade de aprendizagem dos animais.
Assim, os cientistas
foram capazes de explicar, a base celular e eletrofisiológica do tal
comportamento de doença.
Uma implicação
importante deste trabalho é que ele abre portas para encontrar maneiras de
interromper o comportamento de doença em pacientes com câncer ou quadros
autoimunes que recebem tratamento com interferon.
Porém, o que está
claro é que a sensação de estar doente não envolve simplesmente um
aborrecimento sem propósito.
Os sintomas que
sentimos são uma parte vital da resposta do corpo às infecções — e permitem que
o sistema imunológico se concentre na luta contra os invasores.
Fonte: Por Francisco
José Esteban Ruiz, para The Conversation
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